• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2. A PESQUISA E SEUS PARTICIPANTES

2.4. Os professores e o contexto escolar

2.4.2. As condições de trabalho

Perrenoud (1993) relata duas zonas na cultura organizacional das escolas: de invisibilidade e de visibilidade, que interferem na prática docente.

- Na zona de invisibilidade estão as bases conceituais e os pressupostos invisíveis, como valores, crenças e ideologias, os quais dão suporte às práticas desenvolvidas na escola.

- Na zona de visibilidade estão as manifestações verbais e conceptuais, visuais e simbólicas, além das comportamentais, É nela que geralmente se revelam as contradições e ambigüidades entre o declarado e o efetivo. Nessa zona de visibilidade geralmente há ênfase em três grandes áreas: estrutura física, administrativa e social (relação entre alunos, pais e professores, professores e funcionários etc.), que se articulam e acabam por influenciar o trabalho docente e serem influenciadas por ele.

Nóvoa (1992) também retrata vários aspectos que interferem na atuação docente, entre eles aponta o ambiente da escola.

Conhecer as características culturais, sociais e econômicas do bairro, da escola, dos professores, do corpo administrativo e dos alunos faz parte do conjunto de conhecimentos fundamentais para o exercício da docência - o conhecimento do contexto (Garcia, 1999). Desse modo, questionou-se os professores sobre tais informações.

As aulas ocorriam de uma a três vezes por semana dependendo da escola, duravam entre 40 e 50 minutos, eram compostas, em média, por 35 alunos de ambos os sexos e somente um professor era responsável por elas. Em nenhuma das escolas elas eram oferecidas no ensino noturno.

a. Local das aulas

Na maioria das 20 escolas em que atuavam os professores havia ao menos uma quadra poliesportiva e em duas delas não havia qualquer espaço para a prática de atividades físicas. Essas condições fizeram com que um

número equivalente de professores considerasse os locais de atuação como adequados e inadequados.

Os motivos apresentados para a adequação do local foram: ter mais de um espaço, ser amplo, ter dimensões oficiais e ter sombra.

Para a inadequação foram: não haver espaço para a Educação Física ou ser insuficiente, principalmente por ter que dividi-lo com outros professores; por haver muitos alunos; serem turmas mistas; não ter estrutura adequada para os dias de chuva ou de sol intenso e para realização de outras atividades, tais como ginástica, atletismo; haver muitas escadas dificultando o acesso de alunos com deficiência física e visual; por estar a quadra localizada na parte central da escola, haver muitos vidros ao redor, ter piso inadequado, não ter alambrado, não ter as dimensões oficiais.

A maioria dos professores afirmou atuar com um ou mais professores simultaneamente no mesmo espaço. Nessas situações eles empregavam as seguintes estratégias: cada professor utilizava um local; escala em função do dia da semana; quando as turmas eram de faixas etárias equivalentes jogos de uma turma contra a outra eram realizados, ou ainda se uniam e dividiam o time sem considerar a turma à qual pertenciam; planejavam antecipadamente os conteúdos a serem dados, combinando quando dariam teoria e prática.

b. Material pedagógico

Dos 35 professores, 37% declararam que os materiais pedagógicos eram inadequados (em quantidade, qualidade e variedade insuficientes). As justificativas foram a falta de empenho ou a utilização de verbas em outras áreas pela direção, descaso por parte do governo estadual e grande número de professores utilizando o mesmo material.

Os outros 63% dos professores consideraram os materiais adequados (suficientes, variados, de qualidade e adequados para a idade). A aquisição dos mesmos ocorria com recursos próprios dos professores, investimento da Prefeitura, empenho da APM e da direção, (...) A Direção da escola acompanha o trabalho realizado pelos professores e não deixa faltar material (P2, relato verbal).

A partir da LDB no. 9394/96 as aulas de Educação Física do período diurno, no estado de São Paulo, passaram a ser ministradas no mesmo período das demais aulas da grade curricular. No ensino noturno, ela passou a ser facultativa, prerrogativa que fez com que a maioria das escolas abolisse tais aulas.

Os horários das aulas foram considerados problemáticos por 49,1% dos 35 professores.

Mas com relação a esse horário da aula que ela faz, isso é o maior crime ... que eu tenho que fazer e faço constantemente a questão de horário de aula. Então por exemplo, todo mundo sabe que o horário da manhã são os melhores horários pra fazer atividades físicas, a pessoa ah ... está com disposição, já dormiu, já levantou, tá lá pra fazer atividade, não tem o sol muito forte e tal, e com essa questão de introduzir o horário da Educação Física no horário normal das aulas, então eles acontecem, tipo assim, meio dia, né? (risos), meio dia e meio, uma hora que são horários completamente impróprios para atividade física. Então a pessoa almoça, acaba de almoçar já esta na escola e nem fez a digestão, né? Então é lógico, que uma pessoa dessa ai, ai é que está o grande problema do professor de Educação Física, porque a maioria das pessoas não entende a formação do professor de Educação Física o que acontece? Ah ... eles acham que o professor de Educação Física tem que dar aula de ginástica, porque sempre foi assim, né? ficar pulando lá na quadra, ficar fazendo flexão, né? Flexão de braço, né? Ou então dar 20 voltas na quadra, né? (...) Então o que acontece? Ele sabe que nesse horário não é pra se desenvolver uma atividade intensa, por isso que ele aprende fazer jogos e recreação, calmantes, aqueles, né?(...) Porque é uma atividade de esforço, num horário impróprio, tá? Então, o, a ... ai vai do professor saber usar uma atividade que não seja, né? (P35). As principais queixas foram:

