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A mobilidade urbana voltada para o transporte motorizado individual

Reflexos sociais, econômicos e ambientais da dispersão urbana

3.3. A mobilidade urbana voltada para o transporte motorizado individual

O avanço urbano para áreas distantes acarreta excessivas despesas ao erário municipal com a implantação e manutenção de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos, em detrimento à ociosidade de infraestrutura instalada em regiões centrais que não são utilizadas. A extensão das redes do transporte coletivo é um fator que eleva o custo de manutenção da municipalidade, além do efeito ambiental direto acarretado por longos percursos dos veículos automotores. Outro aspecto importante relacionado à qualidade de vida da população é o tempo despendido em deslocamentos extremamente longos e, na maioria das cidades, realizado pelo meio desconfortável do transbordo.

O crescimento urbano tem como característica a criação das vias de circulação irradiadas a partir de um núcleo central. Nesses traçados, são organizadas as redes de transporte que direcionam a expansão urbana. A cidade se amplia nas proximidades das vias destinadas à rede de transporte, em razão da própria acessibilidade (FAISSOL, 1973).

O padrão de densidade também influencia, significativamente, o transporte urbano, principalmente o coletivo, pela composição do número de viagens e pelo modo de locomoção. Essa composição de viagem e locomoção mostra que, não havendo viagens longas e caras, há possibilidade de uma quantidade maior de deslocamentos, ou seja, maior número de viagens, que resulta em menor tempo de espera para o passageiro e um menor preço de passagens, devido ao maior número de usuários. Estudos realizados em Curitiba-PR detectaram que, à medida que houve adensamento na região central, as viagens realizadas pelo transporte coletivo ficaram com maior número de passageiros, resultado da diminuição de número de viagens por pessoas em automóvel individual privado (ACIOLY JUNIOR; DAVIDSON, 1998).

Concluiu-se, naquele estudo, que as dificuldades de locomoção por meio do transporte privado (trânsito e local para estacionar) e a possibilidade de maior acessibilidade ao transporte coletivo público, bem como a sua cobertura efetiva de um raio de distância relativamente curta, possibilitaram maior eficácia no serviço. Assim sendo, foram

integralmente atendidas as necessidades básicas do usuário, fator decisivo na alteração do comportamento da população (ACIOLY JUNIOR; DAVIDSON, 1998).

O transporte público nas cidades é de responsabilidade do município, mas a precariedade financeira da maioria deles colocam grandes obstáculos à organização dos investimentos necessários à mudança nas condições atuais de queda da mobilidade e da acessibilidade, degradação das condições ambientais e altos índices de acidentes de trânsito.

Assim, em sentido amplo, pode-se atribuir a este modelo inadequado de transporte urbano uma importante participação no "custo Brasil", pois ele é incompatível com uma melhor qualidade de vida, gera deseconomias inaceitáveis para a nossa sociedade (em escala nacional e global), além de se constituir obstáculo sob o ponto de vista estratégico.

Esse quadro atual negativo mostrou avanço em relação à formulação de políticas voltadas para o transporte urbano, que é essencial para garantir a eficiência do setor, na medida em que utiliza recursos institucionais, técnicos e econômicos para preparar as cidades brasileiras para um novo patamar.

Esse preparo requer o enfrentamento de problemas como: o crescimento desordenado das cidades, que gera impactos ambientais e afeta a eficiência da economia urbana; a degradação crescente da qualidade da vida urbana, tendo como fator indutor a própria qualidade do transporte público; a redução da acessibilidade das pessoas ao espaço urbano, devido ao aumento dos congestionamentos, da poluição atmosférica e dos acidentes de trânsito; e a invasão das áreas residenciais e de vivência coletiva por tráfego inadequado de veículos.

A adoção de princípios retirados de discussão transparente e ampla acerca de soluções para os problemas coletivos – envolvendo os usuários dos sistemas de transporte e considerando o respeito às leis e às decisões tomadas em processos democráticos legítimos, por parte de indivíduos e de entidades públicas e privadas – apontaria para um avanço significativo no setor.

