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A Sessão Feminina: finalmente a vez é das meninas

4 DISCUTINDO A RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO E PRÁTICA SKATISTA

4.2 Uma análise da apropriação do Parque da Juventude pelos skatistas

4.2.3 O uso do Parque da Juventude pelos skatistas

4.2.3.3 A Sessão Feminina: finalmente a vez é das meninas

Semelhante à Sessão Old School, a Sessão Feminina é também um horário especial dentro do cronograma do Parque da Juventude. Consiste em um espaço de tempo que foi criado especialmente para atender à demanda de mulheres que estavam iniciando na prática do skate. Esse horário, que teve início no dia 14 de julho de 2009, surgiu a partir da mobilização de uma skatista, que organizou um abaixo assinado e o apresentou para a organização do Parque. A partir de então foram destinadas três horas exclusivas ao skate feminino no street park, passando a funcionar todas as terças-feiras, das 19 horas às 22 horas (HIROSHI, 2009).

Quando paramos para observar, seja de perto, de dentro da pista como aprendiz, seja de forma mais distante, circulando pelas demais dependências do Parque, podemos perceber a invisibilidade dada ao skate feminino no Parque da Juventude: durante a semana quase não encontramos mulheres no street; nos outros espaços do parque, visualizamos um número um pouco maior, mas em sua maioria não estão andando de skate, e sim reunidas em grupos, descansando nos bancos, namorando e somente algumas aprendendo a andar de skate. No final de semana é possível encontrar um número maior, principalmente crianças, mas ainda muito inferior ao dos homens.

Durante as Terças Femininas foi possível contar até 55 mulheres. Nas primeiras observações, logo após o retorno daquela sessão, que estava suspensa desde o início de 2013, ouvíamos algumas relatando motivos para a existência daquele horário exclusivo para elas: a falta de segurança, visto que a maioria dos homens são mais fortes e mais experientes; timidez; ciúmes do namorado ou cônjuge e a falta de cuidado, por parte dos homens, não respeitando a vez de cada um nos obstáculos, podendo ocasionar colisões.

A seguir segue a explicação dada pela presidente da AFSK e atual organizadora da Sessão Feminina:

[...] favorecer as meninas que estão iniciando no esporte pra poder estar praticando sem risco à integridade física. Porque é um esporte de impacto e a mulher, por ser mais frágil, sofre com essa diferença física entre homem e mulher, então é muito importante esse espaço reservado só pra mulher. (Sk. 4: F OS V)

Ela conta ainda como se deu o surgimento desse horário especial, deixando claro que este reflete a necessidade de um maior reconhecimento e investimento no skate feminino.

O horário feminino ele foi iniciativa da Luciana Melo junto com a Eduarda Soares49,

elas tinham os filhos que elas traziam aqui pra pista e elas também queriam praticar então como elas eram iniciantes, elas sentiram na pele essa necessidade de um horário separado só pra mulheres [...]ela fez essa proposta pra ele [diretor], com uma boa justificativa né, que era realmente pras garotas iniciantes poderem praticar sem correrem risco e ele topou a ideia e daí teve o início do horário feminino. (Sk. 4: F OS V)

Por ser o skate representado como uma atividade essencialmente masculina, muitas vezes as mulheres skatistas necessitam encontrar alternativas para legitimar sua prática. Para Figueira e Goellner (2012), o skate é representado como uma dimensão da cultura mais associada ao universo masculino que ao feminino, fazendo com que as mulheres skatistas e suas práticas sejam muitas vezes invisibilizadas. Segundo as autoras, quando nos atemos para as questões de gênero que envolvem a prática do skate:

Apontamos para distinções existentes, no Brasil, entre a visibilidade conferida a mulheres e a homens no entorno da sua prática. A adesão e a permanência de sujeitos do sexo masculino nesse esporte são de tal modo naturalizadas que não precisam ser ditas, nomeadas ou chamadas a ver. Por essa razão, os discursos que circulam em diferentes artefatos culturais referem-se, sobretudo, a eles – os skatistas, atletas, espectadores, comentaristas, dirigentes e editores – como os protagonistas desse esporte. (FIGUEIRA; GOELLNER, 2013, p. 244)

Essa realidade faz surgir estratégias desenvolvidas por mulheres skatistas na busca pelo seu reconhecimento enquanto sujeitos dessa prática. Entendemos, portanto, que a reivindicação pelo Horário Feminino, atrelado à luta pela sua manutenção, é uma forma das skatistas serem também reconhecidas enquanto sujeitos, usuárias e produtoras do espaço de prática do skate, de modo geral, e do Parque da Juventude, especificamente.

