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A cidade na contemporaneidade: escolas dos pensamentos da questão urbana, reforma urbana, sustentabilidade e dispersão urbana

1. As “Escolas” no pensamento urbano brasileiro

2.4. Os planos e políticas como instrumentos da reforma urbana e gestão das cidades

2.4.1. Planos e políticas nacionais

2.4.1.4. Política e Plano Nacional de Mobilidade Urbana

As cidades brasileiras vivem um momento de crise da mobilidade urbana, que exige uma mudança de paradigma, talvez de forma mais radical do que outras políticas setoriais. Trata-se de reverter o atual modelo de mobilidade, integrando-a aos instrumentos de gestão urbanística, subordinando-se aos princípios da sustentabilidade ambiental e voltando-se decisivamente para a inclusão social.

A Mobilidade Urbana é um dos mais difíceis desafios que as cidades enfrentam no mundo e, consequentemente, veremos futuros investimentos maciços voltados para o setor. Hoje, 64% do total de viagens são feitas dentro de áreas urbanas e estas viagens deverão triplicar até 2050. Portanto, a capacidade de inovar é fundamental e deve ocorrer de forma rápida, conveniente e com pouco impacto ambiental, embora a maioria dos sistemas de mobilidade urbana no Brasil se mostre hostil à inovação, por razões econômicas e políticas (LITTLE, 2011).

A Mobilidade Urbana Sustentável pode ser definida como o resultado de um conjunto de políticas de transporte e circulação que visa a proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, através da priorização dos modos não-motorizados e coletivos de transportes, de forma efetiva, que não gerem segregações espaciais, socialmente inclusivos e ecologicamente sustentáveis. Porém, a Política Nacional de Mobilidade Urbana Sustentável vai além, e define mobilidade como:

Um atributo associado às pessoas e aos bens; corresponde às diferentes respostas dadas por indivíduos e agentes econômicos às suas necessidades de deslocamento, consideradas as dimensões do espaço urbano e a complexidade das atividades nele desenvolvidas, ou, mais especificamente: a mobilidade urbana é um atributo das cidades e se refere à facilidade de deslocamento de pessoas e bens no espaço urbano. Tais deslocamentos são feitos através de veículos, vias e toda a infraestrutura (vias, calçadas, etc.) [...] É o resultado da interação entre os deslocamentos de pessoas e bens com a cidade (BRASIL, 2004b, p. 13).

A atribuição de um novo conceito – a mobilidade urbana – é, em si, uma novidade, um avanço na maneira tradicional de tratar, isoladamente, o trânsito, o planejamento e a regulação do transporte coletivo, a logística de distribuição das mercadorias, a construção da infraestrutura viária, das calçadas e assim por diante.

Essa visão sistêmica sobre a movimentação de bens e de pessoas possibilita melhor análise dos elementos que produzem as necessidades destes deslocamentos. Os modais se afiguram, como o ponto nórdico da sustentabilidade da cidade, em relação à classe de população, considerando as viagens diárias e divisão modal por transporte.

Na figura 12, pode-se observar a divisão modal por modo de transporte e classe de população das cidades no Brasil. Por sua vez, a figura 13 retrata o número de viagens diárias por classificação modal e classe de população das cidades brasileiras.

Figura 12 - Brasil: divisão modal por modo de transporte e classe de população das cidades (2007)

Fonte: Brasil (2007, p. 53)

Figura 13 - Brasil: viagens diárias por classificação modal e classe de população das cidades (2007)

Integrada à mobilidade urbana, a acessibilidade significa “garantir a possibilidade do acesso, da aproximação, da utilização e do manuseio de qualquer objeto”. Essa definição genérica caberia a qualquer pessoa, mas, no Brasil, esse conceito se associa mais diretamente às pessoas com deficiência. Acessibilidade significa, então, a condição do indivíduo se movimentar, locomover e atingir um destino desejado, “dentro de suas capacidades individuais”, isto é, realizar qualquer movimentação ou deslocamento por seus próprios meios, com total autonomia e em condições seguras, mesmo que para isso precise se utilizar de objetos e aparelhos específicos (BRASIL, 2007a, p. 42).

A Lei nº 12.587, de 03 de janeiro de 2012, instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana e trouxe prioridades e objetivos, dentre eles, o direito à cidade, a consolidação da democracia, a promoção da cidadania e da inclusão social, a modernização regulatória e desenvolvimento institucional e o fortalecimento do poder local. Também foram inseridos os macro objetivos: desenvolvimento urbano, sustentabilidade ambiental e a inclusão social.

O novo marco legal tem por objetivo contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana.

