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CAPÍTULO 2. A PESQUISA E SEUS PARTICIPANTES

2.4. Os professores e o contexto escolar

2.4.3. Alunos

Segundo os professores, não existia qualquer documento escolar que caracterizasse os alunos e o seu universo cultural. No entanto, 7,4% (2) dos 27 entrevistados afirmaram solicitar aos alunos, no início do ano, uma descrição pessoal.

Ainda essa semana que comecei dar aula aqui (...) nos primeiros dias eu pego e falo: Vocês vão fazer uma redação pra mim com tudo o que vocês gostam, o que não gostam, o que vocês já jogaram, o que vocês não jogaram, e a menininha já escreveu (...) (relato verbal, P1). Os demais professores disseram obter informações sobre os alunos por meio de observações e diálogos.

(...) você tem que estar preparada, tem que ter um ... estar observando, é muita observação em cima dos alunos, muita conversa (...) tem que... procurar deixar ele à vontade pra eles falarem o que eles estão sentindo e ai você vai cada dia mais trabalhando em cima disso daí porque eles vão com certeza, dia-a-dia eles vão se soltando (relato verbal, P39).

Para 42,9% dos 35 professores os alunos do período da manhã eram mais calmos e interessados do que os do período da tarde. Com exceção de 25,7% (9) dos 35 professores que não explicitaram as características do aluno ideal, alegando que este era o aluno que ele tinha no momento da pesquisa, os demais apontaram características atitudinais e intelectuais.

A maioria das citações referia-se às características atitudinais dos alunos. O maior desejo dos professores era de que os alunos fossem interessados e participativos. Desejavam também: respeito pelos professores e colegas, disciplina e bom comportamento, responsabilidade, obediência, colaboração, assiduidade, amor à pátria, ‘aplicação‘ durante a aprendizagem, freqüência em clubes esportivos, uso do uniforme, ser aberto para novas experiências, equilibrados, com melhor auto-estima e dentro da normalidade.

Quanto às características intelectuais dos alunos, os professores desejavam que eles valorizassem a Educação Física e a escola, refletissem sobre os problemas do cotidiano e da vida escolar, fossem críticos para a reconstrução da escola, tivessem o interesse e prazer em aprender, aproveitassem melhor o momento da aula, valorizassem os conteúdos propostos por eles mesmos e pelo professor e reconhecessem a Educação Física como meio de aprendizagem cultural, de saúde e de lazer.

Essas descrições apresentadas para o aluno ideal estavam centradas na imagem do bom aluno veiculada na cultura escolar,

(...) em valores dominantes, em conceitos de competência e excelência que estão longe de representar as reais aquisições e aptidões dos alunos porque se baseiam primeiramente em qualificações arbitrárias sobre a sua pessoa, sua maneira de ser e se comunicar, em comportamentos e atitudes que a escola valoriza como ideais e não na aprendizagem significativa de conhecimentos aplicáveis em sua vida social (Magalhães e Tancredi, 2002, p. 33). Os professores justificaram o modelo de aluno desejado baseando-se no que o aluno “não tem” em relação à cultura dominante, na “falta de”, tal como no estudo de Canen (2001), quando analisou que as caracterizações das crianças de classes populares são feitas

(...) pela negação, pela qualificação, adicionando-se, ainda, estereótipos com relação a suas famílias, vistas como desestruturadas e desestruturantes, em que as relações caracterizam-se pela agressividade, pela violência e pela falta de higiene (p. 211).

Quanto à família dos alunos, os professores relataram haver pouco envolvimento dos pais, a ponto de considerá-los negligentes na educação dos filhos. O baixo poder aquisitivo familiar foi considerado uma limitação para o desenvolvimento dos alunos, já que isso impossibilitava a participação em clubes.

Tendo em vista a relevância do envolvimento parental na divisão de responsabilidades pelo sucesso acadêmico dos alunos e na construção de uma escola para todos, (...) mantendo-se a especificidade dos papéis de cada um dos sujeitos dessa interação (...), deveria haver (...) estudos e debates (...) nas escolas, sobre a importância de estabelecer interações com determinadas

características com a comunidade, interações essas que podem favorecer mudanças nas suas teorias pessoais (Reali e Tancredi, 2002, p. 76-77).

Os professores acreditavam que se os alunos fossem como o desejado, eles poderiam trabalhar individualmente, corrigir os erros, desenvolver melhor o trabalho, desenvolver a socialização e não a formação de atletas, elaborar aulas de modo a agradar todos. Com o aluno ideal, a escola passaria a se adequar ao aluno e não ele à escola, assim como o tornaria mais consciente de que as reformas educacionais, em especial a progressão continuada, causavam prejuízos à sua aprendizagem. Por serem essas práticas condicionadas à presença de alunos ideais, supõe-se que os professores não a realizavam; entretanto, todas elas são fundamentais para a organização de uma escola voltada para o sucesso dos alunos (Cardoso, 1996; Ainscow Muncey, 1989; Carvalho, 2000; Correia, 1999; Lynch, 1989; Garcia, 1999; Zeichner, 1992 e 1993).

Lourencetti (1999) relata que a indisciplina é um dos principais problemas apresentados pelos alunos; no entanto, os professores pesquisados afirmaram ser isso esporádico nas aulas de Educação Física. O maior problema era o desinteresse, o qual está, segundo Biscaia e Brás (2000), Guedes e Guedes (1997a) e a compilação feita por Rangel-Betti (1998)52, relacionado com o passar da idade dos alunos, com a atuação dos professores e com as condições físicas e materiais da escola.

Contra essa situação de desinteresse, os professores deveriam oferecer uma variedade maior de atividades; avaliar a forma como ministravam os conteúdos, como organizavam os horários e materiais, como solicitavam o envolvimento dos alunos; observar o respeito às individualidades; verificar o ‘sentido’ das atividades para os alunos; observar os tipos de apoio que os alunos requeriam e eram oferecidos etc. A análise desses aspectos poderia dar indicativos para se vencer o desinteresse dos alunos, como também proporcionar aos professores a possibilidade de desenvolver habilidades e competências para atuar numa educação multicultural (Auxter, Pyfer e Hueting, 2001).

Enquanto 25,9% dos 27 professores relataram o desinteresse dos alunos, outros 55,5% disseram ser eles interessados e motivados (...) eles

52Os estudos compilados por Rangel-Betti (1998) foram baseados em Caviglioni (1976), Brito (1990), Gambini (1995),

ficam próximos à quadra esperando ansiosos a vez de jogar (P37, relato verbal).