- local impróprio das aulas: muito sol, vento, chuva; - horário regular, como as demais disciplinas;

- pouco tempo de aula quando se têm alunos com necessidades educativas especiais e é necessário desenvolver atividades visando ao desenvolvimento fisiológico;

- impossibilidade de conversar com os pais e os pares; - falta de tempo e de espaço para a higiene51 dos alunos;

- transtornos para os demais professores, pela movimentação dos alunos pela escola;

51 Considerando que as aulas ocorriam no horário regular das demais disciplinas da grade curricular, a questão da

higiene se tornou um problema na escola, pois os professores de classe reclamavam da presença de alunos suados. Isso ocorria porque os alunos, geralmente, não traziam roupas para trocar após as aulas, não havia tempo e espaço para se lavarem.

- horários próximos ao do almoço e coincidente com outros professores de Educação Física;

- alunos sem opção de dispensa;

- prejuízo educacional e físico: alunos cansados, suados, irrequietos, com roupas inadequadas.

A justificativa verbal de que o horário não oferecia mais a opção de dispensa das aulas não é correta, pois a inclusão das aulas no horário regular não excluiu a aplicação da Resolução SE nº. 275/93 e da Lei no. 6202/72.

Para os outros 50,9% dos professores os horários eram adequados em função: de estarem em períodos em que o sol não era forte, a digestão já tinha sido feita, permitia higiene, eram convenientes para o professor, e por permitir a participação de todos os alunos, em especial daqueles que não teriam condições financeiras para voltar em período oposto.

A presença de organização escolar e de aspectos que suportem a prática docente (local, material e tempo de aula) são, segundo Sherill et al. (1994), fatores fundamentais para possibilitar a participação e a aprendizagem de todos os alunos.

d. Grupo de estudos

Pelas respostas dos professores não foi possível identificar a existência de grupos de estudos em cada escola, porque uma mesma escola foi avaliada por diferentes professores. Assim, de acordo com as concepções que

possuíam sobre grupo de estudos, eles indicavam a sua existência ou não. Segundo 51,9% dos 35 professores não existia grupo de estudos nas escolas em que atuavam e para 33,3% existia. Os demais professores não responderam à questão.

Nas escolas apontadas como não realizadora de grupos de estudos havia os Horários de Trabalho Pedagógico (HTP). As justificativas dadas pelos professores foram que esses momentos eram ‘perdidos’, pois ninguém

produzia, havia somente conversas paralelas ou eles existiam somente no papel.

Os 33,3% que citaram a existência de grupos de estudos se reportaram aos HTP, alegando que nesses encontros eram discutidas questões sobre o andamento escolar, a avaliação e o planejamento; assistiam à TV Escola ou a palestras proferidas pela coordenadora.

Quatro professores reportaram que não participavam de nenhum grupo de estudo ou do HTP, pois nesses horários ministravam aulas de treinamento ou eram dispensados para compensar as horas extras. Isso demonstra a falta de organização da escola ao propor turmas de treinamento num dos poucos momentos que os professores têm para o trabalho coletivo.

O mau gerenciamento dos HTP é lamentável, pois diante da

precariedade estrutural em que se encontram as escolas, a falta de discussões sobre políticas públicas, a pouca ou nenhuma possibilidade de acesso e

entre outros aspectos, esse seria um importante espaço para se trocar

experiências, ler e discutir textos, elaborar atividades conjuntamente, elaborar e discutir o projeto político e pedagógico da escola; discutir as políticas públicas e suas possíveis formas de aplicação etc. O pouco aproveitamento do momento das reuniões coletivas também foi encontrado por Rangel-Betti (1998).

e. Relação entre o professor de Educação Física e os demais sujeitos da escola

Quanto ao trabalho coletivo, 54,3% (19) dos 35 professores afirmaram trabalhar com os professores das demais disciplinas, 34,3% (12) disseram que não, 5,7% (2) não sabiam da existência de trabalhos desse tipo e os outros 5,7% (2) não responderam à questão.

Os professores que afirmaram trabalhar coletivamente, disseram atuar durante os HTP e/ou em determinados momentos e em determinadas escolas, dependendo do interesse dos professores. As formas de trabalho coletivo relatadas pelos professores foram:

1. juntamente com a área de Educação Artística na organização de um desfile;

2. juntamente com os professores de sala em várias atividades;

3. na troca de experiências e opiniões, assim como no trabalho integrado com a área de Ciências;

4. envolvimento com todos os outros professores na campanha da reciclagem para arrecadar fundos para compra de material esportivo e também para desenvolver o espírito de solidariedade entre os alunos.

