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Avaliando a postura do professor do episódio

CAPÍTULO 2. A PESQUISA E SEUS PARTICIPANTES

3.2. Relatos dos professores sobre os enfrentamentos diante de alunos

3.2.4. Avaliando a postura do professor do episódio

“Isabel” gerou comentários sobre a postura do professor em permitir a aluna manter-se afastada das atividades e dos demais alunos, usar roupas diferenciadas em relação aos demais alunos e realizar a avaliação em outro dia.

Seis professores julgaram a postura do professor como correta e um número equivalente como incorreta.

Os professores que consideraram correta a postura do professor alegaram que ele agiu com bom senso ao dispensar a aluna, pois reconhecia o processo de avaliação como contínuo, a possibilidade de avaliar em outro dia ou de utilizar outros instrumentos avaliativos.

Mesmo considerando correta a postura do professor, P16 afirmou que não agiria dessa forma, a não ser que as regras estabelecidas no início do ano permitissem uma atitude desse tipo. No entanto, esse professor não se referiu à construção coletiva das regras em nenhum outro momento da coleta de dados.

Seis professores consideraram incorreta a postura do professor, pois acreditavam que a aluna deveria estar presente no torneio fazendo súmulas e/ou torcendo; que a religião não deveria interferir no andamento escolar, uma vez que não há leis que dispensem as alunas das atividades; e que a dispensa seria uma forma de discriminação pelo professor.

O professor ao considerar a dispensa da aluna como forma de discriminação pelo professor deve ter sido guiado pela idéia de que a ausência da aluna na equipe seria pela não escolha dela em função de sua religião.

Na minha opinião eu acho que ele agiu, porque ele está sendo inclusive preconceituoso. Não pode, ele tem que levar a criança a participar, ela tem que fazer as atividades como as outras, não é porque ela é de uma ... outra religião ... é como fazer um garoto negro não participar de um time porque ele é negro e no time só tem branco, ou no time que todo mundo não usa óculos tem um que usa óculos, não pode ser por ai (P11).

Os outros dois professores acreditavam que o envolvimento da família na rotina escolar poderia facilitar o envolvimento da aluna nas atividades propostas aos sábados, pois eles teriam conhecimento de que seus filhos teriam a obrigação de participar de todas as atividades do plano de ensino. Nesse sentido, os pais não são vistos, por esses professores, como parceiros no processo de construção da escola, mas como pessoas a serem convencidas.

Apesar de ser rara a ocorrência de dias letivos aos sábados, eles podem ocorrer. Se aulas de Educação Física forem inseridas nesses dias, então os alunos de religiões que colocam empecilho quanto ao dia ou as atividades da Educação Física poderão usar do seu direito de falta (...) de acordo com a consciência do faltante, sob sua responsabilidade e dentro do mínimo indiretamente facultado pela Lei (São Paulo, 1985a, p. 250). Diante desses fatos, a realização da avaliação do aluno dependeria do bom senso e compreensão do professor, uma vez que não há amparo legal ao aluno.

A postura do professor foi incorreta para P26 pelo fato de um torneio valer nota, já que para ele esse não era o objetivo da Educação Física Escolar.

(...) eu estranharia um torneio valer nota, pra início, eu jamais atuaria nessa linha. Eu acho que o objetivo do torneio ou campeonato dentro de uma escola pública ele tem o caráter, vamos dizer assim, de formação, de reforço de amizades, né? Confraternização, enfim despertar aquele senso de trabalho em grupo, de união de grupo e não só entre os colegas da mesma equipe, da classe com os outros colegas, as outras classes, né? Então eu não concordaria não com essa posição. Eu acho que essa atitude não é correta (P26).

A fala de P26 aponta para uma outra questão que passou despercebida pelos outros 26 participantes entrevistados: o uso de torneio como instrumento de avaliação. O que será que um professor avalia durante uma partida esportiva? Mas por que não avaliar os objetivos da área durante um jogo esportivo?

O não-comentário por nenhum outro professor quanto ao jogo como instrumento de avaliação, talvez possa ser um dos “segredos” da profissão, que não podiam ser compartilhados.

Com exceção da tolerância do professor em permitir que “Isabel” permanecesse afastada das atividades e dos colegas, os demais aspectos apresentados no episódio não podem ser considerados privilégios dados à aluna, pois denotam respeito à crença religiosa.

A escola deve se adaptar às diferenças, garantindo que elas sejam reconhecidas, respeitadas, valorizadas e empregadas educacionalmente como riqueza de uma sociedade.

Concluindo, a opção religiosa não era motivo de problemas para a prática da Educação Física, a não ser pelas limitações impostas às meninas quanto ao uso de um uniforme e o envolvimento em algumas atividades, por exemplo, competições. Com a presença dessas alunas, os professores passaram a conceber a participação de diferentes modos: estar presente, fazer qualquer atividade (teórica e/ou prática) e participar normalmente das atividades; gerando a necessidade de adotar outros critérios de avaliação. Apesar dos critérios diferenciados, essas alunas não tinham as mesmas possibilidades de sucesso que os demais alunos, segundo 37,5% dos professores, por uma questão de “justiça”. Alguns professores alteraram suas exigências quanto ao uso de uniforme por essas alunas (não exigir, permitir uso de saia ou saia com shorts), no entanto, a maioria deles disse contar com

todas uniformizadas, fato conseguido após conversas com a aluna, os pais e os pastores. As conversas com esses sujeitos também foram empregadas para convencê-los sobre a necessidade de participação nas atividades da disciplina. Os poucos comentários em relação às meninas de religiões diferentes entre os alunos ocorriam em função dos conceitos atribuídos e de incidentes ocasionados pelo uso da saia. Diante dos comentários, os professores intervinham ou não. As intervenções eram conversas imediatas com os alunos e/ou o fato era transformado em conteúdo escolar.

A temática das turmas mistas surgida neste episódio expõe os estereótipos e preconceitos de professores em relação às meninas (falta de habilidade, falta de interesse, uso de religião como desculpa), com a atribuição de “culpa” pelas possíveis inadequações ocorridas nas aulas. Como também demonstra o descontentamento dos professores com as imposições legais sem qualquer preparo pedagógico.

3.3. Relatos dos professores sobre os enfrentamentos diante das situações envolvendo diferenças de gênero e características físicas

Episódio A turma

Suponha que você está na quadra, fazendo a chamada quando observa a turma agitada na quadra. Pequenos subgrupos estão formados por afinidade. As meninas se mantêm um pouco afastadas, enquanto os meninos, em maior número, estão com as poucas bolas disponíveis.

Comentários são feitos em torno das habilidades de cada “atleta”, tais como:

O Fernando é um tampinha. Menor que ele só anão de circo.

As meninas não sabem correr e gritam demais. Tomara que o professor dê outra atividade para elas.

É isso aí, vamos falar pra ele que se for pra jogar contra as meninas, ninguém joga.

Mas, além das mulheres têm o Maurício e o Sérgio que mais parecem dois barris. Não dá pra jogar com gente gorda nem com baixinho.

Os comentários se multiplicam e o tumulto se forma.

Todos os professores tinham se deparado com situações de preconceitos e de discriminações entre os alunos envolvendo gênero e diferenças físicas (altura, peso e habilidades) durante a experiência profissional. Desse modo, as formas de enfrentamento deles estarão expostas nos dois próximos itens.