A Sessão Feminina não vem obtendo a mesma estabilidade que foi percebida na Sessão Old School. Desde que foi lançada, passou por algumas dificuldades para permanecer ativa: durante os quatro anos de sua existência o horário foi modificado algumas vezes, sendo reduzido, depois ampliado, passando por vários períodos de paralização.

No início do ano de 2010, a sessão que estava parada desde o final de 2009, é reativada a partir da iniciativa da recém fundada AFSK, porém deixou de ser exclusiva para as praticantes de skate e passou a ser dividida com as adeptas de patins e bike, com uma mudança de horário, o qual passou a funcionar das 18 horas às 20 horas, uma hora a menos que no ano anterior.

No dia 30 de novembro de 2010, aconteceria a última sessão do Horário Feminino daquele ano. Desde o seu lançamento, é comum a atividade paralisar nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro, pois seguem a mesma programação das oficinas de esportes radicais, que possui três meses de férias todos os anos. Uma das skatistas entrevistadas relata esse fato: “Então, rola aquele negócio: entrou de férias, os horários entram de férias também. Tipo entrou as férias, corta o horário feminino” (Sk. 5: F NG St.). Sendo assim, a nota fazia uma chamada para que as frequentadoras da sessão não faltassem no último dia daquele ano, temendo que houvesse dificuldades para recomeçar, três meses depois, caso não houvesse uma quantidade significativa de mulheres utilizando a pista (SKATE FEMININO BRASIL, 2010).

Nos anos de 2011 e 2012 a sessão continuou com o mesmo horário de 2010, sendo paralisada apenas na época das férias. Porém houve um descontentamento com esse horário, por não contemplar aquelas que trabalhavam até tarde ou que moravam longe e não conseguiam chegar ao Parque a tempo, o que provocou a reivindicação pela mudança de horário, desta vez para que o mesmo se estendesse até às 22 horas. O que, de fato, não veio a acontecer naqueles anos.

No ano 2013, a Sessão Feminina foi suspensa, não voltando no mês de março, como de costume. A gestão da CAJUV alegou que não havia quórum suficiente que justificasse a abertura do street exclusivamente para o público feminino, além do Parque não dispor de funcionários suficientes para seu monitoramento. Diante desse impasse o horário ficou suspenso por oito meses, o que provocou a realização de uma petição online e algumas

negociações entre a AFSK e a prefeitura, a fim de que a sessão retornasse, iniciativas que surtiram efeito, fazendo com que as atividades retornassem, e ainda com horário ampliado, funcionando das 18 horas às 21 horas e 30 minutos. Segue trecho de depoimento da skatista e presidente da AFSK, relatando tal processo:

[...] E aí a gente começou uma batalha grande desde o início do ano, pra voltar o horário feminino. Foi uma guerra que nós travamos sabe, e aí com muita luta e com uma boa justificativa, preparando um dossiê, nós conseguimos o nosso horário de volta e com a vantagem de ter o horário integral pra gente na terça. (Sk. 4: F OS V)

Dessa forma, acreditamos que o modo como a Terça Feminina vem sendo desenvolvida no Parque da Juventude é um reflexo do modo como o skate feminino é desenvolvido no Brasil. Este passou a ser mais reconhecido e visibilizado nas mídias, ganhando espaço também no mundo competitivo, nos últimos anos. Muito dessa conquista foi proporcionado pelas próprias skatistas, já que são elas, na grande maioria das vezes, que produzem informações sobre o skate feminino (FIGUEIRA; GOELLNER, 2012).

Atrelado à prática em si do skate, as mulheres do Parque da Juventude vêm, na ocupação daquele espaço/tempo, uma forma de resistência e legitimação da sua categoria. O depoimento a seguir destaca esse fator e acrescenta ainda uma relação às causas em prol das conquistas feministas:

A gente realiza bastante ação aqui no Parque da Juventude, o prefeito apoia bastante, ele gosta muito de skate, ele apoia muito o skate feminino, a esposa do prefeito também defende muito as ações femininas em prol das mulheres, justamente pelo preconceito que a gente sofre. A gente sofre mesmo, sabe, não só no skate, mas em todas as nossas relações sociais [...]. (Sk. 4: F OS V)

No ano de 2013, depois da volta da sessão, iniciou-se um novo ciclo para o skate feminino no Parque da Juventude, com a preocupação voltada para a tentativa de se manter um número significativo de mulheres usufruindo da pista no horário destinado a elas, para que este não corresse o risco de ser interrompido novamente. Uma skatista usuária da Sessão Feminina explicita essa nova realidade em sua fala:

Ah, isso daí foi um corre da AFSK, foi algumas assinaturas. E o que mais mantém o horário feminino não é mais nem tanto a AFSK, agora são as meninas, se as menina não colar, pode ser cortado a qualquer momento, então é bom as meninas tá indo. Porque não adianta a AFSK ficar o tempo todo entrando na frente e falar: vamo manter, vamo manter, vamo manter, porque se não tem menina, não tem como manter. (Sk. 5: F NG St.)

