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Todas as teorias sobre as mutações (e crises) que estão ocorrendo no mundo do trabalho – e que divergem sobre a centralidade ou não que o trabalho assume na produção de valores e de bens no mundo contemporâneo – concordam que passa a existir uma acentuada diminuição do tempo físico de trabalho, bem como significativa redução do trabalho manual, e uma tendência à ampliação crescente do trabalho com dimensão intelectual. Sobre isso, Lazzaratto & Negri (2001:7), lembram as pertinentes contribuições teóricas de André Gorz, ao afirmar que “atividades culturais relacionais,

artísticas, cognitivas, educativas e ambientais” são cada vez mais as bases sociais,

paralelas à economia de mercado, sobre as quais se poderia fundar as alternativas ao capital. Encontramos em outro autor, pesquisador da categoria trabalho, formulações significativas sobre a nova tendência do trabalho na sociedade pós-industrial:

A figura do trabalho imaterial pode assim ser compreendida como a expressão mais madura e mais avançada do modo de produção baseado na produção de informações e de linguagens. (...) a centralidade de um trabalho vivo cada vez mais intelectualizado. Isto é, a qualidade e a quantidade são organizados em torno de sua imaterialidade. (COCCO, 2000:108)

Tendo como premissa básica o fato de que o trabalho atual sofreu mutações profundas e que seu perfil adquire cada vez mais aspectos imateriais, que se confundem com as atividades da mente, linguagens, informações, comunicação e sentidos, podemos avançar no debate entre os autores e suas teorias que versam sobre a crise do trabalho.

Parece que um dos aspectos centrais sobre esta crise, é se o trabalho permanece aprisionado pela forma mercadoria e suas realizações. Contribuindo para o debate, Antunes (2002) deixa muito claro sua convicção de que o trabalho, mesmo dotado de maior significado intelectual imaterial, sempre será contido e aprisionado na materialidade da forma mercadoria. Por outro lado, Lazzaratto & Negri (2001:27) postulam que o trabalho, evoluindo para a hegemonia dos aspectos imateriais sobre a

base material, juntamente com a força de trabalho transformando-se, sempre mais, em “intelectualidade de massa”, tende a constituir, potencialmente, um sujeito social, politicamente hegemônico e autônomo, não subordinado à forma mercadoria – objetivação no produto – fruto do trabalho material.

Essa questão colocada por algumas correntes que discutem a crise e suas alternativas tem conseqüências decisivas para as atividades culturais, artísticas, cognitivas e educativas com as quais a escola se envolve e produz, pois seguramente constituem trabalho imaterial, cognitivo e comunicacional e então, ou estas atividades simplesmente continuam sendo consideradas ideológicas, como reflexos ou superestruturas das relações de produção de bens materiais, ou podem ser concebidas como atividades estruturais, constitutivas da divisão do trabalho e com condições de constituírem consciência de classe.

Todavia, uma primeira teoria48 defende que as mutações na organização da produção, a partir dos anos 70, não colocam em discussão a centralidade do trabalho industrial, isto é, a produção de riqueza é essencialmente transformação da natureza e o trabalho é a relação de um sujeito que produz um objeto material, a partir da transformação da natureza. Trabalho, portanto, é sempre produção de algo material. O foco central de análise está nos locais de produção, principalmente a indústria e a classe operária subordinada ao trabalho assalariado. Os que continuam defendendo essa teoria identificam o capitalismo com a produção industrial e a exploração apenas existindo na relação salarial, entre capital e classe operária. Com base nestes princípios, as atividades culturais, artísticas, cognitivas e educativas são consideradas criação de trabalho indiretamente produtivo ou simplesmente cultura.

Por outro lado, a segunda corrente49, assume plenamente que as mutações no modo de produção alteraram-se e colocaram em crise o “valor do trabalho”, pois, objetivamente, a produção capitalista emprega um volume crescente de riqueza e subjetivamente, para um número crescente de indivíduos, o trabalho cessa de ser o lugar da realização pessoal e princípio de coesão social. Portanto, o tempo liberado de trabalho e a revalorização das atividades culturais, relacionais, cognitivas e artísticas

48 Defendida por Ricardo Antunes e Sergio Lessa. 49 Defendida por autores como Habermas, Gorz e Rifkin.

tornam-se novos referenciais sobre os quais se poderia fundar alternativas não reguladas pelo mercado capitalista.

