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Formas de enfrentamento a partir do episódio “Júlia”

CAPÍTULO 2. A PESQUISA E SEUS PARTICIPANTES

3.2. Relatos dos professores sobre os enfrentamentos diante de alunos

3.5.2. Formas de enfrentamento a partir do episódio “Júlia”

Em “Júlia” esperava-se comentários sobre a possibilidade de ela ter pressão arterial elevada, uma vez os sintomas descritos são comuns entre as pessoas que sofrem desse mal; entretanto, nenhum professor se referiu a ele.

Quanto a acreditar na fala da aluna, a maioria dos professores (81,5%) disse confiar nos sintomas relatados. A confiança dos professores na fala da aluna estava relacionada à raridade de acontecimentos envolvendo alunos encrenqueiros nas

aulas de Educação Física. Desse modo se aluna estava irrequieta era porque não se sentia bem e/ou não podia participar ativamente da aula.

Dos 27 professores, 77,8% acreditavam que a aluna poderia estar passando mal pelas condições climáticas e pelo horário da aula (em geral, perto da refeição e com sol muito forte), pois as escolas não tinham condições estruturais adequadas.

(...) porque o sol também desgasta a gente, e a criança ou então o adolescente fica meio assim irritado, uns qué xingar o outro, ou então eles já querem bagunçar a aula, porque o calor deixa também a gente meio inquieta (P17).

(...) Aqui é por causa do horário, esse horário de sol forte e tal né? Então esse ... o problema da, da Educação Física, né? É quanto as quadras das escolas que não são cobertas né? Então tem esse problema de ficar às vezes uma aula ou duas aulas no sol, jogando ou fazendo qualquer atividade física, e a criança ... passa mal às vezes, né? Não tem assim muitos alunos, mais algumas passam mal, quando são mais clarinhos e tal, então a gente tá sempre orientando pra trazer um boné, alguma coisa, porque a Educação Física acaba tendo que se adaptar em função do horário e, e, ... e do sol forte também (...) Porque isso é problema realmente que se fosse ver né? Não poderia, né? (P13).

Nesse episódio, os professores reafirmaram o desejo do retorno das aulas de Educação Física para o horário contrário das demais disciplinas, visto os inúmeros problemas causados ao aluno, à dinâmica escolar e à própria disciplina.

(...) Eu acho péssimo. Eu acho que deveria ser em período contrário (...) Porque na minha época foi, era assim, né? Eu acho que funcionava, funciona melhor, né? Você não tem que ta ... um problema é que tem professora que não gosta que você use a sala. Tem que professor que reclama que o aluno tá suado (...) Esse é o problema maior, às vezes você quer dar uma atividade na sala e professora não gosta ... então se é horário contrário, é a sua aula, acabou. O aluno chegou, fez a aula, se ele suar, ele vai pra casa, tomar o banho dele, né? Agora lá, lá ele pratica atividade física, vai suar e vai voltar pra sala, vai dar problema até com o professor da sala (P23).

(...) Teria que tirar a Educação Física desse horário do sol quente. Hoje em dia protetor solar não são, não é todo mundo que tem né? E custa caro .... então a gente procura falar pra que eles se protejam né? ... Mas a maioria dos alunos eles já estão acostumados né? A, a ficar no sol né? A vida deles é correr é, é essa. Agora quem não está, a gente procura mandar se proteger, fazer alguma coisa desse tipo

(P13).

Para 33,3% dos professores era muito comum a simulação de sintomas pelos alunos como forma de chamar a atenção, pois desse modo se tornariam o centro das atenções. Segundo esses professores, esse comportamento era motivado pela

existência de problemas familiares.

(...) O episódio da Júlia é o tipo daquelas meninas, entendeu? Da ... da ... principalmente menina que quer ser o centro das atenções, aqui na escola, nós temos muitas ... e normalmente elas querem é chamar atenção sobre si. Que é um problema que ela deve ter em casa, ele não recebe a atenção em casa, então ela procura através dessas atitudes chamar a atenção pra pessoa dela, mas isso é um problema que tem que ser resolvido na casa dela (P2).

