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CAPÍTULO 1. A DIVERSIDADE E O CONTEXTO EDUCACIONAL

1.2. A diversidade na sociedade e na escola

O conhecimento das diversas orientações teóricas e conceituais e dos modos de ‘olhar’ as diferenças contribui para o entendimento dos posicionamentos do professor diante dessa questão. Mais do que encontrar definições universais de conceitos é necessário identificar as formas de como cada sociedade enfrenta a diversidade.

Hannoun (1987) identificou três respostas típicas das sociedades à sua própria diversidade cultural: assimilacionismo, multiculturalismo e interculturalismo.

O assimilacionismo em face das diferenças entre os grupos culturais e étnicos defende a primazia de uma das culturas presentes e a incompatibilidade entre as demais culturas. Desse modo, reconhece o direito de cidadania apenas a uma das culturas do contexto, apontando para a desvalorização ou mesmo para a eliminação de todas as outras. Essa corrente de pensamento (e de ação) fundamenta-se na idéia de que existe uma cultura universal que deve ser assimilada pelas outras. Apela-se, desse modo, à unificação cultural e aceita-se e prega-se o nivelamento monocultural da sociedade. As suas principais conseqüências são o (auto) isolamento dos diversos grupos culturais e étnicos, com o conseqüente empobrecimento da sociedade no seu conjunto, e a resistência mais ou menos pacífica às imposições da cultura dominante, pelos grupos minoritários ou desfavorecidos.

Quanto à educação escolar, o assimilacionismo cria um contexto favorável à desigualdade de oportunidades, tornando praticamente inevitável o insucesso de uma parte significativa dos alunos. Os originários da cultura dominante que é a transmitida, e que no fundo se pretende que prevaleça sobre todas as outras, estão mais preparados e saem favorecidos. Os outros, de origens culturais e étnicas diferentes, encontram-se numa situação desfavorável. Os currículos não levam em conta as experiências de vida de uma parte significativa dos alunos, centram-se nos conteúdos da cultura dominante e no professor enquanto seu transmissor.

O multiculturalismo consiste na afirmação, por parte de cada grupo, de que a sua cultura é essencialmente diferente de todas as outras. A paisagem cultural apresenta-se, nesse caso, sob o (...) aspecto de um mosaico de culturas com fronteiras claramente desenhadas (Hannoun, 1987, p. 2). Assim, enquanto que o assimilacionismo nega a multiplicidade cultural, o multiculturalismo a potencia e a valoriza.

manter as características específicas de cada grupo. Nessa perspectiva a escola passa, a ser o reflexo da (...) atomização cultural e do mosaico de ghetos em que a própria sociedade se transforma (grifo do autor, Barbosa, 1996, p. 23). No plano curricular, há uma incidência nos conteúdos específicos das diferentes culturas sem a preocupação de estabelecer, enriquecer e explorar as possíveis (e desejáveis) interações entre elas.

O interculturalismo é entendido como sinônimo de reconhecimento do pluralismo cultural, quer dizer, da afirmação simultânea de cada cultura, (...) considerada na sua identidade própria e na sua abertura às outras a fim de estabelecer com elas relações de complementaridade (Barbosa, 1996, p. 23). A afirmação da identidade assenta na convicção de que todas as culturas são relativas a um determinado meio ao qual pretendem dar uma resposta eficaz, e nenhuma delas pode arrogar-se como universal ou atemporal.

A complementaridade significa que qualquer cultura sai enriquecida do contato com as outras, transformando-se e desenvolvendo conexões que levam à construção de uma “cultura comum”. Em outras palavras, o interculturalismo estabelece uma relação dialética das diversas culturas particulares entre si. Cada uma delas, em particular, contribui para a construção de uma cultura universal que é patrimônio de todos e, ao mesmo tempo, essa universal estabelece relações com as particulares.

Uma escola intercultural respeita e desenvolve todas as culturas que nela necessariamente (co) existem, e considera as diferenças como riqueza a preservar e explorar educacionalmente. Os principais objetivos dessa escola residem na transmissão de uma pluralidade de culturas e no reconhecimento de cada uma delas, (...) o que não só admite como facilita e deliberadamente procura a expressão autônoma dos alunos e das respectivas culturas de origem (Barbosa, 1996, p. 23).

Candau (1999) define educação intercultural nos mesmos moldes de Hannoun (1997). Para ela:

(...) uma educação intercultural não se restringe a determinadas populações específicas, como se somente a elas fosse exigido o esforço de reconhecimento e valorização das culturas diferentes da sua de origem. Hoje urge ampliar este enfoque e considerar a educação intercultural como um princípio orientador, teórica e praticamente, dos sistemas educacionais na sua globalidade (p. 3). Para Hannoun (1997), multiculturalismo e interculturalismo se

distinguem, fundamentalmente, porque o segundo mais do que conhecer as diversas culturas presentes numa sociedade, busca mostrar que uma sociedade será tanto mais rica quanto mais interações entre as diversas culturas promover. À educação escolar caberá, em parte, a responsabilidade de promover, desenvolver e aprofundar essas interações, bem como as competências que as tornem possíveis. Candau (1999) também faz essa distinção entre os conceitos e assume o interculturalismo como uma perspectiva educacional viável para a incorporação de uma (...) postura que vai tentar justamente trabalhar diretamente com os preconceitos, velados ou explícitos, com relação à pluralidade cultural e à desigualdade a ela associada (Candau, 1997a, p. 482).

