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Conhecimento dos professores sobre documentos e políticas

CAPÍTULO 2. A PESQUISA E SEUS PARTICIPANTES

3.2. Relatos dos professores sobre os enfrentamentos diante de alunos

3.4.1. Conhecimento dos professores sobre documentos e políticas

Considerando que esta pesquisa foi realizada após o lançamento do “Código da Não Discriminação em Educação” (1989), da Declaração de Salamanca (1994), da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB, 1996) e dos PCN (1997), tanto para o ensino fundamental como para o médio, e tendo em vista o contexto educacional paulista no momento da coleta de dados, no qual o processo de inclusão de PNEE estava sendo implementado nas escolas públicas estaduais, foram questionados os 35 professores sobre o conhecimento dessas políticas e documentos.

A LDB e os PCN foram citados por 68,6% dos professores. Os outros 31,4% disseram desconhecê-los, alegando que, a cada lançamento de documentos oficiais, a Educação Física ficava com mais atribuições e menos respaldo, tais como: a diminuição do número de aulas, ser facultativa no ensino noturno, a inclusão de alunos com deficiências, a inclusão das aulas no horário regular, a retirada do uniforme, a presença de turmas mistas etc.

Não perco muito tempo me informando a respeito das reformas da Educação. O que sinto é que a cada ano que passa sucateiam mais e mais a Educação Física, e o professor deixa de cumprir o seu papel para desempenhar outras funções dentro da escola. Nessa escola por muitas vezes sou pai, mãe, amigo, inspetor de aluno, servente etc., etc., etc. (relato verbal, P9).

Mizukami (1999) retrata como problemas para a implementação das políticas públicas o acesso e a discussão dos documentos a ela vinculados. Assim como os professores pesquisados pela autora, os participantes desta pesquisa não tinham recebido o conjunto dos PCN prometido pelo governo, assim como poucos tinham lido. As poucas discussões feitas foram relativas aos Temas Transversais durante as Orientações Técnicas (OT)72.

Dos 68,6% dos 35 professores que disseram conhecer os documentos oficiais (L.D.B. e PCN):

- 71,4% os consideravam inadequados à realidade.

Segundo os relatos orais, os motivos para a inadequação desses documentos eram: serem feitos sem consultas aos professores (...) quem faz as reformas nunca teve conhecimento da prática (P25); não estar o Governo

72 OT são encontros com todos os professores de uma área, promovidos pela Diretoria de Ensino e organizados pelos Assistentes Técnicos Pedagógicos (ATP). Os encontros na área de Educação Física consistiam em palestras, cursos, vivências, estudos de texto, organização de jogos estaduais etc.

interessado na educação, pois a intenção era ‘acabar’ com o ensino, quanto menor a cultura, menor inteligência e mais fácil a dominação/engodo do povo; haver mudança da linha pedagógica freqüentemente; tornarem os alunos passivos em função da progressão continuada e da não reprovação; e não incentivarem a participação em cursos de longa duração.

(...) agora eu volto a repetir as altas esferas são as responsáveis, são as responsáveis pelo que está acontecendo (...) porque quem emitiu ordem lá em cima não quer saber o que se passa (...) (relato verbal,

P37).

- 7,6% afirmaram que apesar da existência dos documentos oficiais, as decisões ficam (...) a caráter do professor. A política coloca no papel, cabe aos educadores desenvolver, criar (relato verbal, P16).

- 21% deles acreditavam que as políticas públicas contribuíam para a prática docente. (...) Os PCN vieram para ajudar o professor a trabalhar com maior visão dos objetivos a serem alcançados (relato verbal, P2).

Os PCN foram importantes para a Educação Física, pois a reafirmaram como “área de conhecimento” integrante da base comum nacional do ensino fundamental e médio e expressaram a necessidade de a educação estar voltada para as necessidades dos indivíduos, de modo que pudessem ampliar seus conhecimentos de modo crítico e emancipatório, assegurando-lhes o direito de participação, sem exclusão por nenhum motivo. Mesmo considerando as ponderações feitas por Mendes (1999), Silveira (1999) e Maranhão (2000), pode-se dizer que os PCN vão ao encontro das perspectivas científicas mais recentes sobre a cultura corporal e o respeito às diferenças, respeito esse também exposto na LDB.