Diante de problemas familiares, vários professores disseram que os professores não substituem os pais e, desse modo, os problemas devem ser resolvidos na própria casa. No entanto, esses professores acreditavam que um trabalho mais próximo entre a escola e a família poderia contribuir com a melhora do comportamento do aluno, como também com a organização escolar.

Os pais eram chamados por 29,6% dos professores para conversar sobre os sintomas, sobre a existência de doença e, se necessário eram orientados para encaminhar o filho ao médico, como também para que oferecessem o almoço mais cedo.

(...) Dores na nuca, essas náuseas, tonturas aí, pode ter um problema grave até, né? No caso pode dar uma convulsão no

meio de uma aula a e gente não sabe nem como agir direito, né? Então eu acho que o ideal seria chamar os pais e pedir um encaminhando médico pra saber o que está ocorrendo com a criança aqui, né? (P23).

Dos 27 dos professores, 40,7% disseram solicitar ao aluno a procura de um médico para identificação dos sintomas.

(...) aqui no episódio diz que ela era criadora de problemas, pode ser que esteja sempre, ah ... simulando situações pra fugir das aulas. Então a gente tenta descobrir qual é o problema e fazer com que essa aluna se enquadre e faça as aulas (...) É possível que ela tenha, ah, se for verdadeiro, é possível que ela tenha um problema de ordem cardíaca, tá? Porque falta respiração, tem dores na nuca, pode ser que tenha algum problema neurológico também, a gente não sabe, a gente não é médico. Então, nossa formação acadêmica tivemos algumas noções na área médica, a gente não tem com profundidade esses conhecimentos. Então, precisa ver, ela passar por uma avaliação médica e a gente então e só após isso que pudesse desenvolver um trabalho mais específico (P10).

Apresentar os sintomas como desculpas para não participar das aulas, também foi considerado como possível por 33,3% deles. Isto demonstra a visão preconceituosa em relação ao sexo feminino: (...) Confio. Apesar de ficar

desconfiado, às vezes eu acho mesmo que elas não gostam de participar, então elas vêm com essas desculpas. Agora eu não posso ter certeza disso, às vezes pode ser verdade (...) (P34).

Assim como P10, a maioria dos professores relatou não ter conhecimentos e competências para saber se o aluno estava ou não passando mal, se tinha ou não alguma doença e como agir.

Com base nos conhecimentos e competências que possuíam e nas condições precárias de trabalho, particularmente a falta de quadras cobertas, as práticas dos professores diante de alunos com sintomas indesejáveis eram:

- observar se só um aluno os apresentava ou se todos. Outros alunos apresentando os sintomas, o ritmo da aula era diminuído;

- observar a constituição física da criança; - deixar o aluno sentado;

- encaminhar à Direção em situações mais graves; - oferecer outras atividades mais calmas;

- perguntar para a classe como ela estava se sentindo anteriormente; - pleitear horários e instalações adequadas;

- orientar os alunos para usarem protetor solar e boné. Em duas escolas era proibido o uso do boné pelos alunos durante as aulas de Educação Física.

(...) olha eu gostaria lá, que pudesse, pelo menos usar um bonezinho, né? Mas lá também não pode usar boné, né? A Diretora acha que num, num quer que use boné, porque não quer. Não sou eu. Então no caso aqui seria pelo menos que a Direção autorizasse usar um, um bonezinho, né? (P23).

- realizar rodízios entre os alunos nas atividades.

(...) agora ... passa mal tem algumas crianças que passam mal mesmo (...) dependendo do jeitinho da criança ... tudo, tudo vai né? (...) aqui na escola a gente tem que perceber até isso né? Como que eles vão reagir. Você tá no sol. Aí você tem ir separando, você separa, deixa na sombra um pouco, quando tem uma sombrinha, né? Se deixa metade na sombra, metade vai fazer, aí essa metade vai tomar água, volta outra fica sentada lá, pra não desgastar muito a criança, né? Você vai dividindo o tempo desse jeito (P13).

