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A dispersão das cidades em confronto aos espaços rurais

Reflexos sociais, econômicos e ambientais da dispersão urbana

3.4. A dispersão das cidades em confronto aos espaços rurais

Como pontuado em itens anteriores deste trabalho a expansão urbana é uma forma específica de ocupação do solo, que resulta na dispersão com baixa densidade (vazios urbanos) e a influência na eficiência da cidade, bem como se apresenta como um desafio a ser superado pela governança municipal.

Em decorrência do avanço sobre as áreas rurais (áreas “rurbanas”), a expansão urbana contribui para a perda de terras agrícolas e constitui uma das causas da perda de biodiversidade e da exploração dos recursos naturais, em detrimento dos ecossistemas agrícolas, pastagens e zonas úmidas. Por conseguinte, é uma ameaça à sustentabilidade dos territórios urbanos e agrícolas.

A realidade brasileira mostra que é difícil inverter a expansão urbana. Porém, esta pode ser controlada, orientada, coordenada e minimizada, principalmente, ao pensar no futuro da cidade em relação à provisão de alimentos, tratando de cadeias de produção/consumo locais e de menor dimensão. 

Entre os eixos de debate sobre a crescente urbanização, encontramos o estabelecimento dos limites rural/urbano, que se diluem e se tornam fragmentados. Embora sejam definidos por instrumentos legais, aparecem como vários espaços “entre” os núcleos de urbanização.

A proposta de reflexão sobre fronteira remete à importância da integração entre o tecido urbano e os sistemas naturais, que atravessam as cidades como lugares privilegiados de intervenção e são reconhecidos como espaços de mediação, com possibilidade de criação de espaço público para estabelecimento de uma relação sustentável.

Verifica-se que o crescimento centrífugo e a urbanização da cidade requerem maior consumo de espaço e de recursos naturais. Portanto, a agricultura tem sofrido relevantes consequências, principalmente na disputa pelas oportunidades de trabalho e pelo mercado de solos, proveniente de pressões do setor imobiliário.

A figura 16 retrata o rápido crescimento urbano e industrial do século XIX, no ano de 1829.

Figura 16 - Representação do rápido crescimento urbano e industrial do século XIX (1829) Fonte: Disponível em: <http://www.historyhome.co.uk/peel/p‐health/bricks.htm>. Acesso em: 29 ago. 2012.

Outros fatores fortalecem as repercussões do avanço sobre o rural, como a redução ou degradação de solos com forte aptidão agrícola. A fragmentação e o isolamento das parcelas, que geralmente ocorrem nas franjas urbanas, conduzem a um maior parcelamento e à dispersão das propriedades (prédios rústicos), além de problemas de acessibilidade a elas, o que pode levar a uma perda da base econômica tradicional de uma dada região (BRYANT; RUSSWURM; MCLELAN, 1982, p. 107).

Várias são as consequências da redução da base agrícola, como a elevação dos custos de produção com reflexo no preço, a diminuição dos rendimentos do setor e a excessiva fragmentação da terra que torna inviável a atividade. Com a perda da rentabilidade econômica, o setor passa a apresentar clara vulnerabilidade, diante da especulação fundiária e imobiliária (BRABEC; SMITH, 2002, p. 255-256).

Diante da vulnerabilidade, ocorre um declínio do peso político e econômico das comunidades rurais, potencializando os efeitos da expansão urbana sobre a agricultura, sendo esta uma condição propícia à intensificação dos conflitos rural/urbano, entre eles, a que leva os agricultores internalizem algumas das externalidades negativas geradas pela agricultura (maus odores, ruído, resíduos, efluentes, etc.), sobretudo no setor da pecuária. Além disso, a proximidade aos meios urbanos resulta numa sujeição maior a todo o tipo de vandalismos (nas colheitas, nos equipamentos), acentuando ainda mais a ineficiência das explorações.

Os agricultores, diante dos efeitos especulativos causados pelo aumento da procura e maior preço da terra rural, passam a avaliar a oportunidade de venda de suas propriedades a se apropriar de mais-valias, por ação do mercado, condição que os desencoraja a investirem em novas tecnologias. Deixam de avaliar os efeitos de mercado pela proximidade do seu mercado de consumo e escoamento dos produtos, o que torna os custos de transporte mais baratos, o

que pode ser considerado como uma vantagem locativa e que poderia torná-los mais competitivos, prescindindo inclusive de intermediários.