Pelos relatos observa-se que o trabalho coletivo não existia. Ocorriam envolvimentos pontuais, seja pelo número de professores, seja por estarem restritos a organização de um evento.

Uma professora disse verbalmente que os professores trabalhavam coletivamente, pois a maioria dos professores era efetiva e os que não eram faziam a opção por trabalhar nessa escola.

Dos 34,3% dos professores que disseram não existir o trabalho coletivo na escola, alegaram a falta de planejamento com os demais professores de Educação Física; de iniciativa pessoal; de apoio na realização de atividades comemorativas; de entendimento da formação dos professores da área, acreditando que eles só serviam para dar ginástica; de participação dos professores em HTP; a existência de repulsa, ciúme e boicote dos demais professores para com a Educação Física.

As relações entre os professores e a direção, coordenação e/ou corpo administrativo foram consideradas insuficientes, como se não (...) falássemos a mesma língua. Diante das situações dilemas apresentadas, os professores expressaram o desejo de que a direção esclarecesse as regras da escola quanto ao uso de uniforme; apoiasse o professor diante de situações mais delicadas; orientasse os pais sobre a importância da Educação Física; organizasse os horários adequadamente; empenhasse esforços para a aquisição de materiais esportivos; respeitasse os professores, não os acusando pela falta de cuidado com o material; cobrasse o cumprimento do horário dos professores; controlasse os alunos que ficavam no pátio; permitisse o uso da sala de ginástica.

Somente 7,4% (2) dos 27 professores relataram durante a entrevista ter conhecimento do trabalho dos demais professores da área.

Se bem que nós temos aqui (...) algumas turmas aí que tem, principalmente no período da tarde, que a professora vem fazendo um trabalho paralelo, ela está conseguindo despertar a atenção dos alunos para o handebol e a aceitação está sendo relativamente boa

(P26).

A maioria (92,6%) dos 27 entrevistados alegou ser impossível o trabalho em conjunto com o colega, em função das condições organizacionais da escola ou do professor.

Porque todos os professores terem aula em várias escolas, é difícil comunicação entre um e outro da própria escola, né? É difícil encontrar para conversar, a gente se encontra às vezes, quando coincide horário, mas é muito rápido (P34).

Diante dessas poucas relações sociais no contexto educacional, percebe-se um trabalho solitário, o que implica, segundo Tardif et al. (1991), mais uma perda. Isso porque, nas relações entre os professores (não só os de Educação Física), a sua figura no contexto escolar torna-se a de formador dos próprios colegas de trabalho, na medida em que durante as relações com os pares explicitam os saberes produzidos pela experiência coletiva, partilhando 'macetes', modos de fazer. Essas relações também fazem com que o professor tome:

(...) consciência de seus próprios saberes de experiência, na medida

mesmos, seja para seus colegas. Nesse sentido, o docente é não apenas um agente da prática, mas também um formador (Tardif et al.,

1991, p. 228).

Além dessas limitações apontadas por Tardif et al. (1991), pode-se perceber no relato verbal de P9 outras implicações do trabalho não integrado:

Eu agora tô atravessando uma fase muito ruim (...), não, não tô legal, e eu não fiz, por exemplo, de, de descontentamento com a escola, de falta de reconhecimento, porque às vezes você se mata e não têm retorno, entendeu? Nem de direção, nem de alunos, nem de nada. Então, eu estou atravessando uma fase de baixo astral. Eu deixei de fazer o inter-classe, deixei de comemorar o dia do estudante e não teve ninguém na escola que fizesse o que eu faço aqui dentro, entendeu? Nem outros professores de Educação Física. Então eu, eu, eu não estou querendo confete não, mas é verdade. Não saiu inter-classe, não saiu comemoração nenhuma até agora, se eu não fizer, ninguém vai fazer, entendeu? Então eu fico triste com isso, porque muitas vezes você é boicotada lá em cima por outros professores, pela direção.

A ausência de relações com a equipe educacional, a falta de apoio da direção e da coordenação, de trabalho em clima de entendimento e cooperação, de reuniões sistemáticas são aspectos que dificultam a organização de uma educação para todos (Fullan, 1991, Sherill et al., 1994).

f. Outras situações do contexto educacional

Além das reclamações sobre as condições físicas, materiais e humanas, 34,3% (12) dos 35 professores apontaram como limitadores da prática docente: a falta de segurança, o numeroso e diversificado grupo de alunos, a falta de adaptações das escolas para receber pessoas com necessidades educativas especiais, a inexistência de exame médico e a postura do Conselho da Escola em diminuir o número de aulas.

Os professores consideraram o trabalho da DE como positivo, por oferecer orientações e ter um acervo de filmes que auxiliava na prática pedagógica. Já os aspectos negativos citados foram a falta de cursos direcionados aos problemas escolares, de orientação sobre a dispensa de alunos participantes de religiões que punham limitações à disciplina e sobre a cobrança do uso de uniforme, e de orientação sobre o trabalho pedagógico com alunos com necessidades educacionais especiais.

Em se comparando as condições de trabalho descritas pelos professores e as necessárias para a elaboração de uma escola para todos, pode-se dizer que muitas mudanças serão necessárias.