Embora a cidade seja um ambiente de uso coletivo, cujo acesso por meio dos sistemas de transporte deveria ser dividido democraticamente, há uma forte tendência, por força do planejamento urbano e fatores econômicos, de incentivo ao uso do automóvel. Esse paradigma somente será rompido com alterações de políticas de desenvolvimento urbano que atribuam prioridade ao uso do sistema viário em relação à circulação de pedestres, aos ciclistas e aos meios de transporte público coletivo, especialmente os ônibus. A respeito do automóvel, Rogers afirma:

Mas foi o automóvel o principal responsável pela deterioração da coesa estrutura social da cidade. Atualmente, os cerca de 500 milhões de carros em todo o mundo destruíram a qualidade dos espaços públicos e estimularam a expansão urbana para bairros distantes. Da mesma forma que o elevador tornou possível a existência de arranha-céu, o automóvel possibilitou que os cidadãos vivessem longe dos centros urbanos. Ele viabilizou a compartimentação das atividades cotidianas, segregando escritórios, lojas e casas. E quanto maiores as cidades, mais antieconômico era expandir o sistema de transporte público, e mais dependentes de carros ficavam os cidadãos (ROGERS, 2001, p. 35).

Nesse viés, os objetivos a perseguir são: qualidade de vida por meio de melhores condições de transporte, com segurança e acessibilidade para realização das atividades necessárias à vida moderna; maior eficiência urbana, com a integração modal para maior dinâmica, priorizando os meios coletivos no uso do sistema viário; melhor qualidade ambiental, com redução dos níveis de poluição atmosférica e sonora, e pela proteção das áreas residenciais e de vivência coletiva contra o trânsito indevido de veículos.

Nesse contexto, apresentam-se grandes desafios a serem transpostos em curto prazo, como ações concretas e coordenadas para a efetiva integração entre desenvolvimento urbano, transporte e trânsito, pela contraposição entre a expansão urbana que gera ampliação do sistema de transporte público e muda condições de trânsito, e vice-versa.

Outro desafio é a garantia da prioridade política, uma vez que as cidades crescem desordenadamente com prioridade no transporte individual. Dessa maneira, o esforço político a fim de garantir o transporte público como única alternativa viável para estruturar o desenvolvimento futuro das cidades brasileiras é fundamental. É evidente que, na atualidade, a proposta de eficiência do transporte público deverá vir agregada da reconquista da confiança, pois ele perdeu prestígio junto à opinião pública, à classe política, às entidades civis e empresariais e aos próprios cidadãos que dele dependem.

O transporte público eficiente reúne, como garantias essenciais, a democratização do acesso e medidas como o espaço viário e as condições adequadas de trânsito (faixas e vias exclusivas), redução dos custos que propiciará tarifas suportáveis, a conquista de novos públicos (que nunca o utilizaram ou abandonaram em função da queda no nível de serviço) e a participação da iniciativa privada e da sociedade nas decisões. Sobre essas questões, Fernandes esclarece que:

Melhorar o acesso ao trabalho, bens, serviços e áreas de lazer, dentre outras coisas, por meio da promoção de sistemas de transportes mais eficientes, ambientalmente seguros, acessíveis, silenciosos e que sejam mais econômicos em termos de energia, e da promoção de padrões de desenvolvimento espacial e de políticas de comunicação que reduzam a demanda por transporte, estabelecendo medidas, sempre que pertinente, que façam os poluidores assumirem os custos da poluição, considerando as necessidades e exigências especiais dos países em desenvolvimento. (FERNANDES, 2003, p. 37).

A Lei nº 12.587, de 03 de janeiro de 2012, instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, a qual servirá como elo entre os vários agentes do setor, representando um conjunto comum de objetivos. Essa política nacional se torna tão mais necessária quão mais complexa se torna a realidade urbana no país, reforçada pela importância crescente das cidades para a eficiência da economia e para a qualidade de vida da população.

