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Da Pista do Paço ao Parque da Juventude

2 DE QUE LAZER ESTAMOS FALANDO?

2.3 A trajetória do skate: das ondas na Califórnia às pistas de São Bernardo do

2.3.2 Da Pista do Paço ao Parque da Juventude

skatista do ano, pela Transwolrd em 2007; em 2008, acontece o Brasil X Games em São Paulo; em 2008 e 2009, as primeiras edições da Mega Rampa no Brasil, também em São Paulo. Além da cobertura de campeonatos e entrevistas de personalidades do skate em programas de TV (CBSK, 2014).

Os dados dessa época mostram uma forte popularização do skate de competição, praticado profissionalmente, com alto grau de performance técnica. Os investimentos nessa época parecem ter sido, em sua maioria, para essa forma de praticar skate. Todavia, a partir de meados de 2000 até os dias atuais – apesar da espetacularização do skate, principalmente a modalidade vertical, continuar sendo amplamente veiculada pela grande mídia – muitas são as iniciativas públicas no sentido de contribuir para o acesso às práticas de skate nas suas variadas formas de manifestação, mas também objetivando uma organização e controle dessas práticas, por meio da oferta de oficinas, competições e construção de espaços considerados apropriados. Podemos citar como exemplo de iniciativa pública, o surgimento dos Centros Educacionais Unificados (CEUs): complexos educacionais, esportivos e culturais, caracterizados como espaços públicos múltiplos, que foram criados pela Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura de São Paulo e são localizados nas áreas periféricas da Grande São Paulo. Atualmente, dos 45 CEUs existentes, 16 possuem pista de skate.

Outro exemplo é a organização do Circuito Sampa Skate, evento dividido em várias etapas durante todo o ano, que consiste na realização de diversos campeonatos realizados em pistas públicas, muitas delas localizadas dentro dos CEUs. Este circuito, fruto de uma parceria entre a empresa Skate Contest e a Prefeitura de São Paulo, surgiu em 2003 e acontece até os dias atuais. Esses dois exemplos demonstram os avanços em relação à conscientização sobre a importância da consideração do espaço urbano ao se pensar em políticas públicas para a prática de skate.

2.3.2 Da Pista do Paço ao Parque da Juventude

O desenvolvimento histórico do que é hoje o Parque da Juventude possui estreita relação com os desdobramentos do skate na cidade de SBC. Esta é considerada a segunda cidade do estado de São Paulo na qual a prática do skate se tornou efetiva e popular. De acordo com

exposição sobre a história do skate em SBC, organizada por Nascimento e Pretto (2012)28, os primeiros skatistas dessa cidade eram jovens que se identificavam com o estilo de vida urbano. Estes, não tendo acesso à prática do surfe, começaram a andar em skates improvisados e se organizavam em grupos que se diferenciavam pelo local da cidade onde andavam de skate.

Entre os anos de 1977 e 1978, houve um grande desenvolvimento dessa prática em SBC. Muitos picos29 de skate foram conquistados, ladeiras eram utilizadas, rampas feitas de pedaços de madeira eram construídas nas ruas pelos próprios skatistas, que também começaram a organizar os primeiros campeonatos entre os grupos existentes na cidade.

Em 1979, surge a Pista Wave Cat, que durante a sua existência, até o ano de 1982, era considerada a maior pista de concreto da América Latina. Foi frequentada por muitos skatistas advindos de várias cidades das imediações, inclusive da capital, tendo sido de grande importância para a formação de muitos skatistas na modalidade vertical, muitos deles praticam e/ou vivem financeiramente do skate até os dias atuais (NASCIMENTO; PRETTO, 2012).

Em 1982, o skatista são-bernardense Osmar Fossa se torna o primeiro campeão do skate brasileiro, no primeiro campeonato de skate de Guaratinguetá (Ibid.). Como vimos, esse ano também marcou o surgimento da Pista do Paço, assim SBC entrou para a história do skate como uma das primeiras cidades do Estado de São Paulo a possuir uma pista pública, nem mesmo a capital paulista possuía uma.