Entende-se que a partir das postulações dessa corrente, as relações sociais, comunicativas, cognitivas e o mundo vital, contrastando com o mundo formal – do trabalho na fábrica – poderiam não estar contaminadas pela relação econômica de exploração do sistema capitalista. O fundamento teórico é sustentado na crítica que Habermas faz à concepção marxista de trabalho, que, segundo ele, reduz a relação capitalista somente ao “trabalho instrumental” (o homem que transforma a natureza) e que, consequentemente, essa relação economicista não consentiria fundar a ética, a ação com os outros, a comunicação e a política. Por conseguinte, as razões do agir dos operários, enquanto homens, deveriam ser procuradas fora do trabalho, no sistema político.

Em vista dessas formulações, é pertinente observar que André Gorz e Jeremy Rifkin assumem corretamente o problema da subjetividade, da linguagem, das atividades cognitivas e relacionais, como terreno novo sobre o qual recolocam a análise das relações sociais. Talvez a grande dificuldade dessa teoria é assumir um dualismo, uma ruptura entre sistema e mundo vital, agir instrumental e agir comunicativo, liberdade e exploração.

Somando-se às formulações sobre a categoria em debate, ganha relevância uma terceira corrente50, que assume como fundamental que “o trabalho se transforma

integralmente em trabalho imaterial e a força de trabalho em intelectualidade de massa” (Lazzaratto & Negri; 2001:27). Os estudiosos que defendem essa corrente

afirmam que cada vez mais os processos de desenvolvimento das tecnologias, das ciências e das forças produtivas sociais, vão encontrar pontos de convergência, complexificando ainda mais as dinâmicas sociais, com implicações econômicas, culturais, políticas e sociais gerais e amplas. Uma gama de atividades deixa de ter, como centralidade de sua existência, tarefas de rotina. É tão importante esse processo de mutações que sua conseqüência mais visível é o deslocamento da dimensão quantitativa, ligada à indústria fabril e à revolução industrial clássica, para uma dimensão qualitativa,

dependente dos setores de pesquisa, desenvolvimento, inovação tecnológica e comunicação.

Analisando o conjunto de todas essas informações, pode-se concluir que essa tendência da produção absorver cada vez mais trabalho imaterial – semiologia, signos, pesquisa, conteúdos comunicativos e significados – é irreversível nos processos de produção de bens materiais, mercadorias e serviços na sociedade pós-fordista. É importante ressaltar que a atividade produtiva imaterial não pertence somente aos operários mais qualificados mas está disseminada em cada sujeito produtivo na sociedade pós-industrial.

Quanto à produção imaterial, especificamente, compreende-se como sendo aquela que não existe em separado da própria atividade de produzir e já não se relaciona com a idéia de trabalho que se realiza numa objetivação fora dele. Portanto, é inseparável da própria atividade do produzir, do fazer, do poder fazer, e é então que nos damos conta que precisamos atribuir maior abertura à categoria trabalho, para tentar recuperar o conceito de fazer, perdido na concepção de trabalho vinculado estritamente como transformador da natureza, enquanto relação sujeito-objeto, ou seja, não temos mais como único critério, para determinar o que é ou não trabalho, a objetivação no produto fora do fazer.

Dessa forma, posto que uma das bases de desenvolvimento da sociedade atual é o trabalho imaterial, fundado nas potências subjetivas individuais e sociais, tais como a comunicação, a criatividade, a afetividade, o sentido, o conhecimento, a ciência e a tecnologia, a emoção e a semiótica, discutidas largamente pela sociologia do trabalho e da ciência, o segundo passo é demonstrar como o trabalho imaterial disseminado em “intelectualidade de massa” pode transformar-se em um sujeito social e politicamente hegemônico.

Refletindo sobre as mudanças de paradigmas do trabalho na contemporaneidade, Lazzaratto & Negri (2001), interpretando Marx, a partir dos Grundrisse, afirmam que com o desenvolvimento da grande indústria, a apropriação do tempo alheio (o tempo isolado e imediato do operário) não é mais a base de produção de riqueza, e sim a intercomunicação da atividade social, que se apresenta como fator de produção. Isso significa que a criação de riqueza real vem a depender, cada vez menos, do tempo de

trabalho e da quantidade deste empregado e, cada vez mais, do estado geral da ciência, da tecnologia ou de sua aplicação na produção.

A partir dessas postulações, é possível afirmar que a centralidade no desenvolvimento da produção, hoje, é o desenvolvimento do indivíduo social, que se constitui nas Forças Produtivas e Relações Sociais. O corpo social é o grande pilar de sustentação da produção de riqueza e nesse sentido os dois pensadores já mencionados são enfáticos: “Nessa transformação não é nem o trabalho imediato, executado pelo

próprio homem, nem é o tempo que ele trabalha, mas a apropriação de sua produtividade geral, a sua compreensão da natureza e o domínio sobre esta através de sua existência enquanto corpo social.” (Lazzaratto & Negri; 2001:28).