A nova lei está fundamentada nestes princípios: acessibilidade universal; desenvolvimento sustentável das cidades, nas dimensões socioeconômicas e ambientais; equidade no acesso dos cidadãos ao transporte público coletivo; eficiência, eficácia e efetividade na prestação dos serviços de transporte urbano; gestão democrática e controle social do planejamento e avaliação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; segurança nos deslocamentos das pessoas; justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do uso dos diferentes modos e serviços; equidade no uso do espaço público de circulação, vias e logradouros; e eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana.

A PNMU é orientada pelas seguintes diretrizes: integração com a política de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo no âmbito dos entes federativos; prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado; integração entre os modos e serviços de transporte urbano; mitigação dos custos ambientais, sociais e econômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas na cidade; incentivo ao desenvolvimento científico-tecnológico e ao uso de energias renováveis e menos poluentes; priorização de projetos de transporte público

coletivo estruturadores do território e indutores do desenvolvimento urbano integrado; e integração entre as cidades gêmeas localizadas na faixa de fronteira com outros países sobre a linha divisória internacional.

Os objetivos da PNMU são: reduzir as desigualdades e promover a inclusão social; promover o acesso aos serviços básicos e equipamentos sociais; proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à acessibilidade e à mobilidade; promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades; e consolidar a gestão democrática como instrumento e garantia da construção contínua do aprimoramento da mobilidade urbana.

Entre outras orientações, a PNMU definiu diretrizes para a política tarifária do serviço de transporte público coletivo, das quais destacamos as principais: promoção da equidade no acesso aos serviços; melhoria da eficiência e da eficácia na prestação dos serviços; ser instrumento da política de ocupação equilibrada da cidade de acordo com o plano diretor municipal, regional e metropolitano; articulação interinstitucional dos órgãos gestores dos entes federativos por meio de consórcios públicos; e estabelecimento e publicidade de parâmetros de qualidade e quantidade na prestação dos serviços de transporte público coletivo.

Os usuários passam a ter direito a receber o serviço adequado; participar do planejamento, da fiscalização e da avaliação da política local de mobilidade urbana; ser informados, nos pontos de embarque e desembarque de passageiros, de forma gratuita e acessível, sobre itinerários, horários, tarifas dos serviços e modos de interação com outros modais; e ter ambiente seguro e acessível para a utilização do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana.

A União tem a atribuição de prestar assistência técnica e financeira aos Estados, Distrito Federal e Municípios; a contribuir para a capacitação continuada de pessoas; a organizar e disponibilizar informações sobre o Sistema Nacional de Mobilidade Urbana e a qualidade e produtividade dos serviços de transporte público coletivo; a fomentar a implantação de projetos de transporte público coletivo de grande e média capacidade nas aglomerações urbanas e nas regiões metropolitanas; a fomentar o desenvolvimento tecnológico e científico, visando ao atendimento dos princípios e diretrizes desta Lei; e a prestar, diretamente ou por delegação ou gestão associada, os serviços de transporte público interestadual de caráter urbano.

Aos Estados, são atribuídas as obrigações de prestar os serviços de transporte público coletivo intermunicipal de caráter urbano; propor política tributária específica e de incentivos

para a implantação da Política Nacional de Mobilidade Urbana; e garantir o apoio e promover a integração dos serviços nas áreas que ultrapassem os limites de um município.

Por fim, aos municípios cabem as obrigações de planejar, executar e avaliar a política de mobilidade urbana, bem como promover a regulamentação dos serviços de transporte urbano; de prestar os serviços de transporte público coletivo urbano, que têm caráter essencial; capacitar pessoas e desenvolver as instituições vinculadas à política de mobilidade urbana do Município.

A PNMU estabelece que seja elaborado o Plano de Mobilidade como seu instrumento de efetivação. Assim, este documento complementar deverá contemplar os princípios, os objetivos e as diretrizes da lei em vigor, bem como: os serviços de transporte público coletivo; a circulação viária; as infraestruturas do sistema de mobilidade urbana; a acessibilidade para pessoas com deficiência e restrição de mobilidade; a integração dos modos de transporte público e destes com os privados e os não motorizados; a operação e o disciplinamento do transporte de carga na infraestrutura viária; os polos geradores de viagens; as áreas de estacionamentos públicos e privados, gratuitos ou onerosos; as áreas e horários de acesso e circulação restrita ou controlada; os mecanismos e instrumentos de financiamento do transporte público coletivo e da infraestrutura de mobilidade urbana; e a sistemática de avaliação, revisão e atualização periódica do Plano de Mobilidade Urbana em prazo não superior a dez anos.

Portanto, o Plano de Mobilidade Urbana é um instrumento de orientação da política urbana e deverá ser integrado ao plano diretor municipal, existente ou em elaboração, no prazo máximo de três anos da vigência da lei que o instituiu. Se não for cumprido, o município fica impedido de receber recursos orçamentários federais destinados à mobilidade urbana.

