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CAPÍTULO II – Crise civilizatória

2.2. Crise das instituições sociais

2.2.1. Crise da representação sindical

O tradicional movimento sindical parece estar em declínio, não apenas porque seus quadros de associados estão reduzidos pela crescente desvinculação sindical provocada pelo desemprego, como também pela ineficácia das estratégias de luta contra o desemprego e manutenção das conquistas. Parece que o sindicalismo consegue, ainda, se mobilizar enquanto representação e luta, no setor público, em que se mantém o emprego, as carreiras e a estabilidade. Em geral, no mundo todo, de acordo com Cardoso (2002) o movimento operário e sindical está “desnorteado”23.

São recorrentes as afirmações dos analistas do atual ciclo capitalista, de que há uma crise na economia mundial. As receitas Keynesianas parecem incapazes de superar os diversos impasses provocados pelas crises financeiras: desvio do capital-dinheiro do investimento produtivo para as aplicações financeiras, endividamento do Terceiro Mundo, crescimento lento, ameaça permanente da inflação, perigos freqüentes de crash (quebra) nas principais Bolsas de Valores mundiais, etc.

Contribuindo para a compreensão da crise sindical, Adalberto Moreira Cardoso (2002) fez um estudo sobre o problema no Brasil e no mundo e sobre a relação dessa crise com a reestruturação industrial, o enfraquecimento dos estados-nação e de suas capacidades para assegurarem serviços sociais e bem-estar.

O enfraquecimento dos estados do bem-estar do tipo Keynesiano, pactuados com os sindicatos fortes, de modo geral, é resultado do processo da globalização da economia com suas políticas neoliberais: hegemonia do capital financeiro mundial, alterações tecnológicas, dentre outros fatores. Cardoso escreve:

Estagnação econômica, taxas crescentes de desemprego, profunda reestruturação industrial com destruição de milhões de postos de trabalho, privatização de serviços públicos e de empresas estatais, flexibilização do mercado de trabalho: estes são apenas aspectos salientes de um

23 Adalberto Moreira Cardoso, doutor em sociologia pela Universidade de São Paulo, Diretor de

investigação de IUPERJ-Brasil, autor do artigo intitulado Problemas de representação do sindicalismo

brasileiro. O que aconteceu com a filiação sindical? contido no Livro TOLEDO, Enrique de la Garza

movimento mais geral de desregulamentação das relações econômicas consolidadas no período de industrialização por substituição de importações, movimento de impactos decisivos sobre as bases de sustentação da ação sindical entre nós. (CARDOSO in TOLEDO; 2002: 2)

Com muita pertinência, o mencionado autor lembra que os índices de crescimento ou declínio de filiação sindical não são o único indicativo de crise ou de credibilidade dos sindicatos. Deve ser considerada também a capacidade de mobilização de iniciar e encerrar ações coletivas e de obter sucesso nessas ações. Ele pergunta: o que a filiação mede mesmo? Se considerarmos as diferentes realidades de cada país, esse indicador pode ser questionado, uma vez que há países em que a filiação é obrigatória; em uns, a filiação pode ser mantida ou realizada também com os desempregados e em outros, o desemprego desliga o trabalhador do sindicato.

No Brasil, por exemplo, os trabalhadores não necessitam filiar-se a sindicatos para terem acesso aos benefícios das negociações e acordos intermediados pela entidade. Muitas desfiliações crescem em setores novos (serviços) e com novos sujeitos (jovens e mulheres) e decrescem em outros setores, tais como no setor industrial ou bancário. Às vezes, a taxa de desfiliação é maior do que a do desemprego, em outros períodos cresce; isso vai depender do setor de produção e também das conquistas da categoria.

Objetivando uma melhor compreensão a respeito, Cardoso (2002) nos fornece alguns elementos que são indicativos de crise nos sindicatos. Ele revela que em 1996 o IBGE, na Pesquisa Mensal de Emprego de abril daquele ano, realizada em seis regiões metropolitanas, mostrou que

(...) dentre os trabalhadores com 18 anos ou mais que eram filiados em sindicatos ou associações profissionais, apenas 28% tinham participado de assembléias sindicais nos últimos 12 meses (a pergunta não foi feita aos não associados). Além disso, a sindicalização não ajudava a prever a participação em atividades políticas mais gerais: entre os filiados as taxas eram apenas ligeiramente superiores às dos não sindicalizados em questões como listas ou abaixo assinados, manifestações de protesto, reuniões de grupos locais ou mesmo greves. Nesse último

caso, 6,6% dos associados participaram de greves no ano anterior, contra 1,3% dos não associados. Ademais, nada mais do que 2,4% dos filiados apontaram os sindicatos como fonte de informação na decisão do voto. (...) enquanto o estranhamento em relação à política é majoritário, com quase 43% dos filiados afirmando não se sentir representados por qualquer das organizações mencionadas na pesquisa. (CARDOSO in TOLEDO;

2002: 11 e 12)

Quanto ao diagnóstico de que o sindicalismo brasileiro está em crise, Cardoso explica que se forem levados em conta apenas o número global de filiados e taxa de filiação, daria para afirmar que o sindicalismo brasileiro vai bem e isso é “desconcertante”, diz o autor, porque há um coro de analistas constatando crises financeiras, de adeptos, de participação, de projetos, etc., no sindicalismo brasileiro. Ele alerta que as estatísticas servem para jogos perigosos, pois números globais, sem um olhar sobre as diferentes situações, não são de grande validade. O autor chama atenção para algumas informações.

