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Parte I: Fundamentos da Retórica

2.1 Discursos unidimensionais

Seriam os discursos para cuja elaboração o orador dedicou quantidade de atenção consciente muito maior a apenas uma das dimensões.

Atenção somente a lógos

Um discurso elaborado com atenção preponderantemente à dimensão do lógos considera apenas a constituição da MENSAGEM, ou seja, o grau de informatividade, a coerência e coesão, a

construção lógica e os raciocínios, bem como a congruência entre o que se diz e o que existe no mundo.

Exemplo: no caso de um discurso para pedir doações, não bastaria dizer “doe!”

Embora clara e sucinta, uma mensagem assim deixaria de especificar uma série de informações, todas pertencentes à dimensão do lógos, necessárias para o discurso alcançar a eficácia, ou seja, criar a realidade desejada pelo orador, de haver doações por parte dos ouvintes.

Aumentar o grau de informatividade – para o que, em especial, contribui o processo da stásis6 – é essencial. Perguntas bem formuladas ajudam a levantar informações cuja apresentação no discurso contribui para obter a adesão do auditório à causa defendida: DOAR para quem? Quem pode

doar? Quando? Quanto? Onde? Como? Por quê? Quais as consequências (para quem recebe e para quem doa) de o fazer? Enfim, uma infinidade de perguntas pode ser formulada. Quanto mais perguntas formular para desenvolver

6 Importante para o processo de invenção, de descoberta de argumentos além da Tópica, é a stásis (heurística/stásis/constitutio). Embora esse procedimento já existisse na Retórica desde Aristóteles (ARISTÓTELES. Retórica, III, 17, 1), deve-se a Hermágoras, no século II a.C., sua sistematização e difusão. Como a obra de Hermágoras desapareceu, o conhecimento que temos da stásis retórica vem principalmente de Cícero (Ad Herennium, I, 10, 18-I, 17, 27; De inuentione, I, 8-14; II, 15-115; Topica, XXIV, 93-95) e de Quintiliano (Institutio oratoria, III, 6). O procedimento da heurística retórica consistia na prática de fazer perguntas relevantes para esclarecer os principais pontos de um assunto e reconhecer o ponto de decisão (iudicatio) da causa. Discurso real L Ó G O S P Á T H O S É T H O S Discurso real L Ó G O S P Á T H O S É T H O S

Figura 2: Diagrama de discurso valorizando somente lógos

o texto, mais tenderá o orador a elencar informações relevantes para atingir a eficácia.

Haverá doações se for especificado o montante a ser doado, que deveria estar ao alcance dos ouvintes, e se ficarem claros os procedimentos para se efetuar a doação, entre outros esclarecimentos que fornecem informatividade ao texto.

As perguntas do processo da stásis foram categorizadas posteriormente em TÓPICOS,

diretrizes conceituais que levam a elaborar questões necessárias à invenção no discurso que aumentam o grau de informatividade. Alguns tipos de perguntas se aplicam melhor a determinados tipos de discurso. Por isso, Aristóteles associa determinados tópicos aos gêneros epidítico, deliberativo e judiciário.

Ao responder às perguntas advindas desse processo, elaborando o discurso, muitas vezes o orador refina seu pensamento, modifica sua ideia central, encontra novos argumentos e, afinal, torna seu discurso mais rico e potencialmente criador das realidades por ele desejadas.

Argumentos colaboram para atender a essa dimensão, pois é preciso provar a existência real da necessidade de doação. Um cuidado essencial consiste em não permitir o surgimento de contradições no discurso, o que geraria desconfiança, faria o orador perder a credibilidade e, muito provavelmente, diminuiria a eficácia do discurso.

Mas somente haver um texto bem produzido, com alta informatividade e argumentos sólidos, não garante que haverá doações.

Atenção somente a páthos:

Um discurso com atenção exclusiva à dimensão do páthos considera apenas emoções, desejos, conhecimentos e interesses que o orador julga que o auditório tenha, ou seja, aquilo que o público desejaria ouvir ou aquilo que já estaria preparado para entender.

Voltando ao exemplo de um discurso para pedir doações, é comum manuais práticos prescreverem que se deve conhecer o público e, em seguida, apresentarem várias prescrições para determinados tipos de público. No caso de plateias predominantemente femininas, é comum a recomendação de se valorizarem sentimentos, enquanto no caso das predominantemente masculinas, a de se valorizar a racionalidade; nas compostas por pessoas mais idosas, a de se

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valorizarem as reminiscências, enquanto nas mais jovens, as projeções de futuro; em se tratando de públicos altamente letrados, a de se moderar gesticulação, enquanto para os menos sofisticados, a de se amplificar a teatralização dos movimentos e gestos.

De fato, conhecer o auditório é essencial. Mas cabe considerar que “auditório” não é uma dimensão completamente autônoma ou uma realidade objetiva. Na verdade, é uma abstração da mente do orador, influenciada por pressupostos, valores e visões de mundo do próprio orador. Ele aposta que o público seria de determinada forma e, com base em como julga que tal público dever ser tratado, toma decisões relativas à enunciação.

Para trabalhar bem a dimensão do páthos, bastaria ao orador respeitar o perfil do auditório, tentando sensibilizá-lo para a doação. Ele deveria basear-se nas possíveis motivações que determinado público teria para doar (compaixão, desconto em impostos, solidariedade, status e muitas outras) e procurar induzir sentimentos, bem como trabalhar interesses, para atingir seus objetivos.

Porém, somente conhecer o que determinado auditório valoriza não garante que haverá doações.

Atenção somente a éthos:

Um discurso com atenção exclusiva à dimensão do éthos considera apenas autoridade, legitimidade e credibilidade do orador.

No caso de pedir doações, o discurso reforçaria a seriedade de quem pede; exploraria a imagem pública do orador como alguém digno de credibilidade; relataria experiências do orador; usaria depoimentos sobre a própria vida, dizendo, por exemplo, como pôde se livrar de dificuldades graças a doações ou mostrando o orador como exemplo da ação pretendida, pelo fato de haver realizado diversas doações.

Porém, como a eficácia do discurso se assenta sobre questões práticas além das ligadas a quem fala, somente ser o orador respeitável não garante que haverá doações.

Figura 4: Diagrama de discurso valorizando somente éthos Discurso real L Ó G O S P Á T H O S É T H O S Discurso real L Ó G O S P Á T H O S É T H O S