Diante dessa realidade tendencial do trabalho e da produção hoje, é correto afirmar que a organização capitalista, cada vez mais, assume um caráter dependente e a função empreendedora do capital será de adaptar-se para subjugar sob seu controle as forças produtivas e sociais da “intelectualidade de massa”.

Esclarecidos alguns pontos sobre o trabalho imaterial, faz-se necessário retomar a questão de que este novo espaço de produção – linguagens, atividades cognitivas, relacionais, etc – seria um campo mais preservado em relação à contaminação pelas relações de exploração capitalista, segundo a teoria fundada em Habermas, Gorz, Rifkin e outros que afirmam que o “trabalho instrumental” estaria mais fortemente submetido à lógica da exploração capitalista.

Contrariamente, Lazzaratto & Negri reafirmam que se rompeu, e cada vez mais irão romper-se os limites entre o tempo de trabalho subjetivo e o tempo de vida livre. O capitalismo não se identifica mais só com a produção industrial e a exploração não se dá apenas em por a trabalhar a classe operária. É justamente nas atividades “culturais,

relacionais, informacionais, cognitivas, educativas, ambientais e o tempo liberado do trabalho que se convertem em objetos e sujeitos das novas relações de exploração e de acumulação”. (2001: 75)

Constata-se, porém, que as atividades imateriais não estão fora das relações de mercado e necessitam ser defendidas, pois são já dadas como espaços e tempos menos contaminados pelo mercado. As atividades comunicativas, relacionais e educativas estão também invadidas pelas relações de mercado, mas certamente se constituem num

novo terreno de enfrentamento político, onde se constroem resistências, insubordinações e territórios mais preservados da exploração e dominação capitalistas.

Por outro lado, as posições de Gorz e Rifkin sobre a tese do fim do trabalho estão equivocadas. Certamente estamos assistindo ao declínio do trabalho assalariado e a redução cada vez maior do tempo de vida dedicado ao trabalho dependente. No entanto, devido ao fato de que a produção está fundada, crescentemente, na ciência, na informação, no saber em geral e na cooperação, experimenta-se uma ampliação dos espaços produtivos abarcando todos os tempos e lugares de vida e da sociedade. Logo, o trabalho expande-se e é um determinado tipo de trabalho que perde relevância, notadamente aquele vinculado à base material.

Dessa forma, compreende-se que a crise da sociedade do trabalho não está na diminuição do trabalho assalariado, mas no fato de que a grande riqueza social é produzida pela ciência, pela intelectualidade de massa e não mais pelo trabalho individual de cada operário. Embora esse tempo do indivíduo no trabalho assalariado ainda seja utilizado como a unidade de medida vigente na economia tradicional, certamente não dá mais conta de espelhar a realidade. Isso seria irrelevante se a falsidade dessa medida não aprisionasse a riqueza social produzida.

A partir de todas essas reflexões, torna-se fundamental levar em conta que o processo produtivo passa por profundas transformações. Produção, hoje, é produzir sentido e qualidade para as coisas. Estas estão carregadas de simbologia, que tem a função de agregar valor ao que foi produzido. Isso significa que a produção semiótica é quase inseparável da competência e da qualidade do fazer. É o fazer que está se recompondo no novo modo de produzir. Fazer que está recuperando sua potência.

Obviamente o conceito de trabalho atrelado à produção material de bens, no sentido estrito de transformação da natureza, não dá mais conta da realidade do modo de produção pós-fordista, em que o trabalho imaterial se faz cada vez mais presente. A produção imaterial não existe separada da própria atividade de produzir e de maneira ideal comprime as fases econômicas tradicionais da produção, circulação e consumo, em um só ato. Só existe essa produção de signos, essa produção de qualidade, de semiótica, porque o próprio fazer, enquanto produção de sentido, é comunicado para quem consome e é reconhecido por quem consome no próprio fazer.

Na seqüência, constata-se que o traço distintivo está na valorização do próprio fazer, na qualidade desse fazer. Se esse fazer é que produz o sentido, ele é reconhecido só naquilo que tem sentido, que depende desse fazer, por isso não se pode separá-lo do fazedor. Isso é pura produção de subjetividade, cujo sujeito principal é o fazedor, mas também o consumidor que tem sua subjetividade e se reconhece na subjetividade do fazedor. Disso decorre que a comunicação e a cooperação sejam o centro do processo de produção e de consumo.