A política nacional reflete o anseio das entidades e organizações ligadas ao setor por trazer implícita a necessidade de trabalho conjunto da sociedade e do governo, nos seus três níveis. Assim, a política deve respeitar as áreas próprias de atuação dos três níveis de governo e limitar-se a traçar linhas gerais e metas a serem perseguidas de forma coordenada pelo governo, a iniciativa privada e a sociedade.

A política nacional busca um reposicionamento que implica romper com as políticas historicamente constituídas de apoio e concessão de privilégios ao uso do automóvel e revertê-las em benefício ao uso dos meios coletivos de transporte para a maioria da população.

O transporte público é considerado pela Constituição Federal de 1988 como um serviço essencial e de competência municipal. Nesses termos, é responsabilidade do Município oferecer à população um serviço de transporte que seja eficiente, seguro e barato. A política de transportes públicos coletivos tem como deveres: levar em conta a renda da população a ser atendida, aperfeiçoar os percursos, integrar as diversas modalidades de transportes, reduzir o tempo de duração das viagens – principalmente no trajeto de casa para o trabalho – e minimizar os impactos ambientais (BRASIL, 1988).

A mobilidade também é um fator econômico de importância para melhorar as condições de vida, moradia e trabalho da população mais desfavorecida. Cabe ao poder público municipal planejar, regular, gerir e fiscalizar a oferta de transporte público, de modo que o serviço prestado seja acessível, seguro, não poluente e de baixo custo. As tarifas devem ser apropriadas à população beneficiada. As crianças em idade escolar e os idosos devem usufruir do passe livre.

A opção preferencial pelo transporte individual não é novidade no Brasil. Se o modelo de circulação de automóveis não for revisto, vai tornar as cidades brasileiras inviáveis, em decorrência do impacto dos congestionamentos no acréscimo do consumo de combustíveis, do tempo gasto, das emissões de poluentes, do custo operacional e do uso do espaço viário.

No que se refere aos transportes públicos, o atual modelo de prestação dos serviços não atende mais às necessidades da população. Torna-se necessária a construção de um modelo,

em uma perspectiva de longo prazo, que incorpore o sistema de mobilidade urbana em toda a sua complementaridade e promova a sustentabilidade dos transportes urbanos.

Varias cidades do planeta perceberam a necessidade de um sistema sustentável de transporte urbano, como Nova Iorque, Paris, Londres, Cingapura, Vancouver, Portland, Curitiba, Bogotá, entre outras. Mas a maioria ainda precisa responder ao grande desafio de criar um futuro sustentável, de engajar os cidadãos em torno dessa visão e adotar políticas consistentes para chegar lá.

Cingapura instituiu, em 1975, o pedágio urbano e o mantém até hoje, aliado a investimentos em transporte coletivo e monitoramento de tráfego. Londres trabalha duro para reduzir o trânsito e a poluição usando uma combinação de pedágio urbano e restrição do tráfego em certas ruas do centro da cidade. Paris retira os automóveis das zonas centrais com a combinação bicicletas e transporte coletivo: a prefeitura distribuiu 20 mil bicicletas, por 750 pontos de embarque do transporte coletivo. Nova Iorque não conseguiu a aprovação do legislativo para o pedágio urbano, mas planeja mais espaço para pedestres e bicicletas e a expansão de corredores exclusivos com ônibus de alta capacidade, o BRT (Bus Rapid Transit).

Em Bogotá, na Colômbia, o BRT (Bus Rapid Transit) restringiu o trânsito de automóveis durante horários de pico para reduzir o congestionamento nessas horas em 40%. A medida veio combinada com aumento dos impostos sobre a gasolina. A prefeitura investiu metade dos recursos recebidos no sistema de ônibus BRT, que diariamente atende 500.000 moradores de Bogotá. Outras providências importantes foram tomadas, entre elas, a construção de 300 quilômetros de ciclovias e a criação do Domingo Anual Sem Carro, na região central.

