• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III – Trabalho e fazer humano

3.5. Paradigmas do pós-fordismo

3.5.1. A economia da informação

A economia da informação é a nova máquina de captação das forças e dos signos produzidos pelos movimentos de desterritorialização dos processos produtivos e culturais. As velhas estratificações são desestruturadas e abrem-se para outros dispositivos coletivos de produção de subjetividades.

Contribuindo com o debate sobre o processo de “desmaterialização” da produção, Ivan da Costa Marques (1999) fornece elementos de análise sobre o que ele chama de “informacionalização” da economia. De acordo com o referido autor, esse processo não é recente, pois os portugueses já usavam uma série de recursos informacionais e imateriais para aumentar a precisão e eficácia nas expedições marítimas: mapas, roteiros, cálculos, tabelas, realizando planejamento e projeção (virtualização, trabalho de preparação do trabalho material) do percurso marítimo.

Foi intensificada a primeira das duas partes que compõem o trabalho de fazer uma viagem: 1) o trabalho de desmaterialização ou, como preferimos, de informacionalização da viagem, isto é, o trabalho de construção de mapas, roteiros, planos, tabelas e horários; e 2) o trabalho de materialização da viagem, isto é, entrar no navio e içar velas. Convenciona-se dizer que a primeira dessas partes se dá sobre a informação (software), e a segunda sobre a matéria (hardware).

(MARQUES; 1999:194)

Observa-se que tais procedimentos passaram a se efetivar em muitos outros processos produtivos: na construção de máquinas, na fabricação de outros produtos de uso pessoal, nas construções e na agricultura. Quando compramos um produto qualquer num centro comercial ou supermercado, pagamos o custo do material, o lucro, os impostos e o custo das informações que ele contém. Os produtos, hoje, são muito leves: requerem menos matéria-prima, de diferentes materiais, que vão reduzir custos (uma exigência da competição) e mais pesquisa e desenvolvimento, mais tecnologia. Portanto, a produção competitiva, vai demandar mais pesquisa, mais informações, mais trabalho prévio antes de produzir o produto.

Com muita pertinência, Marques lembra que, na agricultura, esse processo se intensificou enormemente. Hoje, antes de cultivar qualquer espécie de produto, que chegue ao mercado com valor competitivo e tenha aparência saudável e atraente aos olhos, deverá ser investido mais trabalho, fora da lavoura, na pesquisa, na informação. Um trabalho feito nos laboratórios, por pesquisadores urbanos (que nunca puseram os pés numa fazenda ou lavoura). Será necessário adequar as sementes (geneticamente tratadas) ao tipo de máquina que vai realizar a colheita, ou pesquisar e desenhar máquinas para colher produtos sem estragá-los ou, de alguma forma, provocar perdas de produtividade e de lucro. Tornam-se importantes desenhos, tabelas, roteiros, fertilizantes, seleção eletrônica, colheitadeiras, transporte, fórmulas químicas para produzir o mais trivial alimento que compramos no mercado.

Na seqüência, foi possível identificar nas formulações de Marques, algumas características da produção pós-fordista, tais como a redução dos custos na matéria- prima (2% a 3% do custo total de produção dos microeletrônicos, por exemplo), aumento dos custos informacionais (o trabalho informacional e cultural é mais caro) e maior rede social de cooperação e intensificação da interação: a troca de informações entre todos os que trabalham. As próprias ferramentas de trabalho, a partir dos anos 70, se desmaterializaram ou se informacionalizaram intensamente.

Destaca-se que, como conseqüência desse processo de informacionalização da economia, muito mais pessoas trabalham em escritórios, em operações informacionais. Por outro lado, Marques também analisa os efeitos do declínio do modelo fordista- taylorista:

Então, já a partir dos anos 70, com o esgotamento do fordismo-taylorismo como modelo organizacional nos países desenvolvidos, ficou também virtualmente superada a sua contrapartida: o operário tradicional (...) não tem empregabilidade. (...) Junto com a nova natureza, um novo humano será forjado. Esse é o resultado final. (...) É freqüente ouvir-se: “Este trabalho está condenado pela automação”, ou “um robô substitui 50 trabalhadores por 5”. (MARQUES; 1999: 207-208)

Apesar da constatação sobre a redução quantitativa da mão-de-obra assalariada na produção, o autor explica que seria verdade que um robô substitui 50 trabalhadores

por 5, se fossem mantidas as mesmas relações de produção anteriores ao processo tecnológico informacional. Em primeiro lugar, o robô “é um computador e a grande

vantagem da informática é justamente permitir a produção em massa de artefatos diferenciados” (Marques;1999:209) requeridos hoje pela demanda mais exigente. O

segundo aspecto abordado é muito pertinente: “ sai-se de uma organização industrial

que emprega ao todo 100 trabalhadores(as), 50 na fábrica e 50 no “escritório”, para uma outra organização industrial, mais flexível e supostamente mais produtiva de melhores produtos, que ao todo emprega 80 pessoas, 5 na fábrica e 75 no escritório”

(Marques;1999:211). No entanto, o próprio autor explica que existe de fato o desemprego tecnológico. Segundo ele, no Brasil, “das 45 pessoas dispensadas na

fábrica, 25 se deslocam para o escritório e 20 não tem mais lugar nem na fábrica e nem no escritório. Os empregos destas últimas deixaram definitivamente de existir e seus números são adicionados à conta do chamado desemprego tecnológico” (Marques;

1999: 211).

Na tentativa de explicar tais mudanças, Marques postula que a economia está transnacionalizada e o processo de desnacionalização do terceiro mundo retira a oferta de trabalho da base nacional e acrescenta nos países centrais, onde estão as matrizes das grandes empresas transnacionais. Ele fornece alguns índices ilustrativos sobre essa realidade: “ considerando-se o ano de 1996, para cada milhão de dólares de venda a

Alcatel empregou 9,64 pessoas na França e 3,44 no Brasil; a Kodac empregou 8,48 pessoas nos Estados Unidos e 3,91 no Brasil (...) ” (Marques; 1999: 212/213).

Dessa forma, pode-se concluir que a economia da informação rompe o tempo- medida e faz emergir o tempo-criação, o tempo-potência, cujas virtualidades não podem mais ser reguladas e captadas pelas divisões entre “tempo e trabalho” e “tempo de vida”. O trabalho, cada vez mais, vai coincidir com a vida e não poderá ser definido segundo as categorias da divisão fábrica/sociedade, trabalho manual/trabalho intelectual. Trabalho e vida não serão mais definidos pelo econômico e pelo biológico, mas por uma nova dimensão da atividade, que requalificará o fazer humano.