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A disputa pelo espaço: skatistas, bikers e rollers

4 DISCUTINDO A RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO E PRÁTICA SKATISTA

4.2 Uma análise da apropriação do Parque da Juventude pelos skatistas

4.2.1 A pista antes e depois do Parque da Juventude

4.2.1.5 A disputa pelo espaço: skatistas, bikers e rollers

Uma outra forma de disputa pelo espaço envolvia a presença de praticantes de outras atividades, tais como a bike e o patins in line. Percebemos um grau acentuado de exclusão que partia dos skatistas locais, em relação aos praticantes não skatistas que pretendiam também usar a Pista. A fala a seguir explica um pouco a lógica dessa exclusão:

[...] aí tinha o lance da bike, do roller, que não é porque é de outra tribo que briga, é porque a forma de andar dentro da pista é diferente, então você tromba muito fácil com um biker, então trombou dava briga, então tinha esse lance assim, um lado da pista era mais da bike, o outro era do roller e o skate dominava quase tudo assim né, porque a luta da pista foi os skatistas que conseguiram né, fazer a pista. Então tinha um pouco disso também. Chegava o pessoal que anda de inline, roller, quando foi fazer a pista, fazer reformas, você nunca viu ninguém lutar por ela, então quando a pista tá pronta eles chegavam pra andar, então tinha isso também, que era briga de tipo: - Pô meu, você não lutou pelo espaço e agora quer andar aqui e tal, então tem que esperar, então tem que ficar só no cantinho, então isso existia muito. (Sk. 6: M OS St.)

Um outro skatista, pertencente a nova geração, mas que frequentava a antiga pista quando era criança, explica como se dava a relação entre eles e os bikers e os rollers.

[...] Existiam alguns que meio que mandavam, isso. Porque assim, é uma união né, se tem dez caras ali, vem um de fora pra andar, os dez põe ele pra correr, o cara não vai encarar dez caras, entendeu? E como aqui vivia sempre muito cheio, então sempre tinha muita gente aqui, pra que, se tivesse que armar uma briga, alguma coisa, pra defender o local aqui. Por isso que realmente bike, alguns bikers andavam. [...] E deixava andar, não era amigo. Eles deixavam andar, tipo, a gente vai andar, quando a gente não tá mais andando, você vem e anda. (Sk. 2: M NG O)

Compreendemos, com isso, que esses fatores envolviam relações de poder. Para entender melhor como estas aconteciam na antiga Pista de SBC, nos amparamos novamente nas ideias de Bourdieu, agora a partir de seu conceito de campo de poder.

Lima (2010), em seu estudo Campo do poder, segundo Pierre Bourdieu, considera que o campo, para esse autor, é sempre caracterizado pelas lutas entre os agentes em torno de interesses específicos. Essas lutas, concorrenciais, podem ocorrer no interior de cada campo, mas também, em relação a outros campos. Dessa maneira,

quando se fala de luta, de divisão em campos antagônicos, de jogo, quer-se dizer a relação a um poder. O campo é estruturado a partir das relações de poder, que se traduz em uma oposição de forças, distribuídas entre posições dominantes e posições dominadas, segundo o capital simbólico, econômico e cultural dos agentes e instituições (LIMA, 2010, p. 16).

Assim, para a autora, o campo de poder é o espaço de relações de força. Essas relações tanto podem acontecer entre os diferentes tipos de capital, como entre os agentes de um dos tipos de capital, no intuito de dominação do campo – capital diz respeito à quantidade de acúmulo de forças dos agentes em suas posições no campo. Assim, as relações do campo de poder espacial da Pista, se estabeleciam entre os agentes do capital social e simbólico presentes naquele espaço. O que legitimava seus processos de apropriação: impedindo ou permitindo que determinados sujeitos usassem a pista, ditando horários de uso, entre outros.

É importante destacar que nem todos os frequentadores da Pista nessa época participavam do grupo que excluía os não locais ou os rolles e os bikers, gerando conflitos e impedindo que muitos usufruíssem daquele espaço. Havia ainda aqueles locais que não concordavam com essa forma de dominação:

[...] Então, toda pista tem os locais, tem aquele pessoal que meio que se acha dono, que manda, então isso aqui teve uma época do pessoal que eu até não gostava, eram meio folgados em relação a isso, queriam mandar. Vinha o pessoal de fora... Teve muitas tretas, muitas brigas. Né, por que o pessoal, só porque vem de fora, ou de bicicleta ou de patins: - não porque aqui é skate e num sei o que. E arrumava umas tretas. [...] e São Bernardo tinha essa fama, infelizmente mesmo, de o pessoal querer mandar assim, isso era, isso eu acho que não é legal, eu acho que não foi legal mesmo. Pesquisadora: Nessa época você andava aqui, era da turma? Entrevistado: Andava, toda essa época. Era, mas eu não participava disso porque eu não gostava né, meu! Pra mim a gente sempre andou com todo mundo. (F/Sk. 2: M OS V)

Nos dias atuais essa disputa se apresenta apenas enquanto um resquício dessa fase, marcada por constantes conflitos. Um skatista da nova geração que andava na antiga Pista quando era adolescente, nos contou:

Patins num andava não. Eles andam agora porque tem a regra do parque aí. Pesquisadora: Não tinha patins, era só skate? Entrevistado: Lógico que não, era só skate. Pesquisadora: Por quê? O pessoal diz que eles não deixavam... Entrevistado: É, eles andam agora porque tem os guardinha aí, se não tivesse eles não andavam não. Pesquisadora: Por quê? Entrevistado: Porque não. Eles não andam, só vem ficar conversando aí. (Sk. 3: M NG St.)

Ou seja, por conta da nova configuração do Parque, que estabelece horários específicos para a prática de patins e bike, além do skate, atualmente, essa disputa não é mais explícita, ela passa a ser simbólica. “[...] hoje na verdade não existe mais. Hoje a gente brinca tipo, brasileiro e argentino. Assim, existe a brincadeira, mas não existe mais, a rivalidade não existe mais” (Sk. 2: M NG O).

A partir dos depoimentos dos entrevistados, percebemos, ainda, que havia uma diferenciação entre os skatistas que impunham suas regras na Pista do Paço e o grupo de pessoas que se aproveitavam de seu caráter marginal para dominá-la em alguns horários, fazendo uso, como visto, de drogas ilícitas e cometendo furtos, modificando, assim, os modos de apropriação daqueles que frequentavam o local para a prática de skate, bike ou patins in line, como segue: “Ah assim, mas esse pessoal meio que tocava o terror, não era skatista. [...] tinham os skatistas que se achavam o dono: - não, que num sei o que, pá. Mas quem tocava o terror era a vadiagem mesmo” (F/Sk. 2: M OS V).

Dessa forma, entendemos que as disputas espaciais, sejam elas concretas ou simbólicas, fazem parte do processo de apropriação do Parque da Juventude. É por meio dessas relações de poder que os skatistas de fato estabelecem uma relação de identidade com o espaço, que vão construindo, em seu cotidiano seus próprios modos de apropriação espacial, driblando os processos de dominação inerentes ao espaço urbano.

4.2.1.6 O surgimento do Parque da Juventude: o espaço é (re)conquistado pelos skatistas?