A maioria dos professores, mesmo considerando inadequados os documentos, especialmente os PCN, usou expressões ou jargões divulgados nesses documentos. O uso de expressões semelhantes às dos documentos pôde ser visto principalmente na descrição dos papéis da Educação Física, nas formas de avaliação e na descrição dos conteúdos.

Arce (2001) comenta que os próprios PCN previam a ocorrência do uso de jargões quando disse que

(...) O trato inadequado dessa questão leva, algumas vezes, a mudanças no discurso dos educadores, com a incorporação de “chavões”, enquanto suas práticas permanecem inalteradas (...) Desta forma, é possível concluir que não é a adoção de um modismo teórico, tal como vem sendo feito com o construtivismo, que irá solucionar os problemas das relações ensino/aprendizagem na educação infantil (MEC, 1996, p. 42).

Talvez por serem documentos internacionais e não comuns no meio escolar público, nenhum dos 35 professores citou o “Código” ou a Declaração de Salamanca, que se referem à perspectiva de uma escola para todos.

Stefane (2001) analisando a opinião dos professores sobre o processo inclusivo identificou que 5,7% dos 35 professores desconheciam ou conheciam muito pouco essa proposta educacional para emitir uma opinião, todos os demais emitiram pareceres indicando conhecimento,

Entre os 94,3% dos professores que conheciam/tinham idéias sobre a proposta inclusiva, 88,6% eram favoráveis e 5,7% eram contra: "fora do contexto" (P21) e "deve separar os alunos” (P10). Um professor em particular não se posicionou a respeito, somente disse que a proposta era (...) mais um jogo do governo, pois a 4024/71 já pregava isso (relato verbal, P36).

Os 88,6% dos professores favoráveis ao processo inclusivo tinham algumas reservas quanto à qualidade do atendimento educacional e das condições de trabalho (cursos preparatórios, organização do ambiente escolar, incentivo governamental, etc.).

Os professores que eram contrários ao processo inclusivo acreditavam que ele deveria ocorrer somente depois da qualificação dos profissionais e das adaptações estruturais e pedagógicas nas escolas.

Apesar de desconhecerem as publicações sobre o processo educacional visando à inclusão e sucesso de todos os alunos, observa-se que os professores apontaram alguns aspectos que vão ao encontro da literatura apresentada anteriormente sobre a escola para todos.

De modo geral, os professores estavam distanciados dos documentos e políticas públicas. O distanciamento dos professores dos documentos e estes da realidade escolar pode ocorrer pelo fato de as idéias e trabalhos científicos que poderiam contribuir para a prática docente voltada às diferenças não afetarem os líderes políticos e educacionais responsáveis pelas decisões públicas (Kincheloe apud Scherer, 2000).

Outro aspecto para o distanciamento das políticas públicas pode ser o fato de (...) além de não responderem à complexidade e à urgência da situação, contribuem para reforçar as tendências mais negativas em direção à desprofissionalização e à exclusão do magistério (Torres apud Mizukami et al., 2002, grifo das autoras, p. 35).

O modo como os professores são vistos e como se posicionam diante das políticas públicas, como elementos que devem cumprir regulamentos e realizar tarefas administrativas não se preocupando em aprofundar discussões sobre as

questões políticas e pedagógicas mais amplas, faz com que eles não percebam a sua relevância na construção e na elaboração desses documentos.

Talvez pelos motivos acima descritos, associados às condições de trabalho (o pouco tempo, a falta de organização dos HTP, a baixa remuneração recebida etc.), ao tipo de envolvimento político e social, à fase de desenvolvimento profissional, à formação inicial e continuada, os professores desta pesquisa estivessem distanciados dos documentos oficiais.

O envolvimento dos professores em movimentos sociais, de representação pública e o acesso aos conhecimentos produzidos pela academia e pelas políticas públicas poderão trazer contribuições para o desenvolvimento pessoal e profissional dos mesmos, e conseqüentemente para a área e para a educação. Pois o professor com isso (...) poderá descobrir, selecionar e utilizar os novos conhecimentos, assim como compreender e interpretar integralmente os fatos e os fenômenos (Unesco apud Torres, 1994, p. 108).

O professor é, em última instância, o responsável pela concretização das propostas e políticas públicas educacionais e é preciso que haja seu envolvimento e comprometimento nessas questões, para que assim possa aderir ou contestá-las, resistir e criar alternativas; enfim, participar dos encaminhamentos da educação.

3.4.2. Formas de enfrentamento dos professores diante de situações envolvendo