• Primeiro: ocorreram quedas muito acentuadas de filiados nos setores de agropecuária, extração vegetal e animal, nas instituições de crédito e seguros e na indústria metalúrgica. Em seguida, nas indústrias têxteis e de extração mineral (aproximadamente setenta mil desfiliações).

● Segundo: houve crescimento de filiados nos setores de ensino (400.000), de alojamento e médico (200.000 cada um) e administração pública24.

Como se vê, ocorreu um grande deslocamento de filiados da agricultura e indústria para os setores do terciário. Ao que tudo indica, a transição na filiação acompanha a transição recente de trabalho no Brasil, fruto da reforma econômica de corte neoliberal que redundou, dentre outras coisas, na destruição de mais de dois milhões de empregos na produção. (CARDOSO in TOLEDO; 2002:

27)

Tentando esclarecer, ainda mais, o tema, alguns dados merecem ser citados. A pesquisa do PNAD/IBGE, realizada em 158 setores da economia, no Brasil, de 1988 a 1998, revela a crise sindical decorrente do ajuste neoliberal em curso no país.

(...) em 1996 perderam-se 350 mil filiados na indústria em geral e 211 mil na de transformação, cifras que sobem a 506 mil e 414 mil em 1998, sempre em relação a 1988. Note-se que se está falando da perda de 1/5 do total de pouco mais de 2.100 mil filiados existentes na indústria de transformação 10 anos antes. São cifras astronômicas, que dão sentido à impressão geral de que os sindicatos industriais vivem momento de crise sem precedentes. Há mais, porém. Refiro-me à destruição de nada mais, nada menos, que 1.700.000 (um milhão e setecentos mil) dos poucos mais de 8 milhões de empregos com carteira assinada na indústria em geral existente em 1988.

(CARDOSO in TOLEDO; 2002: 35)

Partindo dos dados estatísticos oficiais, o autor analisa que, apesar da enorme taxa de perda de filiados, havia uma grande margem de crescimento que os sindicatos não conseguiram absorver. Em 1988 havia 5 milhões de trabalhadores ausentes de suas entidades, que poderiam ter sido absorvidos e não o foram, revelando a incapacidade dos sindicatos atraírem novos adeptos.

Considerando essas constatações, é pertinente afirmar que a crise sindical parece estar relacionada com o declínio do modelo de acumulação capitalista fordista/taylorista, ancorado na produção massiva de bens de consumo que absorvia milhares de trabalhadores que estavam inseridos na massa de consumidores, cujo Estado-Providência lhes prometia benefícios sociais e previdenciários. As alterações do processo produtivo de acumulação capitalista neoliberal trouxeram grande desemprego, refluxo nas lutas, perda de conquistas, flexibilização na legislação do trabalho e precarização do mesmo.

Por outro lado, Franco Berardi (2003) aponta as reações do operário-massa contra o trabalho subordinado, massificado e sem sentido, como fatores que também contribuíram para a crise do ciclo capitalista fordista-taylorista de produção. Ao explicar o movimento operário de 1977 na Itália ele escreve:

La aparición, en aquellos mismos años del valor político de la felicidad y de la autorrealización personal está ligada al rechazo de y a la imposibilidad de soportar el modo de producción industrial, que ya aparecía como maduro y decrépito em su perfección técnica y funcional. En esa situación, la individualidad rica y consciente, capaz, por fin, de liberación y autonomía productiva y cultural, se alejaba com rabia de la ideología sacrificial y de la ética del trabajo. El trabajo es denunciado como pura ejecución repetitiva y jerárquica, carente de inteligencia y de creatividad. (BERARDI; 2003:52)

Com o reconhecimento geral da crise, foi se desmantelando (mais na prática do que no discurso) o compromisso entre Capital e Trabalho, que fez parte do pacto fordista-taylorista. Pacto que garantia, de acordo com Bihr (1999), a “distribuição dos

ganhos de produtividade entre salários e lucros, crescimento dos salários reais, contratualização e legalização da relação salarial, garantias coletivas sobre a reprodução da força de trabalho, etc., bases da acumulação do capital.” (p. 79)

Constata-se que, com o advento das políticas neoliberais, fruto da reestruturação do processo de acumulação capitalista, o pacto, anteriormente mencionado, chegou a seu limite e tornou-se obstáculo, na ótica capitalista, para a continuidade do processo de acumulação. Isso passa a afetar diretamente as organizações sindicais, que se fortaleceram durante o período de sucesso do pacto fordista, como mediadores entre capital, trabalho e Estado. As estratégias de lutas sindicais funcionaram na lógica desse papel de mediadores e de representação.