Conclui-se, então, que a mobilidade é um fator essencial para todas as atividades urbanas. Decisões relacionadas a ela podem trazer grandes benefícios ou prejuízos para os indivíduos, para as atividades econômicas ou para regiões inteiras da cidade. Os temas mais afetos à política de mobilidade são: circulação, trânsito e transporte público, tipicamente assuntos de interesse local e, portanto, difíceis de serem enquadrados em uma solução única.

É necessário ressaltar que o padrão usual da urbanização brasileira não tem contribuído, de forma positiva, para a estruturação da mobilidade. Há expansão horizontal contínua das cidades, pressionada pelo mercado imobiliário, com a incorporação de glebas, além das áreas consolidadas e providas de infraestrutura, ocupadas regular ou irregularmente. Esse tipo de expansão das cidades tem atendido a dois segmentos econômicos distintos da população: a de

baixa renda, que migra para as periferias na busca de lotes mais baratos, e os segmentos de renda mais elevada, na busca de terrenos mais amplos e de menor densidade populacional. Esse deslocamento provoca extensas áreas vazias intermediárias e as próprias áreas comercializadas permanecem vazias, com agravante, ao estender à cidade o ônus da mobilidade, quer pela necessidade do transporte coletivo público ou pelo uso do transporte individual, pois ambos requerem infraestrutura e, devido à maior extensão das viagens, elevam os custos a toda a população.

As políticas de uso e ocupação do solo com foco na mobilidade urbana deveriam induzir à formação de uma cidade mais compacta e sem vazios urbanos, onde a dependência dos deslocamentos motorizados fosse minimizada. Mas os dirigentes públicos, reiteradamente, por pressões do setor econômico, expandem a cidade ao entorno, gerando quantidade expressiva e inaceitável de terrenos urbanos ociosos em bairros consolidados, dotados de infraestrutura e de acessibilidade privilegiada, que são estocados para fins de especulação e valorização imobiliária, beneficiando exclusivamente os seus proprietários.

Os planos diretores, tradicionalmente, estabelecem diretrizes para a expansão/adequação do sistema viário e para o sistema de transporte público. Incorporar a mobilidade urbana no plano diretor é priorizar, no conjunto de políticas de transporte e circulação, a mobilidade das pessoas e não dos veículos, o acesso amplo e democrático ao espaço urbano e os meios não motorizados de transporte.

A mobilidade urbana é, ao mesmo tempo, causa e consequência do desenvolvimento econômico-social, da expansão urbana e da distribuição espacial das atividades. Além disso, deve-se considerar a íntima relação entre infraestrutura, transporte motorizado e o meio ambiente. O deslocamento de pessoas e mercadorias influencia fortemente os aspectos sociais e econômicos do desenvolvimento urbano, sendo a maior ou menor necessidade de deslocamentos definida pela localização das atividades na área urbana.

As densidades desequilibradas de ocupação do território (maiores distâncias a serem percorridas) também podem ter efeitos perversos na mobilidade, pois os investimentos são mais bem aproveitados quando realizados em eixos de concentração de demanda, onde beneficiam um maior número de pessoas. Portanto, a gestão das políticas urbanas deve estimular o adensamento das atividades em regiões de fácil acesso e já dotadas de infraestrutura de serviços, pois a densidade populacional muito baixa significa construir uma cidade pouco racional e com altos custos de implantação e manutenção dessa infraestrutura.

Pensando o futuro da Mobilidade Urbana rumo às cidades em rede e multimodais de 2050, Little (2011) mostrou, em sua pesquisa e análise com a aplicação da avaliação da

maturidade e desempenho da mobilidade, que existe uma ampla gama de soluções e tecnologias disponíveis para resolver os atuais desafios da mobilidade, utilizando estratégias como: interligação do sistema em rede, fornecendo assim um ponto de acesso único para a cadeia de valor da viagem para promover o transporte multimodal; replanejamento fundamental dos sistemas de mobilidade, visando a torná-los mais orientados ao público e à sustentabilidade; e por fim, o estabelecimento de uma estrutura sustentável para cidades em países emergentes, que satisfaça as demandas de curto prazo com um custo razoável sem a necessidade de grande remodelamento posterior. O ciclo de vida das tecnologias de mobilidade urbana que foi apresentado pelo autor pode ser verificado na figura 14.

Figura 14 - Ciclo de vida das tecnologias de Mobilidade Urbana (2011) Fonte: Little (2011, p. 19).

Discutiremos, nos capítulos seguintes, mais especificamente a questão da mobilidade urbana em Palmas, a qual é caótica tanto na questão do transporte urbano, como da acessibilidade. A cidade padece pela falta de atenção do poder público municipal no tratamento do conjunto de políticas de transporte e circulação, que visam a proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço urbano, por meio da priorização dos modos não- motorizados e coletivos de transportes, de forma efetiva.