No entanto, a colocação de que o interculturalismo lida de modo superior com a diversidade, conforme a distinção entre multiculturalismo e interculturalismo apresentada anteriormente, está longe de ser consensual (Barbosa, 1996).

Em primeiro lugar, mesmo assumindo que a distinção é meramente etimológica (posição que alguns defendem), é necessário questionar os meios utilizados na tentativa de harmonizar as diversas culturas. Na verdade, esse processo não pode ser pensado independentemente das relações de poder que ocorrem na sociedade, nem da redistribuição desse poder, que, inevitavelmente, a harmonização e a interação étnica e cultural implicam. Por outro lado, é também necessário estar ciente de que o processo de harmonização intercultural acaba sempre por ter que se confrontar com situações, mais ou menos explícitas, de preconceito. Em suma,

(...) o processo de harmonização intercultural também não pode ser pensado sem equacionar a questão dos contributos tendencialmente desiguais e eventualmente conflituais de cada cultura particular para a construção da cultura comum. Dizer que todas as culturas são igualmente importantes e tem o mesmo peso nessa construção pode exprimir mais um desejo do que uma realidade e ser uma ilusão ingénua e perigosa (Barbosa, 1996, p. 24).

Em segundo lugar, é possível encontrar, na literatura anglo-saxônica, outra tipologia para expressar os três modos de a sociedade lidar com a sua diversidade: assimilacionismo, integracionismo e pluralismo, que são considerados por Cardoso (1996b) como etapas do processo de construção histórica do multiculturalismo, equivalentes aos modos apresentados por

Hannoun (1997).

Cardoso (1996b) explicita que, num sentido mais amplo, no pluralismo estão implícitos e inter-relacionados três ideais: o da igualdade de oportunidades, o do multiculturalismo e o do anti-racismo.

- O ideal da igualdade de oportunidades visaria à eliminação das diferenças de oportunidades oferecidas pelo sistema às crianças de diferentes origens sociais, étnicas e religiosas, assegurando-lhes as mesmas chances de sucesso educativo e social.

- O ideal do multiculturalismo visaria à promoção da interação pelo respeito às diversas culturas, garantindo às minorias o acesso aos conhecimentos e competências necessários para se beneficiarem de igualdade de oportunidades na sociedade receptora. Nesse sentido, ele é indissociável do ideal da igualdade de oportunidades.

- O anti-racismo seria a eliminação de todas as expressões de preconceito pessoal e institucional. Se o pluralismo ignorar a vertente anti- racista, ignorará a principal causa e efeitos da discriminação e impossibilitará a realização do ideal da igualdade de oportunidades.

Moreira (1998) apoiando-se em McLaren (1996) apresenta uma outra divisão quanto às diferentes posições da sociedade em relação à diversidade, o multiculturalismo conversador, liberal, liberal de esquerda e crítico.

O multiculturalismo conservador pressupõe a inferioridade e a incapacidade dos grupos minoritários pela classe dominante, a qual visa anular os saberes, crenças e comportamentos deles para construir uma cultura comum, hegemônica. Moreira (1998) explica ainda que essa posição visa a diluir a (...) resistência dos grupos dominados à dominação e à exploração (ibid., p. 27).

O multiculturalismo liberal defende a igualdade entre os grupos. Todos seriam capazes de competir e prosperar na sociedade capitalista. Essa postura além de ingênua conduz ao etnocentrismo.

A postura de aceitação das diferenças é característica do multiculturalismo liberal de esquerda; no entanto, nessa perspectiva há uma tendência em (...) essencializar as diferenças e a secundarizar os aspectos políticos, históricos e culturais nelas envolvidos (ibid., p. 27).

No multiculturalismo crítico (...) as diferenças são vistas como produto da história, da cultura, do poder e da ideologia (ibid., p. 27). A diferença deve ser

vista dentro de um contexto político, que oferecerá subsídios para intervenções nas relações de poder onde se constroem as diferenças, assim o indivíduo poderá assumir o compromisso com a democracia e a justiça social.

Apesar de perspectivas conceituais diferenciadas, mas por terem o objetivo comum de buscar meios para garantir o sucesso educacional de todos os alunos, no presente texto, o termo multicultural crítico de Moreira (1998) será considerado como sinônimo da perspectiva educacional da interculturalidade de Hannoun (1987), da intercultural crítica de Canen (1997a) e da pluralista de Cardoso (1996b).