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III. Razões genésicas da Obesidade e Sedentarismo

1. A domesticação de plantas e animais

Para vários autores, a transição da actividade do Homem de caçador- recolector para a actividade inerente à agricultura constitui a mudança mais profunda em toda a história da evolução humana (Larsen, 2006; Richerson e

Boyd, 2001), sendo mesmo apelidada por alguns de revolução neolítica76

(Cook, 2005, pp. 36-37; De Laet, 2000, p. 382).

Segundo Diamond (2002b), a base da agricultura incluiu a domesticação

das plantas e dos animais e remonta ao Próximo Oriente77, pertencente à

Euroásia, mais precisamente no Crescente Fértil78 e partes da China sendo as

gramíneas (cevada e trigo) e os herbívoros (os carneiros e o gado vacum) as

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Friedrich Engels foi um filósofo alemão, que juntamente com Karl Marx fundou o marxismo ou socialismo científico, tendo escrito vários livros de profunda análise social. Um dos livros mais importantes foi o “Manifesto do Partido Comunista” escrito em 1848.

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Inúmeros autores defendem que a história do homem começou com a escrita há cerca de 5000 anos contudo, Serres (2005) considera que ao considerarem tal, excluíram dela os povos privados de grafismo, que eram os mais numerosos do planeta (p. 244).

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Embora a palavra revolução sugira uma alteração repentina, a produção sistemática de alimentos decorreu ao longo de bastante tempo, como refere Sigfried Laet, entre muitos outros autores, sendo esta palavra utilizada para salientar a importância das consequências que esse acontecimento teve para o homem (De Laet, 2000, p. 382).

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O Próximo Oriente engloba os actuais Irão, Iraque, Turquia, Síria, Líbano e Israel, juntamente com os países que constituem a Península Arábica. Segundo Cook (2005, p. 36), é no Próximo Oriente, caracterizado por um clima temperado, que a domesticação do capim se dá com sucesso, ao contrário do que acontece nos trópicos, onde o subdesenvolvimento ainda hoje é aí mais predominante.

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O Crescente Fértil é considerado o arco de terra cultivável que se estende da Palestina, a oeste, até à baixa Mesopotâmia, a leste. (Cook, 2005, p. 37).

espécies mais antigas domesticadas. Contudo, apesar de estas zonas serem apontadas como o berço da agricultura, a produção de alimento ocorreu

independentemente em várias partes do mundo79 (Diamond, 2002b; Harlan,

2000), o que sugere terem existido vários centros de origem.

Na perspectiva de Barrau (1989, p. 240), a passagem da apropriação de recursos espontâneos à produção de recursos domesticados foi a etapa mais decisiva na história das sociedades humanas. Os hominídeos desenvolviam a sua vida baseada na caça e recolecção de alimentos, sendo provável que procedessem ao cultivo de determinadas plantas, uma vez que evolutivamente, esta actividade é considerada precedente da domesticação, tendo constituído uma pressão selectiva que levou à emergência desta última (Haaland, 1995; Haussmann, 1989, pp. 82-90). Harlan (2000) refere ainda que a domesticação das plantas terá iniciado com base no conhecimento que estas sociedades detinham sobre o ciclo das plantas e não o resultado de uma «ideia» ou «invenção» (pp. 294-296).

Por domesticação, Diamond (2002a) refere-se à capacidade de “criar plantas e, nesse processo, consciente ou inconscientemente, fazer com que varie geneticamente dos seus predecessores selvagens de forma a torná-la mais útil para os consumidores humanos” (p. 122). Haaland (1995) aponta também a domesticação como um processo biológico, mas salienta a importância de se fazer a distinção do cultivo, actividade que está ligada a um processo socioeconómico relacionado com as actividades humanas, enquanto a domesticação, separada mas interdependente do cultivo, é um processo relacionado com alterações morfológicas e estruturais de plantas.

Já na expressão “domesticação de animais”, Bökönyi (2000, p. 407) engloba os indivíduos de espécies com determinadas características que são capturados e amansados, retirados do seu habitat natural e da comunidade de crescimento, mantidos em cativeiro e criados sobre o controlo humano e para seu benefício, embora lhe seja dado alimento e protecção.

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Através da domesticação de plantas e animais80, o Homem começou a explorar a natureza, modificando e dominando os ecossistemas durante

milhares de anos81 e garantindo, em termos de recursos necessários à própria

subsistência, melhor disponibilidade e acessibilidade, ao mesmo tempo que transformava as plantas e animais de forma a torná-los mais adaptados e vantajosos para a sua utilização (Barrau, 1989, p. 240; Haberle e Lusty, 2000).

Barrau (1989) defende, no entanto, que numerosas plantas

domesticadas na região malaio-oceânica82 desde os primórdios dessa

actividade, tinham uma utilização polivalente e eram carregadas de um significado simbólico, mágico e religioso, como é o caso da cardilina (Cordiline

Fruticosa) que era não só uma planta usada como alimento, como também

“símbolo da continuidade da descendência humana, marco miliar vivo, fonte de

medicação mágica”83 (p. 246). Harlan (2000, pp. 294-296) reforça esta ideia

baseando-se em inúmeros registos etnográficos de sociedades

contemporâneas de caçadores-recolectores de zonas distantes como o Norte da América e o continente australiano. O autor defende que estas comunidades teriam um grande conhecimento de botânica que lhes teria permitido não só o cultivo de plantas selvagens para a alimentação, mas também proceder à desintoxicação de plantas venenosas para serem utilizadas como alimento, venenos letais ou drogas curativas.

Apesar disso, sem contestar a importância da domesticação com finalidades rituais, curativas e religiosas, foi com a produção de alimentos que a domesticação teve verdadeiramente um efeito revolucionário (Barrau, 1989, p. 253).

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Os autores referem também a utilização do fogo como um dos primeiros factores de exploração da natureza (Haberle e Lusty, 2000).

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Os ecologistas históricos alegam ainda que os ecossistemas foram não só modificados pelos humanos durante milhares de anos, mas também os processos naturais têm um papel fundamental na alteração das sociedades humanas no mesmo período de tempo (Haberle e Lusty, 2000). Este tema é abordado no item Holocénico.

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A região malaio-oceânica é actualmente constituída por um numeroso grupo de ilhas situado entre o continente do Sudoeste Asiático e a Austrália. Localizadas entre os oceanos Índico e Pacífico, as ilhas dividem-se pelos territórios da Indonésia, Filipinas, Singapura, Brunei, Malásia, Timor-Leste e a maior parte da Papua-Nova Guiné.

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Baseado em pesquisas arqueológicas recentes, o mesmo autor salienta que os vegetais que fornecem as drogas que entram na composição do tabaco de mascar foram, provavelmente, os primeiros a ser domesticados (Barrau, 1989, p. 246).