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A galera do skate: a sociabilidade

4 DISCUTINDO A RELAÇÃO ENTRE ESPAÇO E PRÁTICA SKATISTA

4.2 Uma análise da apropriação do Parque da Juventude pelos skatistas

4.2.3 O uso do Parque da Juventude pelos skatistas

4.2.3.4 A galera do skate: a sociabilidade

Antes de apresentarmos os depoimentos dos sujeitos acerca das possibilidades de sociabilidades advindas com suas práticas, achamos por bem fazer uma diferenciação entre socialização e sociabilidades. Para tanto, tomamos como base o entendimento de socialização juvenil proposto por Dayrell (2005), em que o autor a compreende como “os processos por meio dos quais os sujeitos se apropriam do social, seus valores, normas e papéis, a partir de uma determinada posição e de uma representação das próprias necessidades e interesses” (DAYRELL, 2005, p. 182). De tal modo, a forma como o sujeito se apresenta é fruto de múltiplos processos, os quais envolvem os modos como ele interpreta e age em sua realidade.

Na sociabilidade, por sua vez, “encontramos uma relação na qual o fim é a própria relação, a pura forma, e é por ela que se constitui uma unidade. [...] os indivíduos se satisfazem em estabelecer laços, e esses laços tem em si mesmo sua razão de ser” (Ibid., p. 184), o que faz a mesma acontecer nas relações cotidianas, onde sua dinâmica é capaz de expressar diferentes gradações que distinguem aqueles mais próximos dos mais distantes (Dayrell, 2007).

Ao longo de seus discursos, os diferentes sujeitos da pesquisa foram explicitando suas formas particulares de sociabilidade. Demonstrando que a prática do skate por si só já é uma forma de sociabilidade: “Meus amigos que tão comigo no dia a dia são o pessoal que anda de skate comigo no dia a dia” (Sk. 2: M NG O).

Além disso, identificamos na fala de diferentes skatistas o modo como os laços de proximidade e identificação existente entre eles se formam pelo simples fato de serem skatistas:

[...] mesmo sendo um esporte individual, tal, você nunca tá... você nunca ta sozinho, porque aonde você vai você vai encontrar skatista e amigos. E skatista é muito... você pode não se conhecer, chegou com skate, o cara anda de skate, já cumprimenta, já tem uma troca de olhar, já pronto, já tá junto, já. Apesar de ser um esporte individual, você nunca tá sozinho. (F/Sk. 1: M NG V)

Esse depoimento demonstra ainda uma contradição entre a individualidade da prática do skate e o fato do skatista nunca andar sozinho, ou seja, é fácil estabelecer laços entre eles, pois a prática do skate em si faz com que eles se reconheçam enquanto pertencentes aos mesmos processos de socialização, contribuindo para formar e fortalecer laços de sociabilidade. Assim, existem variados grupos sociais que se diferenciam entre aqueles praticantes de skate, seja por modalidades de prática, idade ou demais tipos de afinidades. O que leva à busca de outras formas de sociabilidade, à medida que vão se diferenciando os laços de amizade. O depoimento a seguir demonstra o modo como se expressa a dinâmica que estabelece as gradações de proximidade, diferenciando a galera do skate, de um modo geral, dos considerados mais chegados:

Sim, lógico. A gente sempre tá no rolê. Geralmente tem festinha, tem um churrasco, que a gente vai junto, tem alguma party assim que ó: vai ter uma festa ali, vamo aí, vamo aí! Aí cola todo mundo, a galera do skate, as vezes tem a première de um vídeo de alguém que lançou, vai mó galera também, tá todo mundo junto, mas tem os mais chegados né, que vai em casa, noite da pizza, troca uma ideia, rola uma pizza. (Sk. 1: M NG St.)

Percebemos que a sociabilidade verbalizada no discurso dos frequentadores do Parque da Juventude não foi forjada, necessariamente na relação com o outro, a partir do espaço específico do Parque em estudo. Essa relação é estabelecida, antes de tudo, a partir da prática

do skate e das relações de igualdade que se estabelecem entre seus praticantes. Não queremos dizer com isso, que o espaço não faça parte desse jogo de relações sociais, mas que não depende de um espaço especificamente. Isto porque os skatistas de um modo geral, nunca, ou quase nunca, utilizam apenas um espaço, uma pista, uma rua ou uma praça para andar de skate (o que será melhor discutido no tópico intitulado Os outros lugares do skate):

Sim, muitos dos meus amigos, a gente é amigo de sair junto e tudo. Pesquisadora: Fizeram amizade aqui ou não? Entrevistado: Assim, na verdade não aqui, na verdade é do skate. A gente se encontra em outras pistas, e é do skate. Isso é uma coisa legal do skate, ele proporciona muitas amizades em locais muito diferentes. (Sk. 2: M NG O)

Os laços de sociabilidade formados entre eles também se evidenciam nos campeonatos. É comum a reunião para participar de uma competição, ainda que no grupo formado provavelmente haja competidores que irão disputar o mesmo título. Os campeonatos podem proporcionar, mais até do que o espírito competitivo, uma forma de reunião, ou seja, eles não se reúnem para competir, ao contrário, participam de campeonatos para se reunir, para estar em grupo, entre iguais: “Eu compito porque, tipo, a gente vai pra competição só pra: - Ah, vamo aí, vai a galera toda, a gente vai se divertir, as vezes pega pódio, as vezes não pega” (Sk. 1: M NG St.).

Machado (2011, 2012b), ao estudar as competições do Circuito Sampa Skate, constatou algo parecido, ao perceber que os skatistas participantes das etapas desse circuito veem nele muito mais do que uma competição esportiva, cheia de regras pré-estabelecidas, pois muitos deles priorizam e criam discursos acerca do caráter lúdico propiciado pelas disputas e pelas formas de sociabilidade encontradas no evento.

Compreendemos, portanto, cada vez mais, que a sociabilidade pode ser entendida enquanto uma dimensão do lazer, sendo esta dimensão o que faz com que práticas carregadas de aspectos racionais e mesmo aquelas que possuem caráter de obrigação, tal como um treino ou a participação em competições para manter um patrocínio, por exemplo, possam ser vivenciadas como uma prática de lazer. Justamente quando a intenção está fundamentada na busca pela sociabilidade, não se afastando do caráter lúdico.