- conversar com os alunos sobre os riscos e cuidados quanto à prática de atividades físicas e à necessidade de fazer as refeições em horários distantes da prática.

(...) as aulas de Educação Física elas são feitas dentro do período, infelizmente muitas vezes acontece da aula começar meio-dia e quarenta e ir até a ... a 1.30, 1.40 aproximadamente. Neste período, principalmente no horário de verão em que o sol é muito intenso, o calor é muito forte, né? Realmente você tem que dosar melhor a intensidade do, do esforço da criança. Então você procura trabalhar mais, a ... forma parada dos movimentos, né? Os movimentos de uma forma tranqüila, debaixo da sombra e como eles querem sempre participar na quadra, você faz o rodízio para que eles fiquem 5 minutos na quadra e 5 ou 10 minutos na sombra porque é justamente pra evitar esse tipo de ... ou melhor, pra evitar que aconteça alguma coisa com o aluno, né? Que acontece um desgaste muito grande. E tem outra, os alunos que tem aula nesse horário, aqueles que não almoçarem cedo, não fazem atividades de maior intensidade (P2).

Uma professora em particular disse anotar os dias em que os alunos passavam mal ou alegavam estar impossibilitados para a prática, pois se houvesse uma seqüência de reclamações ela o obrigava a participar e a ir ao médico. Essas anotações eram utilizadas para a avaliação.

Numa situação dessa, na primeira vez até eu mandaria ela sentar. Tudo bem marcaria como eu sempre faço, meu positivo, meu negativo. Deixaria ela sentadinha lá, porque a gente também tem que ver o aluno, porque não que ele é bagunceiro ele também tem a dor dele, né? (risos) Então eu tenho que, deixaria ela sentadinha, mas escreveria assim: “Que ela tava com náuseas, doente, tal, tal”, deixaria. Aí “Doente de novo”, aí eu venho conversar com ela: “Oh! Na outra aula doente, de novo doente, de novo doente”, aí eu faço fazer aula, eu obrigo a fazer as aulas sim, só se for um atestado que o médico daria pra mim, aí sim que eu deixaria ela sentada (P42).

Nenhum professor comentou sobre o comportamento dos demais alunos em relação a “Júlia”.

Em resumo, os professores enfrentavam os diferentes problemas de saúde sem conhecimento teórico-prático. A identificação dos problemas dependia dos relatos dos alunos e pais, os quais eram incentivados pelos professores por meio de

redações, diálogos, autorização dos pais. A retirada do exame médico gerou insegurança à prática e por isso foi solicitado seu retorno. Pelas dificuldades em identificar, pelo desconhecimento da legislação sobre a responsabilização em casos de acidentes, pela falta de conhecimentos e competências para atuar nesses casos e pelas condições precárias de trabalho, os professores adotavam práticas que pouco ou nada contribuíam para melhorar a saúde e os conhecimentos do aluno sobre os benefícios e cuidados com a prática de atividades físicas diante do seu quadro de saúde. Eram os alunos que ditavam se iriam participar, o que fariam e como fariam, os professores concentravam-se em observar a presença de sinais indicando se o aluno ultrapassava os “limites” e em oferecer atividades e funções alternativas. A participação diferenciada não influenciava na atribuição de conceitos. Desejavam, particularmente diante de alunos cardíacos e em crise, a dispensa das aulas. Os professores relataram inexistir comportamentos de discriminação e preconceito com esses alunos, pelo contrário, eram de respeito e apoio.

Nos itens seguintes serão abordados as demais temáticas que surgiram quando da resposta dos professores nos episódios “João”, “Marcelo”, “Waldir” e “Júlia”.