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Reflexos sociais, econômicos e ambientais da dispersão urbana

3.5. As dimensões sociais e espaciais da cidade

Conforme já verificado neste estudo, o processo de crescimento urbano acontece em decorrência de dois fatores: aumento populacional e ocupação física territorial. O aumento populacional apresenta o desafio de possibilitar a demanda de infraestrutura a um menor custo, enquanto o padrão de expansão física das ocupações urbanas deverá ser entendido como um crescimento que ocorre com elevado custo social, refletindo impactos sobre as formas de reprodução social e a sustentabilidade ambiental.

Os fatores de crescimento urbano apontados resultam de processos distintos. Afinal, é necessária a expansão urbana para abrigar o crescimento populacional. Porém, o desafio deste século não é apenas suportar a pressão demográfica, mas reduzir a tensão entre crescimento populacional e expansão urbana, amoldando as formas urbanas a este nova condição (ANGEL, 2006).

Observa-se uma delimitação conceitual do campo de atuação das pesquisas urbanas, em face aos impactos decorrentes do processo de urbanização e do agravamento dos problemas sociais, identificada pela transferência de população de áreas tipicamente agrárias para as aglomerações urbanas. Percebe-se que a associação entre processo de urbanização e a industrialização limitou, em parte, a compreensão dos aspectos espaciais da urbanização. Conforme o pensamento de Soja: “A urbanização pode ser vista como uma de várias grandes

acelerações do distanciamento tempo-espaço que estenderam a escala das interações humanas, sem necessariamente destruir sua autonomia espacial” (SOJA, 1993, p. 186).

Nessa perspectiva, “o espaço ainda tende a ser tratado como fixo, morto e não dialético, e o tempo, como riqueza, a vida, a dialética e o contexto revelador da teorização social crítica”. Evidencia-se a necessidade de um exame na concretude das práticas capitalistas e abstrações ontológicas e da epistemologia moderna para se recuperar da valorização historicista para dar visibilidade ao espaço como referencial do ser social (SOJA, 1993, p. 147).

O estudo urbano no Brasil seguiu o paradigma da produção social do espaço. Este tem sido tratado como a expressão material do modo de produção, embora o debate sobre produção do espaço não tenha avançado sobre o consumo, a troca e a circulação desse “produto” social. Também pouco se disse a respeito dos efeitos do espaço sobre o social, fato que se deve ao peso insignificante dado ao espaço nestes estudos, para que pudesse ser tratado como uma variável relevante e eventualmente capaz de interferir nos processos sociais. É preciso, portanto, incorporar a dimensão espacial nos processos sociais para a compreensão mais ampla da sociedade (VILLAÇA, 1999). Corrêa também aborda essa questão:

A produção do espaço, seja o da rede urbana, seja o intraurbano, não é o resultado da “mão invisível do mercado”, nem de um Estado helegiano, visto como entidade supraorgânica, ou de um capital abstrato que emerge de fora das relações sociais. É consequência da ação de agentes sociais concretos, históricos, dotados de interesses, estratégias e práticas espaciais próprias, portadores de contradições e geradores de conflitos entre eles mesmos e com outros seguimentos da sociedade (CORRÊA, 2011, p. 43).

O espaço é inerente à existência humana. O homem produz o espaço por meio do trabalho. Portanto, aprofundar o entendimento dessa relação perpassa pela história e pelo desenvolvimento da sociedade, das forças produtivas, das relações de produção e cultura. O espaço não é autônomo, mas está inter-relacionado à sociedade. Logo, é concebido como materialidade social e tem no homem o sujeito da sua produção, razão pela qual a discussão deve ser procedida levando-se em consideração a sociedade. O espaço não é simplesmente organizado pela sociedade, mas sim, produzido por ela, por meio do trabalho (ABREU, 1994). Carlos corrobora esta linha de raciocínio:

O processo de produção do espaço fundado nas relações de trabalho entre homens e a natureza coloca-se como uma relação que deve ser entendida em suas várias determinações, econômica, política, social, ideológica, jurídica, cultural, filosófica. Tal processo tem na apropriação sua pedra de toque; esta aparece na instância jurídica, como propriedade privada, consubstanciando-se em dois momentos: o primeiro se refere à apropriação do processo real que determina a direção do

processo produtivo e se propala em todos os níveis da sociedade, e a outra, à apropriação do produto criado pelo capital (CARLOS, 2008, p. 23).