Seu surgimento, em 1982, foi possível a partir da iniciativa do skatista Jorge Kuge, que fez um esboço do que seria a pista baseado em uma outra pista, já conhecida entre a comunidade skatista, no estado do Rio de Janeiro. O prefeito vigente se interessou pelo projeto e autorizou a obra do que seria a primeira pista pública de SBC. Na época, essa construção foi bastante esperada por skatistas profissionais e pela mídia, porém não teve a aceitação esperada. A primeira construção era formada por um bowl que logo afundou e foi inutilizado por conta das fortes chuvas da época, sobrando apenas uma grande pista que possuía um lado com paredes altas e permitiam grau elevado de dificuldade e uma parte rasa que gerava um deslizar mais lento. Essa segunda pista é a chamada Pista Velha e é a única construção que permanece até os dias atuais, agora inserida no complexo de lazer do Parque da Juventude. (NASCIMENTO; PRETTO, 2012).

28 Exposição A história do skate em São Bernardo do Campo, de curadoria de Flavio Nascimento e Carlos Pretto,

exposta durante a comemoração dos 30 anos da Pista Velha de SBC, ocorrida no Parque da Juventude no dia 30 de junho de 2012.

Dessa forma, a Pista Velha passou seus primeiros anos sendo considerada uma pista de baixa qualidade, por isso durante quatros anos foi frequentada apenas por skatistas de SBC (Ibid.). A Pista passou pela sua primeira reforma em 1984, com a instalação de uma grade de proteção, essa reforma partiu da iniciativa de grupos de skatistas de SBC. No ano de 1987, os skatistas da cidade tiveram a iniciativa de fundar a Associação de Skate de São Bernardo do Campo (ASSBC), que contribuiu para a conquista de boa parte do reconhecimento e das ações públicas conquistadas pelos skatistas ao longo dos anos. Nessa década o freestyle teve um grande crescimento, ganhando muitos adeptos em SBC (ONG SKATE SOLIDÁRIO, 2014).

Em 1988 teve sua primeira ampliação, que foi fruto de negociações entre a recém- fundada ASSBC e a Secretaria de Serviços Urbanos e a Prefeitura da época. A ampliação contou com a construção de uma área para street skate e um half-pipe (NASCIMENTO; PRETTO, 2012).

Em uma reportagem do dia 08 de fevereiro de 1988 percebemos que a mídia tratou a reforma como sendo o surgimento de um parque de skate: “Manobras radicais marcaram a abertura de um parque de skate na Praça Samuel Sabatini, em São Bernardo do Campo, São Paulo. Houve um passeio de mais de 2 mil skatistas na cidade” (FOLHA DE SÃO PAULO, 08 de fevereiro de 1988, p. 16). Entretanto, no desenvolvimento do referido artigo é esclarecido que a pista já existia naquele local:

O projeto da pista foi proposto pela Associação de Skatistas de São Bernardo do Campo (ASSBC) e apresentado ao prefeito da cidade. Aprovado, gastou-se para remodelar o precário local já existente cerca de Cz$ 4 milhões, de acordo com o secretário de serviços urbanos do município, João Américo Martins (FOLHA DE SÃO PAULO, 8 de fevereiro de 1988, p. 16).

Pouco tempo depois dessa inauguração, no dia 27 de março de 1988, o jornal A Folha de São Paulo trazia uma outra reportagem sobre a Pista do Paço e divulgava a transmissão do Torneio Vitória de Skate TV Cultura que seria promovido pelo programa Vitória, da TV Cultura, na Pista do Paço Municipal de SBC.

Em maio do mesmo ano, a pista já era considerada o principal ponto de encontro dos jovens do ABC Paulista, com frequência aproximada de três mil jovens por final de semana (TOMISAKI, 1988). Ainda no ano de 1988, no mês de agosto, os skatistas conquistaram uma importante aquisição, a área de street infantil, que surgiu para suprir a demanda de crianças que surgia e requeria maior segurança. Além disso, foram inaugurados o tribanks30 e uma área para

freestyle (NASCIMENTO; PRETTO, 2012). Em novembro, alguns skatistas norte-americanos foram convidados a se apresentar no half-pipe da Pista (FOLHA DE SÃO PAULO, 30 de novembro, 1988, p. 4). Nos anos de 1988 e 1989, aconteceram os primeiros Interbairros, um circuito de campeonatos organizado pela ASSBC realizados em vários locais da cidade. Assim eram escolhidos os melhores skatistas de cada bairro que disputariam a final na Pista do Paço (NASCIMENTO; PRETTO, 2012).