Ainda em relação ao referido pacto, Bihr (1999) afirma que essa prática sindical, que se constituiu e consolidou na esteira do pacto fordista, sofreu um profundo abalo na sua credibilidade e entrou numa profunda crise porque “as organizações constitutivas

do modelo social-democrata do movimento operário tornaram-se cada vez mais inadaptadas, seja em suas práticas, seja em suas estruturas de representações.”

(BIHR; 1999:79)

Essas inadaptações mencionadas por Bihr, vão se manifestar em duas principais direções. Uma que vai insistir na defesa ferrenha dos benefícios e conquistas do antigo

compromisso capital-trabalho, omitindo ou negligenciando os novos interesses e necessidades dos trabalhadores, decorrentes da reestruturação capitalista, tais como a introdução de novas tecnologias e o trabalho instável. Essa opção vai favorecer aqueles que continuaram se beneficiando das conquistas e benefícios, por estarem ainda incluídos na relação salarial. Os outros, cujos benefícios foram reduzidos ou que perderam o vínculo contratual formal, já não são mais incluídos ou beneficiados pelas estratégias sindicais – que freqüentemente resultam em fracasso – porque a classe capitalista não deseja mais esse compromisso, alegando não poder arcar com seus custos.

Por outro lado, a outra estratégia sindical é negociar com os patrões um novo compromisso para garantir a relação salarial, aceitando a perda de antigas conquistas em troca de outros benefícios, tais como a redução do tempo de trabalho, a participação democrática na vida da empresa ou até mesmo a manutenção do emprego, mesmo em precárias condições. Muitas vezes, os trabalhadores acabam vendo seus representantes como cúmplices do capital, traindo as lutas em troca da manutenção de suas estruturas burocráticas, de seus cargos e de seus privilégios.

Nota-se que o número de pessoas, de todas as idades, excluídas do emprego formal e do vínculo sindical, é cada vez maior. A massa de trabalhadores instáveis é numerosa, sem qualquer garantia e sem nenhuma forma de organização e de estratégia de luta por dignidade no trabalho. Bihr afirma que “os desempregados de longa duração

são assim progressivamente encerrados em um verdadeiro gueto social e institucional.”

(1999, p. 86)

Para agravar ainda mais a crise sindical, constata-se que as novas formas de exploração e dominação do Capital em relação ao trabalho assumiram a lógica da tentativa crescente de emancipação do Capital em relação ao trabalhador, adotando estratégias que além de substituir, sempre que possível, pudesse dispersá-lo, enquanto classe. Nesse sentido, a grande fábrica não é eliminada, ela se torna difusa, ela se transforma. A produção passa a ser realizada por uma rede de centenas ou milhares de unidades menores, espalhadas em um vasto espaço social e coordenado por uma unidade que planeja e executa toda a rede, graças ao desenvolvimento da informática.

Esse processo dificulta ou inviabiliza a organização dos trabalhadores, também porque essa rede de pequenas unidades, muitas vezes, não possibilita que os trabalhadores tenham, com o capitalista, uma relação salarial formal, constituindo-se outras formas de trabalho: terceirizado, em domicílio, por encomenda e outras formas marginais de trabalho. Para essa realidade, a estrutura sindical tradicional inexiste. As palavras de Bihr elucidam de forma pertinente esse aspecto:

(...) a organização sindical não mais pode desempenhar seu papel tradicional de unificação do proletariado (de superação de sua divisão concorrencial e de sua segmentação), senão com uma condição: romper radicalmente com sua organização corporativa e profissional atual e retomar as relações com a inspiração do sindicalismo revolucionário, privilegiando as estruturas interprofissionais (a exemplo das antigas bolsas de trabalho) e estabelecendo a identidade política e cultural do proletariado em uma base desde logo mais ampla do que somente a empresa. (BIHR;1999: 102).

A situação fica ainda mais crítica porque a fluidez da organização da fábrica, além de requerer sistemas automatizados e computadorizados, mão-de-obra polivalente, bem formada, qualificada, requer ainda um afrouxamento das condições jurídicas que regem os contratos de trabalho. Flexibilidade e instabilidade nas relações trabalhistas são as palavras de ordem, fatores que facilitam, ainda mais, a fratura do proletariado e dificultam a organização para a luta. A estrutura sindical corporativista tradicional não dá conta dessas novas realidades.

Portanto, pode-se afirmar que crise da sociedade salarial trouxe crise aos sindicatos, mas também ao Estado, uma vez que este fazia parte do pacto fordista- taylorista. Funcionava como fiador do pacto, como controlador social e subsidiava o capital, através da infra-estrutura à produção e promessa de garantias sociais e previdenciárias para os trabalhadores. Entendemos ser pertinente abordar alguns aspectos da crise do Estado, relacionadas com a crise da relação salarial, que tem repercussões, de modo geral, em todas as instituições do aparelho estatal, que respondem pela coesão social, incluindo a escola e as abordagens feitas por ela, direta ou indiretamente, sobre as questões relativas ao mundo do trabalho.