A cidade é entendida por meio de um processo de interação espacial urbano e as suas relações socioeconômicas, que formam um macro-sistema urbano desagregado, com suas atividades socioeconômicas complementares, irão definir os subsistemas urbanos (PALMA; KRAFTA, 2003).

A amplitude e a diversidade do fenômeno urbano são elementos fundamentais da transformação na maneira de entendê-lo e representá-lo. As soluções espaciais não são mais definidas em termos da melhor escolha. Além da busca que cada agente empreende na maximização do benefício pelo menor custo, são analisadas situações mais adequadas àquela realidade momentânea e local, considerado o histórico da posição comunitária (PALMA; KRAFTA, 2003).

A dinâmica espacial que origina as cidades está representada pelo processo contínuo de alocação de formas construídas, espaços adaptados e atividades sociais sobre um determinado lócus. O ajuste espacial é decorrente das forças, dos contrastes e dos privilégios, determinantes na diferenciação da maneira de ocupação, coordenadas pelos atores sociais, que agem sobre os elementos urbanos, ora provocando aglomeração de pessoas e concentração de atividades, ora dispersando as pessoas e descentralizando as atividades, estabelecendo, assim, a cada ação de transformação, um novo mapa de acessibilidade com seu quadro de beneficiários (PALMA; KRAFTA, 2003). De acordo com Carlos:

A análise do processo de produção do espaço urbano requer, portanto, a justaposição de vários níveis da realidade como momentos diferenciados da reprodução geral da sociedade, isto é, o da dominação política, o da acumulação do capital e o da realização da vida humana (CARLOS, 2011b, p. 70).

No tratamento da dinâmica espacial da cidade, sob a ótica e perspectiva da economia urbana, os vazios urbanos são decorrentes de fatores estruturais e da apropriação da renda da terra urbana. Aos fatores estruturais, atribui-se a polarização espacial inerente ao capital e a apropriação da renda da terra, pela retenção de porções do território pelo Estado ou por agentes privados. Essas condições justificam o crescimento da periferia, decorrente da inacessibilidade ao solo urbano, principalmente nas áreas centrais, e da prática imobiliária de preços elevados.

O contexto apresentado reforça o padrão centro-periferia, onde há o direcionamento dos recursos municipais, principalmente, para as áreas centrais, que são providas dos equipamentos públicos, o que resulta, por conseguinte, na marginalização das camadas sociais

que vivem na periferia, às margens do processo. Pela própria natureza da falta de políticas efetivas de controle do solo, as cidades, sob essa perspectiva, crescem em função dos interesses da maximização de lucro dos agentes privados e não a partir dos interesses coletivos (ABREU, 1994).

Nesse viés, para compreendermos as mudanças de valores e ressignificações que a sociedade contemporânea atravessa, é necessário introduzir o espaço produzido socialmente à soma dos valores e signos da sociedade moderna, para entendê-lo como parte das relações dialéticas entre espaço e sociedade. Portanto, é mais do que entender as transformações da economia para entender as novas formas de organização do território (GIDDENS, 1991).

Como evidenciado anteriormente no estudo, o crescimento das áreas urbanas, segundo o padrão de expansão periférica, não é recente. Contudo, novas formas espaciais que as ocupações urbanas passam a assumir, principalmente a partir do final do século 20, têm convergência aos padrões americanos, caracterizado pelo descompasso entre o crescimento da população urbana e a expansão das áreas urbanas.