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III. Razões genésicas da Obesidade e Sedentarismo

3. Evolução da Agricultura

Nota prévia - Evolução do Homem

A origem da Humanidade, mais propriamente, o aparecimento do

Género Homo67, está reportada para a África Oriental68 no Terciário Superior,

num meio da savana69 arborizada. Achados arqueológicos localizam o

surgimento do seres humanos anatomicamente semelhantes aos de hoje há cerca de 200 000 a 150 000 anos (Santos, 2007, p. 158), contudo o início da

por isso uma incidência de 70% de diabetes tipo II, com repercussões a nível de morbilidade e mortalidade.

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O Homem actual pertence ao Reino animal, Filo dos Cordados, Classe dos Mamíferos, Ordem dos Primatas, Superfamília Hominóidea, Género Homo, Espécie Homo sapiens e Subespécie Homo sapiens

sapiens (Mendes, 1985, p. 23).

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A África tem sido indicada como o local de origem não só dos seres humanos modernos mas também de toda linhagem hominídea. A explicação para tal prende-se com o facto de a maior parte da África se encontrar nas faixas tropicais, locais onde o input de energia solar é maior, o que contribui para que estas tenham a maior densidade de espécies de todo o planeta (Cook, 2005, pp. 28-29).

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Savana, do índio caraíba “sabena”, designa uma formação vegetal tropical quase sempre fechada, constituída essencialmente por ervas duras e altas, entre as quais dominam as Gramíneas com rizoma (Damangeot, 2000, p. 297).

evolução mais significativa do Género Homo encontra-se reportada ao

Plistocénico Superior70.

Segundo Haberle e Lusty (2000), alguns investigadores especularam sobre o facto do arrefecimento global do Plistocénico Superior e o consequente período de seca em África ter sido a força motriz por detrás dessa evolução. À medida que o clima se tornava mais seco, a vegetação tornou-se mais aberta, dura e abrasiva, o que teria levado os hominídeos a tornarem-se mais móveis e com uma dieta mais omnívora, obtendo a sua fonte de alimento através da recolecção e da caça. Assim, o cenário mais provável para a passagem dos hominídeos das árvores para o chão e a aquisição do bipedismo teria resultado da necessidade de procurarem alimento ou das condições impostas pelo próprio ambiente (Coppens e Geraads, 2000b, p. 28; Rodman e McHenry, 1980). Contudo, outros autores apontam diferentes hipóteses, atribuindo ao bipedismo uma forma mais eficiente de locomoção (Raichlen et al., 2010), o que traria vantagens nas longas deslocações impostas por uma actividade

recolectora71, para além de libertar os membros superiores para alcançar

alimento nos arbustos (Rodman e McHenry, 1980).

Para além da hipótese da alteração do ambiente terrestre como factor que terá favorecido a importante etapa para o Género Homo, o bipedismo, Lahr e Foley (1998) sugerem terem existido condicionalismos biogeográficos na evolução dos hominídeos que condicionaram trajectórias diferentes nas populações africanas e europeias. Segundo estes autores, enquanto as mudanças climáticas dos períodos interglaciares são apontadas como um dos factores para a expansão dos hominídeos do continente africano para a Euroásia, nos hominídeos europeus, terão sido as pressões impostas nos períodos de glaciação que favoreceram as características morfológicas mais propícias à sobrevivência nos habitats glaciares, levando a um processo selectivo.

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O Plistocénico é uma época geológica do Período Quaternário, tendo iniciado há 3 milhões de anos e terminado há 14 mil anos. Pode ser dividida em três períodos: o inferior (de -3 milhões a -900 000 anos), o médio (de -900 000 a -100 000 anos) e o superior (de -100 000 a -14 000 anos) (Gallien, 1999, p. 131). 71

Por outro lado, Ruff (2002) documenta que o tamanho corporal dos hominídeos do Plistocénico Superior que viviam em altas latitudes era maior do que os que habitavam em regiões de latitudes mais baixas, tendo sido uma adaptação morfológica para minimizar a perda de calor corporal em ambientes mais frios. Contudo, o tamanho do corpo dos hominídeos terá diminuído no

final do Plistocénico e início do Holocénico, entre outras razões72, devido a uma

adaptação climática face ao aumento da temperatura. O mesmo autor relata outros casos em que a variável ambiental poderá ter influenciado a forma corporal como modo de poupança energética, como é o caso evidenciado em populações humanas modernas que vivem em ambientes mais frios, em que o comprimento de membros é menor e o tronco é maior do que os que habitam em ambientes mais quentes.