Guayaquil, no Equador, inaugurou um novo sistema de transporte coletivo, renovou espaços públicos e as áreas para pedestres e criou o Domingo Livre de Carros, nas ruas do centro. Com isso, ganhou o prêmio internacional de sustentabilidade.

A tendência mundial aponta para um novo perfil de cidade, com bons sistemas de transporte coletivo, harmonia com o meio ambiente, ciclovias e espaços para caminhar, regiões densamente povoadas e com uso misto do solo. Esse futuro é a cidade desejada, que independa de automóveis, livrando a população do estresse do tráfego, para que possa desfrutar de mais tempo com os amigos e a família, em vez de ver as horas serem consumidas no trânsito. Tal perspectiva tem, como essência, o transporte coletivo disponível à população e cria espaços seguros para os pedestres e ciclistas. As pessoas se tornam mais ativas e saudáveis e o tecido socioeconômico das cidades é fortalecido.

Para isso, é necessária a instalação de bons sistemas de transporte coletivo, em harmonia com o meio ambiente, ciclovias, espaços para caminhar, adensamento com regiões povoadas e com uso misto do solo. Essas condições exprimem o fim do ciclo das cidades formatadas apenas para carros, sem investimentos em outras formas de transporte, com preocupação única de ampliar o espaço para estacionamento e construir mais avenidas. Essas cidades acabarão morrendo. Detroit é um exemplo. Os problemas de trânsito foram resolvidos, mas a cidade acabou despovoada.

É importante salientar a inclusão de forte linguagem de transporte público coletivo no texto do documento final da Rio+20, dentro de “Áreas temáticas e questões multissetoriais”, no Capítulo 5 – Estratégias de Ação e Acompanhamento: Transporte Sustentável, como se observa neste trecho:

132. Notamos que o transporte e a mobilidade são fundamentais para o desenvolvimento sustentável. O transporte sustentável pode reforçar o crescimento econômico e melhorar a acessibilidade. O transporte sustentável alcança uma melhor integração da economia ao mesmo tempo em que respeita o meio ambiente. Reconhecemos a importância do movimento eficiente de pessoas e bens, e acesso ao transporte ambientalmente saudável, seguro e acessível como um meio para melhorar a equidade social, a saúde, a resiliência das cidades, as ligações urbano- rurais e a produtividade das áreas rurais. A este respeito, devemos levar em conta a segurança viária como parte de nossos esforços para alcançar o desenvolvimento sustentável.

133. Apoiamos o desenvolvimento de sistemas de transporte sustentáveis, incluindo eficiência energética de sistemas multimodais de transporte, sistemas de transporte público de massa, combustíveis limpos e veículos, bem como sistemas de transporte qualificados para zonas rurais. Reconhecemos a necessidade de promover uma abordagem integrada à formulação de políticas nos níveis nacional, regional e local para serviços e sistemas de transporte para promover o desenvolvimento sustentável. Também reconhecemos que as necessidades especiais de desenvolvimento do transporte para países em desenvolvimento sem litoral precisam ser levadas em conta ao estabelecer sistemas de transporte sustentáveis. Reconhecemos a necessidade de apoio internacional aos países em desenvolvimento a este respeito (UNITED NATIONS, 2012, p. 26).

Assim, embora se contate que em passado recente havia desconsideração do transporte nas discussões de sustentabilidade, nota-se a mudança pela sua importância registrada na Rio+20. O transporte passou a fazer parte de uma agenda positiva. Esse fator se deve a classe média global ter crescido e se tornado urbana. Desta maneira, caminhamos para um mundo com mais automóveis, que resulta em mais congestionamentos, poluição, enfim, com todos os desafios relacionados à questão. Por esse motivo, é vital responder a estes desafios de transporte e urbanização de maneira imediata, essencialmente pela constatação da dispersão das cidades brasileiras.