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III. Razões genésicas da Obesidade e Sedentarismo

2. Agricultura e consequências para as sociedades humanas

2.5. Difusão da agricultura

Para Harlan (2000, pp. 403-404) o processo de domesticação podia ter iniciado em qualquer parte entre as latitudes de 45ºNorte e 45ºSul, contudo houve condicionalismos ecológicos que tornaram o processo selectivo. Assim, o processo de domesticação foi favorecido em regiões de bosques e savana, caracterizados por árvores ou herbáceas de vegetação média, mais fáceis de explorar do que as florestas chuvosas tropicais e pradarias de solos difíceis de trabalhar com utensílios primitivos, apesar de, como refere Diamond (2002b), não coincidirem com as zonas que actualmente são mais produtivas para a agricultura.

Diamond (2002b) sustenta ainda que a difusão da domesticação de plantas e animais, e mesmo de pessoas e tecnologias, terá ocorrido mais rapidamente ao longo do eixo este-oeste do que do eixo norte-sul do globo terrestre porque as áreas situadas na mesma latitude beneficiavam de características semelhantes (número de horas de luz do dia, sazonalidade e clima, habitats e doenças), requerendo menores alterações ou adaptações evolutivas das espécies domesticadas, das tecnologias e da cultura, situação que não existia em zonas com diferentes latitudes.

Ainda Diamond (2002b) refere que apesar do Homem manipular plantas e animais selvagens por longo tempo, o comportamento dos caçadores- recolectores alterou no final do Plistocénico Superior face a diversas razões como a diminuição da caça grossa, a crescente ocupação humana dos habitats disponíveis e a alteração imprevisível do clima. Diversos autores reforçam esta última ideia, salientando que somente a estabilidade climática do Holocénico terá permitido o desenvolvimento e difusão da agricultura de subsistência por uma grande fracção da superfície terrestre, situação limitada anteriormente

pelas condições ambientais altamente variáveis do período anterior (Haberle e Lusty, 2000; Richerson et al., 2001).

3. Holocénico

No âmbito da geologia, os últimos 10 000 anos correspondem a uma

Época designada por Holocénico98, período inusitadamente quente, no entanto

bastante típico do padrão dos últimos milhões de anos (Cook, 2005, p. 21; Petit et al., 1999). Sendo as variações de temperatura um dado comum no contexto da climatologia histórica, Demangeot (2000) salienta, no entanto, um aumento

da temperatura média na ordem dos 8 a 9º C99, particularmente nos últimos 12

000 anos (pp. 403-404).

Numa análise ainda mais abrangente que remonta ao último milhão de

anos correspondente ao Período Quaternário100, Jancovici (2002) refere que

houve uma sucessão de períodos de gelo, ditos glaciares, que duraram 100 000 anos, intercalados com períodos mais quentes, designados interglaciares, com duração de 10 a 20 000 anos, que resultaram de vários factores como as flutuações da órbita terrestre, da actividade solar e do vulcanismo, entre outros. O autor ressalta, contudo, que o factor preponderante do último milhão de anos foi a modificação cíclica de certos parâmetros astronómicos da Terra, provocados pela influência de outros planetas do sistema solar e que influenciam a quantidade total de energia recebida do Sol e a forma como esta se expande sobre a superfície do globo (pp. 29-30).

As alterações do clima terrestre, ou de zonas específicas do planeta, têm sido relacionadas com diferentes aspectos inerentes ao Homem que vão desde alterações evolutivas, morfológicas até comportamentais. Também o desenvolvimento cultural parece ter sido afectado por alterações abruptas do

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Época caracterizada por um clima relativamente quente, húmido, estável e rico em CO2 (Richerson et al., 2001).

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Este aumento de temperatura nem sempre foi progressivo. Ainda que hoje alguns autores advoguem que a temperatura do globo aumentou 0,6 ºC de 1850 a 1990 devido principalmente à poluição industrial, dados de uma amostra cilíndrica de gelo da Gronelândia revelaram que o pico de frio presente há 8000 anos terminou por um aquecimento brusco de 5ºC, ocorrido em meio século, sem que a tal facto possa

clima com consequências devastadoras nas populações humanas. Sobre populações mais recentes na história do Homem, os indícios arqueológicos sugerem que as mudanças climáticas tiveram na base do declínio da cultura

Maia (Mueller et al., 2010)101, do falhanço dos sistemas de agricultura nos

pântanos bolivianos de Tiahuanaco102 (Binford et al., 1997; Brenner et al.,

2001; deMenocal, 2001) e da descontinuidade da presença humana nas

florestas da Amazónia (Haberle e Lusty, 2000).

Contudo, para uma compreensão mais profunda sobre a evolução das sociedades humanas, urge olhar para a transição entre o Plistocénico Superior e o Holocénico, período onde ocorreram as grandes alterações na vida do Homem.

Em termos climáticos, o Plistocénico Superior caracterizou-se por uma

atmosfera com uma baixa quantidade de CO2, sendo o clima seco e

extremamente variável em curtos períodos de tempo (Diamond, 2002b). De forma diferente, o Holocénico, para além de extraordinariamente quente, apresentou e continua a apresentar uma estabilidade climática invulgar, que o torna um período excepcional, sem precedentes no que se refere aos últimos 100 000 anos (Petit et al., 1999; Rockstrom et al., 2009), a maior parte do período durante o qual os seres humanos modernos existiram (Cook, 2005, pp. 21-22). Segundo vários autores, esta característica única do clima acarretou profundas implicações na evolução e desenvolvimento das civilizações (Petit et al., 1999; Rockstrom et al., 2009).

Como refere Clark (2000), diversos achados arqueológicos apontam para a existência, a partir desta época, de um largo número de acampamentos de grande densidade, o que sugere um considerável aumento na população global, dos hábitos sedentários e da utilização das terras (p. 205), factos inexistentes no Plistocénico Superior. Esta mudança na forma de vida do Homem teria sido uma consequência da intensificação e produção de alimento,

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Dados litológicos (estudo de rochas que formam os solos), geoquímicos, magnéticos e palinológicos (estudo dos grãos de pólen) recentes demonstram que a reflorestação após o declínio da Civilização Maia, deveu-se não só ao alívio da pressão provocada pela intensificação da agricultura anteriormente existente, mas também devido a uma mudança de clima, caracterizado por um clima mais húmido (Mueller et al., 2010).

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Importante centro arqueológico pré-colombiano situados na Bolívia. Estudiosos classificam a civilização Tiahuanaco (300 a.C. - 1100 d.C.) (Binford et al., 1997) como a mais importante civilização precursora do Império Inca.

somente possível devido ao clima relativamente quente, húmido, estável e rico

em CO2, característico do Holocénico (Diamond, 2002b; Gupta, 2004;

Richerson e Boyd, 2001). Por tal, os mesmos autores associam o aparecimento da agricultura a este período.