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A cidade na contemporaneidade: escolas dos pensamentos da questão urbana, reforma urbana, sustentabilidade e dispersão urbana

1. As “Escolas” no pensamento urbano brasileiro

1.5. O urbanismo e a reforma urbana no Brasil

1.5.1. Algumas considerações sobre o urbanismo brasileiro

Os registros das discussões no Brasil sobre urbanismo, enquanto campo do conhecimento e epistemologia, direcionam-se ao ramo complementar da arquitetura ou “Arquitetura-Urbanismo”, sendo reduzido muitas vezes a projetos arquitetônicos ou de engenharia em grande escala.

Em 1935, em Salvador, a “Semana de Urbanismo” tratou, entre outros temas, do urbanismo com uma proposta multidisciplinar, enquanto novo campo do conhecimento e área de atuação. Havia um esforço de provocar discussão epistemológica sobre o tema, apesar de não haver ainda referências teóricas suficientes. Mesmo assim, a Comissão do Planejamento da Cidade de Salvador conceituou urbanismo como a “ciência de ordenar e harmonizar os elementos estáticos e dinâmicos da cidade” (COMISSÃO DO PLANEJAMENTO DA CIDADE DE SALVADOR, 1937).

O conceito da Comissão do Planejamento da Cidade de Salvador, ao evidenciar o zoneamento como um instrumento essencial para o ordenamento das cidades que favorece a segregação espacial, ratificou a concepção tradicional de urbanismo.

O zoneamento surgiu na Alemanha no final do século XIX e, após a Primeira Guerra Mundial, atingiu inicialmente os Estados Unidos, depois a Inglaterra, a antiga União Soviética e a maioria dos países. Em 1891, foi utilizado, na cidade de Frankfurt am Main, uma ferramenta inédita na legislação urbanística vigente da Alemanha (MANCUSO, 1980).

Ao examinar a evolução do urbanismo no Brasil, é perceptível que, no final do século XX, a discussão teórica e conceitual do tema atingiu um nível mais amplo, tanto no campo multidisciplinar como no campo interdisciplinar.

Destaca-se, porém, que a prática do urbanismo no Brasil ainda segue a concepção tradicional por meio da aplicação técnica de planejamento físico-territorial, visando ao ordenamento morfológico do espaço urbano com o uso de recursos fundamentados nos princípios estéticos e construtivos, essencialmente de projeto. Essa condição pode levar a uma visão limitada do espaço urbano que se quer planejar e, consequentemente, sobre o pensamento do urbanismo. Assim, Del Rio (1990) esclarece sobre a necessidade de quebrar esse paradigma reducionista na abordagem do urbanismo, fazendo-se, entretanto, uma reavaliação e recuperação acadêmica do tema.

Para Villaça (2010), as ações realizadas nas décadas de 30 e 40 na esfera do planejamento urbano no Brasil eram consideradas urbanismo ou planos de urbanismo. Portanto, são esboçados conceitos que estabelecem o urbanismo como o conjunto de técnicas

referentes à ação do Estado sobre a cidade, um estilo de vida urbana ou o estilo de vida na cidade, bem como “[...] o conjunto das ciências - e supostas ciências - que estudam o urbano; este último só passou a ser utilizado no Brasil nas décadas recentes [...]” (VILLAÇA, 2010, p. 180).

Cabe, porém, destacar as condições para identificar o Urbanismo, nas vertentes como mero discurso, como um conjunto de ciências e supostas ciências, ou como políticas urbanas. Verifica-se que as ações reais e propostas pelo Estado estão no campo da ideologia, dentro de adaptações para enfrentar novas situações, ou o agravamento das tendências para assegurar a hegemonia das classes dominantes (VILLAÇA, 2010). Lefebvre explica que:

O urbanismo, enquanto ideologia, dissimula estratégias. A crítica do urbanismo terá esse duplo aspecto: crítica das ideologias urbanísticas, críticas das práticas urbanísticas (enquanto práticas parciais, redutoras, e estratégias de classe). Essa crítica ilumina o que se passa realmente na prática urbana: os esforços inábeis ou esclarecidos para pôr e resolver alguns problemas da sociedade urbana. Ela substitui as estratégias dissimuladas sob lógicas de classe (a política do espaço, o economicismo, etc.) por uma estratégia vinculada ao conhecimento (LEFEBVRE, 1999, p. 127).

Ermínia Maricato (2000, p. 112) assegura que “[...] o Urbanismo brasileiro (entendido como planejamento e regulação urbanística) não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com uma ordem que diz respeito a uma parte da cidade apenas [...]”. Assim, percebe-se o urbanismo como instrumento de dominação e de idealização de uma cidade “moldada” aos interesses das elites.

O urbanismo, ao se moldar aos interessas das elites, tem se fundamentado na modernização da cidade e na aplicação de zoneamento funcional das atividades, por meio da criação de normas que provocam a segregação do espaço urbano (SOUZA, 2002). Portanto, a ideia central do urbanismo moderno, extensiva ao planejamento físico-territorial clássico em geral, tem a sua fundamentação no urbanismo tradicional.

Villaça (2010) apontou os principais períodos de planejamento das cidades brasileiras: até 1930, os planos de embelezamento e melhoramentos (exaltação à burguesia e a destruição da forma colonial); de 1930 a 1990, o planejamento enquanto técnica de base científica para solução dos “problemas urbanos” (fortalecimento do zoneamento e organização físico- territorial das atividades no espaço urbano, em decisões centralizadas); pós-1990, a reação ao status quo (movimento pós-reforma urbana).

O urbanismo passa do ponto de vista meramente higiênico e sanitário ao ponto de vista estético. Existia a necessidade de construir novas capitais adequadas à importância de suas

funções cívicas (a exemplo de Belo Horizonte), até finalmente se preocupar com os problemas urbanos (LODI, 1975), passando então a ter uma visão multidisciplinar do tema.

Percebe-se que as abordagens e as práticas sobre urbanismo foram distintas em períodos diversos e se aprimoraram na medida em que a cidade pediu respostas e soluções adequadas à sua realidade. No entanto, percebe-se, em diversos momentos, que, apesar deste aprimoramento, o Urbanismo ainda se sustenta em modelos e concepções tradicionais estrangeiras, principalmente, nos padrões dos planos de desenvolvimento urbano que foram formulados entre a década de 30 e 90, comn enfoque o planejamento físico-territorial.

É importante salientar que o esforço para romper os paradigmas anteriores, físico- territoriais, faz surgir uma nova proposta fortalecida na crítica ao modelo tradicional de pensar a cidade, apesar de ainda reproduzir ideias e conceitos do passado, mas ao menos se busca, a partir de políticas urbanas democráticas, planejar e gerir a cidade, afastando-se do cientificismo e deste paradigma modernista atualmente contraposto.

Na história recente do urbanismo, a ciência mantém o antagonismo entre os fenômenos da urbanização concentrada das cidades coesas e adensadas e da urbanização dispersa, onde os novos bairros surgem longe do centro da cidade e se espalham em diferentes formas sem adensamento, que vão desde condomínios de luxo até favelas no entorno de estradas. “Hoje surge um novo paradoxo: o urbanismo e a arquitetura são chamados a trabalhar contra a dispersão urbana, embora na avassaladora maioria das cidades em todo o globo se observe o fenômeno inverso (PINHEIRO MACHADO, 2006, p. 77)”.