Essa característica foi também percebida em suas práticas durante as sessões. Evidenciando, dessa forma, um modo particular que elas têm de se apropriar daquele espaço/tempo. Percebemos uma preocupação constante em incentivar a permanência de um número significativo de mulheres andando de skate. Muitas delas entendem sua presença como um dever e uma responsabilidade, sendo notável o esforço das mais experientes, algumas delas engajadas na AFSK, em incentivar as iniciantes a continuarem praticando, em chamar a atenção das mais próximas para que não faltem nas sessões seguintes, além de registrar a presença das praticantes e de manter a pista ocupada e em funcionamento durante todo o horário. Um trecho do diário de campo exemplifica esses fatores: “Uma garota estava reclamando sobre umas skatistas que tinham ido embora antes do término do horário reservado para a Sessão Feminina: ‘Todo mundo indo embora já, aí depois perde o horário...’” (DC, 27/08/2013).

Outro fator que caracteriza o modo como as mulheres, garotas e meninas se apropriam do Parque por meio das Terças Femininas é o contato e a oportunidade de compartilhar a prática do skate entre iguais: “Conheci as meninas, aí logo depois surgiu a AFSK, associação do skate feminino, depois começou a rolar as terças-feira feminina, [...] e assim a gente foi evoluindo, todo mundo junto” (Sk. 5: F NG St.). Dessa forma, elas podem dividir seus medos, suas dificuldades e conquistas com outras pessoas que possuem suas mesmas necessidades:

Nossa, é ótima, porque tem muita menina que vê as fotos no facebook e fala: nossa, quero colar, quero colar. E acaba andando, conhecendo, fazendo mais amizades, evoluindo junto, aprendendo manobra, caindo, se esborrachando, compartilhando risos, dores (Sk. 5: F NG St.).

Esse fator também foi observável na dinâmica das sessões, onde as garotas, além de andar de skate, aproveitavam o tempo desfrutando o encontro e o reencontro de amigas, conversando sobre eventos cotidianos de suas vidas, trocando informações sobre campeonatos e mostrando sua coleção de fotos de skate. Algumas ainda marcavam sessões em outras pistas e tentavam manter o contato por meio das redes sociais. Outra característica marcante na sessão era a solidariedade, expressa nas palavras de incentivo e no modo como as mais experientes ajudavam na aprendizagem das iniciantes. Em consequência, as novatas não sentiam dificuldade em se enturmar, recebendo todo apoio possível, inclusive informações sobre o esporte, sobre quais materiais eram melhores e onde poderiam ser comprados.

Além destes aspectos, pudemos verificar que era comum ver a presença de alguns homens acompanhando os horários femininos, os quais conversavam com as garotas, ajudavam

as iniciantes com as primeiras manobras, demonstravam alguns movimentos e até davam algumas voltas, principalmente nos últimos minutos da sessão. Percebemos essa dinâmica como um acordo não declarado entre as partes, no qual àqueles poucos (2 ou 3, amigos e namorados) era dada a permissão de estar ali, visto que também eram considerados importantes no processo de conquista daquele espaço.

De forma semelhante à Sessão Old School, encontramos na Sessão Feminina modos particulares de apropriação espacial, apesar de a grande maioria das frequentadoras não possuir o mesmo grau de identidade com o espaço que os frequentadores da segunda-feira, pois poucas delas têm idade acima de 35 anos e, mesmo assim, não possuem tantos anos de skate para serem consideradas pertencentes à categoria old school – exceto a presidente da AFSK, que apesar disso, não deixa claro em sua fala considerar-se nessa categoria. De qualquer forma, aquele espaço/tempo é dividido por pessoas que se reconhecem por serem todas mulheres e por terem as mesmas dificuldades de legitimação de sua prática e conquista espacial.

É válido esclarecer que a Sessão Old School não é exclusiva para homens, pois mulheres acima de 35 anos também têm autorização para andar. Entretanto, como vimos no tópico anterior, na fala dos skatistas em relação à sessão, não percebemos menção à participação de mulheres skatistas ou a qualquer benefício que elas tenham recebido com o seu surgimento. Apenas algumas poucas vezes foram vistas no máximo duas mulheres se beneficiando da Sessão Old School. Do mesmo modo, quando a história da antiga pista e do Parque é contada, elas também não são mencionadas, o que nos faz entender o grau de importância da Sessão Feminina, já que é uma das únicas formas em que a prática do skate feminino é efetivamente visibilizada no Parque da Juventude.