Tradicionalmente, o espaço rural, destinado ao mundo agrícola, tem como contraponto o espaço urbano. Embora, modernamente, estes espaços começassem a se tornar imprecisos, mais recentemente o meio rural, até por normativas legais, deixou de estar associado exclusivamente à agricultura.

Ressalta-se que o campo e a cidade são integrantes de um mesmo sistema econômico e social, com papéis interdependentes. Há uma divisão física, cultural e sociológica, mas que não os aparta. Ao contrário, os espaços rurais sempre tiveram uma relação especial com as áreas urbanas, já que estas eram, essencialmente, centros de consumo dos produtos agrícolas, mas também de prestação de serviços e fornecimento de bens à população agrícola. (BRYANT; RUSSWURM; MCLELAN, 1982, p. 5).

Salienta-se que, historicamente, os núcleos urbanos estão próximos de áreas e regiões dotadas com excelentes recursos naturais, que são utilizados para a alimentação e subsistência (recursos hidrológicos e agrícolas), para fornecimento de matérias‐primas (ex. recursos geológicos/mineralógicos) ou mesmo para o lazer e recreio.

Neste estudo, tratamos dos espaços rurais sob a influência da expansão das cidades, transformados em “rurbanos”, face ao avanço do urbano sobre o rural. Mas existem áreas mais distantes dos núcleos urbanos que podem ser exclusivamente dedicadas ao mundo agrícola. Essa diferenciação de forma gradativa demonstra que, em torno dos núcleos urbanos, estabelecem‐se anéis concêntricos sucessivos, que representam áreas cuja influência desse meio urbano sobre as práticas e usos do solo agrícolas é maior ou menor, consoante à distância e a esse centro (Figura 17).

Figura 17 - Espaços rurais: tipologias (2008) Fonte: Fernandes (2008, p. 113).

Verifica-se que, nos espaços rurais situados junto das zonas urbanizáveis, as pressões decorrentes do incessante processo de periurbanização são maiores e o avanço em direção a essas áreas afeta a produção local, mesmo porque nessas áreas existe uma agricultura mais frágil, pontuando-se que, no limite, a periurbanização insere‐se nos espaços onde a agricultura está em vias de desaparecer totalmente. Nesses espaços pratica‐se a denominada “agricultura periurbana” ou mesmo a “agricultura urbana” (DIRY, 1999, p. 85).

Em razão de ações de constrangimentos derivados do crescimento urbano, essa modalidade de agricultura, que tem um papel fundamental no abastecimento local, recebe as consequências do ato potencializadas, representadas pela redução da viabilidade econômica das atividades, pela degradação do meio ambiente e pela interferência nas próprias relações sociais entre cidade e campo.

Aspectos elementares não são observados no tratamento das áreas rurais, como: instrumentos de planejamento, que comportem políticas agrícolas e dificultem a reclassificação do uso do solo rural; criação de instrumentos legais de suporte à profissionalização das atividades rurais e do equilíbrio de taxação das terras; reforço da

relação entre cidade e campo, baseado na cooperação e coesão territorial; financiamento municipal, especialmente para as áreas agrícolas protegidas, fator que reforça a viabilidade econômica e fortalece a região; e, sempre que houver ações de avanço sobre o rural, a realização de estudo do impacto da ação em relação ao meio ambiente, a produção, ao mercado local e a atividade no contexto sistêmico.

Não iremos nos aprofundar neste estudo, mas Diry (1999, p. 14) afirma que “os estudos de espaços e paisagens rurais assenta, basicamente, em três variáveis importantes: o meio natural, as heranças históricas e a atuação dos intervenientes contemporâneos”. O meio natural deriva do tipo de solo e da morfologia do terreno, embora a progressiva artificialização dos modos de produção e os fortes melhoramentos nas técnicas agrícolas possam tornar os fatores físicos como “variáveis secundárias”. O fator histórico modifica os espaços e as paisagens rurais, imprimindo características que acabam por se perpetuar ao longo do tempo futuro. E as atuações contemporâneas dizem respeito, principalmente, às opções tomadas quotidianamente por quem vive e atua no mundo rural.