Para além das alterações morfológicas que terão ocorrido ao longo da evolução do Homem, outras modificações foram potenciadas no decorrer do Plistocénico Superior. Nesta altura, dada a necessidade de procurar alimento que se encontrava disperso, os hominídeos eram seres nómadas que efectuavam grandes percursos para seguir a caça nas suas migrações sazonais ou para tirar o melhor partido dos recursos vegetais do território, pelo que a aglomeração populacional seria pouco frequente. Contudo, no Plistocénico Superior, os hominídeos foram-se desenvolvendo socialmente, formando grupos, e criaram sociedades num nível de organização inexistente noutros primatas e inteiramente único no Género Homo (De Laet, 2000, p. 388; Diamond, 2002b).

O aparecimento do Homo sapiens comportamentalmente moderno ou

Homo sapiens sapiens terá surgido há 55 000-80 000 anos, no final do

Plistocénico Superior. Diamond (2002b) sugere que somente o Homo sapiens

sapiens seria biológica e mentalmente capaz dos avanços tecnológicos e da

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Sobre este assunto, Ruff (2002) refere ainda existirem diversas razões, não mutuamente exclusivas, que têm sido propostas para a diminuição do tamanho corporal do homem, para além da adaptação climática. Entre elas, salientam-se os avanços tecnológicos que diminuíam a vantagem selectiva de ter um tamanho corporal maior (metabolicamente mais dispendioso para manter), a diminuição da variabilidade genética e mais comummente aceite, a diminuição na qualidade nutricional e aumento das doenças infecciosas que resultaram da transição de uma forma de vida de caçador-recolector para a de agricultor. Contudo, interessa salientar que a diminuição no tamanho corporal também ocorreu em várias áreas do mundo antes da adopção da produção de alimento ou mesmo em locais onde esta foi adoptada, em larga escala, mais recentemente.

recolha eficiente de plantas que resultaram na intensificação da caça, recolha e, por vezes, produção de alimentos. A descoberta da acção de cultivar plantas ocorreu bastante tempo antes pois, como refere Haussmann (1989), tal teria exigido uma maturação lenta da inteligência do Homem, dedicada até então exclusivamente à “defesa contra agressões e ao ataque a tudo o que pudesse oferecer a posse de alimentos e a protecção contra intempéries” (p. 85).

Vários factores terão contribuído na evolução para o Homo sapiens

sapiens. Segundo Richerson et al. (2001), no final do Plistocénico Superior,

houve um desenvolvimento na capacidade dos hominídeos para caçar, actividade que ao envolver um grande risco de vida só teria sucesso mediante determinada organização e cooperação no seio do grupo. De Laet (2000, p. 383) refere ainda que o facto de o hominídeo preferir caçar megafauna e animais que viviam em grupo sugere a colaboração de um número de caçadores para além do limite familiar, o que poderia indicar que, nesta altura, a unidade social básica se teria composto por várias famílias. Assim, a melhoria nas aptidões hominídeas teria permitido a intensificação da caça determinando a diminuição ou mesmo extermínio de mamíferos de grande porte e, consequentemente, pondo em risco essa fonte de subsistência (Richerson et al., 2001). Contudo, apesar de existirem evidências mais recentes de que o extermínio de determinados mamíferos ou aves foi um factor decisivo na transição de determinadas sociedades de caçadores-recolectores

para produtores alimentares73, Larsen (2006) considera esta explicação pouco

provável dado o acesso que os hominídeos tinham a outros animais e plantas que não se extinguiram nessa época.

Para além do desenvolvimento das capacidades para caçar em grupo, Diamond (2002b) sugere que os hominídeos foram desenvolvendo tecnologia que facilitou o sistema de recolha, processamento e armazenamento de plantas selvagens, o que aumentou a competição entre as sociedades hominídeas, beneficiando as munidas com tecnologia mais eficiente.

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Estes factores, juntamente com o aumento gradual da população humana que exigiu uma intensificação na procura de alimentos, favoreceram o desenvolvimento das capacidades do Homem. Como salienta Barrau (1989),

baseando-se nas afirmações de Engels74, “é precisamente a transformação da

natureza pelo Homem, e não apenas a natureza enquanto tal, o fundamento mais essencial e mais directo do pensamento humano, e a inteligência do Homem desenvolveu-se na medida em que ele aprendeu a transformar a natureza” (p. 257).

Apesar do aumento das capacidades do Homem no Plistocénico Superior, as evidências de amplas actividades humanas remontam apenas aos últimos 10 000 anos, facto que legitima esta data como o início da história do

Homem75 (Cook, 2005, p. 21; Petit et al., 1999).