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A diversidade de campos de aplicação da oratória

Parte I: Fundamentos da Retórica

5.3 A diversidade de campos de aplicação da oratória

Com a fragmentação social contemporânea, bem como com a crescente diversidade dos campos do conhecimento humano, algumas referências clássicas perdem a validade, e se instaura certa confusão entre prescrições válidas para uma realidade, mas não aplicáveis a todas as circunstâncias.

Como são inúmeros os campos de aplicação da oratória, inquirir sobre onde aplicar os conceitos oferecidos pela pedagogia retórica para o desenvolvimento das competências comunicativas pode direcionar os esforços para a obtenção de bons resultados.

Para encontrar os campos de aplicação mais desejados, consultamos as avaliações diagnósticas dos alunos do curso, analisando em quais campos esperavam maior aplicabilidade da oratória em suas vidas. Comparamos com as avaliações finais, para verificar em quais passaram a enxergar maior possibilidade de uso do conhecimento desenvolvido, o que ainda ofereceria a possibilidade de verificar alguma eventual alteração no grau de importância dado a cada campo.

Av. diagnósticas (43) Número absoluto %

Finalidade acadêmica: 5 11,6

Finalidade profissional: 21 48,8

Finalidade para a vida: 17 39,5

Tabela 1: Finalidades da oratória nas avaliações diagnósticas.

Av. finais (9) Número absoluto %

Finalidade acadêmica: 1 11,1

Finalidade profissional: 3 33,3

Finalidade para a vida: 5 55,6

Tabela 2: Finalidades da oratória nas avaliações finais.

Percebe-se uma ampliação na aplicabilidade dos preceitos retóricos para a vida da ordem de 40%, redução de aplicabilidade profissional em cerca de 30% e manutenção da aplicabilidade acadêmica. Com tais dados, infere-se que há maior valorização, entre os componentes da tríade do desenvolvimento retórico, dos preceitos concernentes ao SUJEITO.

PARTE III: APONTAMENTOS PARA UMA TEORIA DO

DESENVOLVIMENTO RETÓRICO

6 Novos elementos para o desenvolvimento retórico

Julgamos fundamental, a partir dos elementos estudados, propor alguns apontamentos para uma prática pedagógica capaz de direcionar esforços didáticos para a consecução dos objetivos de uma formação retórica consistente.

As reflexões de Descartes sobre seu percurso em busca pela compreensão de seu próprio caminhar na senda do conhecimento nos servem de estímulo.

Pois acreditava poder encontrar muito mais verdade nos raciocínios que cada um forma no que se refere aos negócios que lhe interessam, e cujo desfecho, se julgou mal, deve penalizá-lo logo em seguida, do que naqueles que um homem de letras forma em seu gabinete a respeito de especulações que não produzem efeito algum e que não lhe acarretam outra consequência salvo, talvez, a de lhe proporcionarem tanto mais vaidade quanto mais afastadas do senso comum, por causa do outro tanto de espírito e artimanha que necessitou empregar no esforço de torná-las prováveis. E eu sempre tive um enorme desejo de aprender a diferenciar o verdadeiro do falso, para ver claramente minhas ações e caminhar com segurança nesta vida.

(DESCARTES, 19--)

Reconhecemos a ousadia dessa pretensão, dadas a imensidade da tarefa e, sobretudo, a vastidão dos escritos e reflexões sobre Retórica, além da enorme quantidade de liames que estabelece com quase todas as demais áreas do conhecimento.

“Ars longa vita brevis”10, repetimos com o poeta. Por ora, mais modestamente que o escopo inicial, dispomo-nos a relacionar algumas contribuições para a pedagogia retórica a partir de nossa prática no ensino da oratória. Desejamos, com isso:

 encontrar o ponto de equilíbrio entre SUBJETIVIDADE e DETERMINAÇÃO SOCIAL, para não incorrer no erro de supervalorizar o indivíduo, bem como no de apagá-lo completamente;

 considerar as etapas necessárias à boa produção textual, quais sejam VIVER,

PENSAR, FALAR, para a produção de recomendações pedagógicas voltadas para o desenvolvimento de competências retóricas;

 incluir o SUJEITO na tradicional dicotomia FORMA e CONTEÚDO, formando, pois,

uma tríade sobre a qual devem ser assentadas as bases da pedagogia retórica, e destacar os pontos principais a serem desenvolvidos em cada um, para traçar o percurso gerativo de aprendizagem em ambos os sentidos, na direção do sujeito para a forma e vice-versa, perpassando o conteúdo.

As concepções sobre língua e linguagem influenciam a prática do ensino-aprendizagem da produção textual, oral ou escrita. Assim, à medida que se desloca a compreensão da linguagem do simples representar o mundo para o interagir social e, posteriormente, para o próprio aprender, modificam-se os fundamentos considerados para a proposição de atividades de desenvolvimento da oralidade.

A integração entre conteúdo e forma foi percebida por diversos estudiosos da linguagem. O princípio é o da isomorfia dos dois planos, apresentada nesta afirmação:

Uma vez realizada, a análise mostra além do mais que o plano da expressão e o do conteúdo podem ser descritos, exaustivamente e não contraditoriamente, como construídos de modo inteiramente análogo, de modo que se podem prever nos dois planos categorias definidas de modo inteiramente idêntico. Isso só fará confirmar novamente a correção da concepção segundo a qual expressão e conteúdo são grandezas da mesma ordem, iguais sob todos os aspectos.

(HJELMSLEV, 1975, p. 63 e 64)

A dicotomia “forma” versus “conteúdo”, embora possa embasar a construção de preceitos muito úteis, limita a compreensão holística sobre os princípios retóricos, pois evidencia o texto- produto como objeto da disciplina, relegando a segundo plano as dimensões da subjetividade e da alteridade.

Integrar forma e conteúdo exige integrar princípios e preceitos. Insights poderosos, entretanto, surgem a partir dessa integração, exigindo que o processo pedagógico de desenvolvimento retórico se baseie primeiro em refletir sobre os princípios para, somente depois, se relacionarem os preceitos convenientes nas circunstâncias relevantes para o aprendiz.

Além disso, para tornar o processo efetivo, cabe inserir o indivíduo como um elemento fundamental nos componentes desse processo. Desse modo, acrescentamos à dicotomia

tradicional da Retórica – forma e conteúdo – um terceiro elemento. Em especial, tal incorporação favorece a inclusão das enormes contribuições da Análise do Discurso no plano geral da pedagogia retórica. De fato, a busca principal da Análise do Discurso é encontrar e trabalhar os valores que subjazem na materialidade dos discursos em diferentes campos.