No início da década de 1990, o skate se torna mais técnico e a modalidade street fica mais popular, os skatistas começam a criar novos obstáculos dessa modalidade com o intuito de disputar os campeonatos emergentes. Em 1994, há uma maior visibilidade do skate feminino na mídia local, quando a skatista Renata Paschini foi destaque em uma reportagem no jornal Diário do Grande ABC. Mais conhecida como Renatinha, a atual presidente da AFSK, começou a andar de skate aos 14 anos e foi uma das pioneiras do skate feminino na região do ABC Paulista. (Ibid.)

Nessa década, com o surgimento de novas técnicas e modalidades, os skatistas de SBC sentem a necessidade de ampliações e melhorias na Pista do Paço. Uvinha (1997) constatou, em sua pesquisa sobre os skatistas do ABC Paulista, que em meados dos anos 1990, os frequentadores da Pista do Paço estavam insatisfeitos com a situação em que esta se encontrava na época, alegavam que faltava manutenção, modernização e segurança. Nesse período as melhorias eram realizadas pelos próprios usuários, bem como a promoção de campeonatos.

Durante essa fase de abandono das iniciativas públicas, os skatistas se apropriaram daquele espaço, criando laços de identificação muito fortes. Um pouco dessa realidade foi demonstrada no documentário Vida Sobre Rodas (2010), de Daniel Baccaro. Segundo depoimentos do filme, havia um grupo que tomava a frente da organização do espaço, chegando a escolher quem poderia usufruir dele, como se a pista fosse de domínio particular e não pública. Sendo assim, os skatistas que não faziam parte daquele grupo que dominava a Pista, precisavam aceitar os termos de uso que ali eram impostos pelos usuários mais antigos, esse fato chegou a intimidar muitos praticantes de outras cidades de São Paulo, que preferiam frequentar pistas particulares.

Um Artigo de uma edição de 1996 da revista Cemporcento Skate Magazine conta que nesse ano aconteceu o Campeonato Brasileiro de Banks Profissional de SBC. Este foi organizado pelos usuários da pista e aconteceu no tribanks da, já considerada lendária, Pista de Skate de SBC. Segundo a revista a realização do campeonato foi importante pois:

1 – A pista de SBC vem sofrendo o que podemos chamar de ‘sucateamento’, ou seja, tudo tem sido feito para fechá-la (para quem não sabe, as luzes da pista já não são mais acesas à noite), até porque correm boatos que a prefeitura de SBC vai construir um terminal rodoviário no local da pista. Não preciso falar aqui sobre a importância de São Bernardo para a história do skate nacional. Um campeonato deste porte pode chamar a atenção dos responsáveis no sentido de que vale mais a pena investir e reformar do que simplesmente destruir.

2 – Há muito tempo São Bernardo não sediava um campeonato de banks. [...] bom público, ótima premiação e, o que é melhor, muito skate nos dois dias. (VIEGAS, 1996, p.19-20)

Nesse mesmo ano foi construída uma minirrampa num bairro chamado Jardim Hollywood, esta teria sido idealizada pelos skatistas do bairro. Além desta, mais quatro outras pistas foram construídas em praças localizadas em pontos diferentes da cidade, totalizando cinco pistas em praças de cinco bairros diferentes da cidade. Assim, em 1998, graças a existência dessas pistas, o campeonato Interbairros foi organizado novamente pela ASSBC (NASCIMENTO; PRETTO, 2012).

Finalmente, em 2004, a antiga Pista de SBC foi fechada para que pudesse ser feita uma grande revitalização. Esta culminaria, três anos depois, na construção do Parque da Juventude, inaugurado e aberto ao público em 22 de agosto de 2007.

Ainda no ano de 2004, com a principal pista da cidade interditada para reforma, muitos eventos foram realizados em pistas menores, localizadas em diferentes bairros da cidade, assim algumas eram revitalizadas enquanto outras eram construídas a partir de iniciativas de moradores e skatistas. O final dessa década foi marcado por muitos campeonatos na modalidade banks e também pelo reencontro de skatistas que haviam parado de andar há alguns anos e o reconhecimento daqueles veteranos do skate, chamados agora de Olds School, sendo promovidos campeonatos e categorias específicos para esse público (NASCIMENTO; PRETTO, 2012).

Hoje o skate é uma atividade muito popular em SBC, muitos são os eventos promovidos durante todo o ano, tanto particulares como de iniciativa pública. E o Parque da Juventude é o equipamento central dessa prática urbana, além de ser um símbolo de sua história, é lá que acontecem os maiores projetos de iniciativa à prática do skate e os eventos e campeonatos de maior amplitude.