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A efetivação do direito a partir de um serviço público

CAPÍTULO 1: O caráter dirigente da Constituição da República Federativa do Brasil

1.6. A efetivação do direito a partir de um serviço público

MUNIZ (2007), baseado nas palavras do jurista Eros Grau (2002), comenta que a CF/88, define, no artigo 3º, que são objetivos da República Federativa do Brasil, entre outros, promover o bem estar de todos(as) sem preconceitos de qualquer natureza, garantir o desenvolvimento social, erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais; com isso, pressupõe a CF que cabe ao Estado implementar políticas públicas voltadas para a realização dos objetivos ali fixados, sem deles se afastar. Com essa afirmação, entende-se que as prestações sociais (saúde, educação, assistência social) são serviços de interesse público, que devem ser implementados, portanto, sob a responsabilidade do Estado.

Um serviço público pode ser entendido como a materialização de uma política, na relação direta do Estado com os seus usuários, oferecendo meios para garantir o seu fim: os direitos fundamentais. No caso dos serviços socioassistenciais, eles são considerados atividades continuadas que objetivam a melhoria da qualidade de vida da população, e suas ações devem estar voltadas para as necessidades básicas, observando os princípios e diretrizes da legislação brasileira que rege o tema. Um serviço público dessa natureza deve possibilitar aquisições pessoais, cuidados e acesso aos direitos de cidadania.49

Oferecer um serviço público no Estado brasileiro significa um esforço continuado de indivíduos, de instituições, do conjunto dos Poderes (Legislativo, Executivo, Judiciário). Esse esforço, dentro de um conjunto de fatos integrados numa ordem e ligados a fundamentos e fins, produz continuadamente os necessários movimentos para a efetivação dos direitos.

O serviço pode ser visto como a ação que é efetivamente realizada, direta, e que é a tradução de leis, de normas, de políticas, de planos, das disposições da carta magna brasileira. O

49 Também estão previstos na SEÇÃO IV (LOAS) - Dos Programas de Assistência Social, Artigo 24: Os programas de assistência social compreendem ações integradas e complementares com objetivos, tempo e área de abrangência definidos para qualificar, incentivar e melhorar os benefícios e os serviços assistenciais. Na SEÇÃO V - Dos Projetos de Enfrentamento da Pobreza, o Artigo 25 prevê que: Os projetos de enfrentamento da pobreza compreendem a instituição de investimento econômico-social nos grupos populares, buscando subsidiar, financeira e tecnicamente, iniciativas que lhes garantam meios, capacidade produtiva e de gestão para melhoria das condições gerais de subsistência, elevação do padrão da qualidade de vida, a preservação do meio-ambiente e sua organização social.

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operador do direito – entendido como todo e qualquer profissional que atua na efetivação dos direitos brasileiros ou daqueles ratificados pelo Estado brasileiro –, deve expressar em sua ação a possibilidade de efetivação desse direito para o cidadão. Nessa ação, o profissional passa a ser expressão do dever do Estado na efetivação do direito.

SPOSATI (2012:37) enfatiza que a definição dos serviços socioassistenciais (a partir da aprovação da Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, 2009) provocou um campo

objetivo da relação entre entidades sociais e a gestão estatal. A centralidade do vínculo é a garantia de que o usuário possa usufruir as atenções desses serviços, em quantidade e qualidade, e neles tenha assegurados seus direitos humanos e sociais.

Na PNAS, apoiada na Constituição brasileira, a família adquire um novo estatuto político na esfera das políticas públicas: conforme o artigo 226 da CF/88: a família, base da sociedade,

tem especial proteção do Estado. Portanto, à família, no Estado brasileiro, deve ser oferecidas

condições para consolidar a sua capacidade protetiva e ter fortalecido o seu espaço de interlocução social e política. SARACENO (apud MIOTTO, 2010) afirma que a presença do

Estado na garantia dos direitos sociais torna possível a autonomia dos indivíduos em relação à autoridade familiar e da família em relação à parentela e a comunidade.

Se, apesar do apoio da sociedade e do Estado, em algum momento a família encontrar dificuldade para executar a sua função social (cuidar e proteger os seus membros), o Estado deverá oferecer especial proteção para o exercício dessa função ou, até mesmo, exercê-la por ela, como nos casos em que crianças e adolescentes estejam com os direitos ameaçados e/ou violados. Esta última hipótese aplica-se em situações especiais ocorridas por ação ou omissão dos pais ou responsáveis e efetiva-se a partir de uma medida de proteção prevista no ECA e aplicada pelo Poder Judiciário, ou seja, pela Vara da Infância e da Juventude. Nesses casos, todo esforço deve ser empreendido no sentido da inclusão da família em ações das políticas públicas e, sob a responsabilidade do poder executivo, de, uma vez superada qualquer situação de vulnerabilidade e risco, poder ela retomar a sua função.

A centralidade da família no âmbito das ações da política de assistência social justifica-se pela necessidade de reconhecer as fortes pressões que os processos de exclusão sociocultural geram sobre elas, acentuando suas fragilidades e contradições. Reconhecida como espaço

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privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros, a família precisa também ser cuidada e protegida (PNAS/2004).

Os processos inerentes à vida social estão sempre submetidos a uma relação dialética, o que faz da realidade social uma permanente criação. Pensar e viver o cotidiano, para além da efetivação de leis, de políticas, de planos ou normativas, exige, portanto, uma constante análise do contexto, das conjunturas sócio-históricas, econômicas e culturais. Exige também que se tenha conhecimento e respeito à história vivida pelos sujeitos, a qual constrói os fatos, as questões sociais e o modo de ser e de agir das pessoas neles implicados. Na verdade, o profissional (operador do direito) trabalha permanentemente na relação entre as estruturas, as conjunturas e o cotidiano. É na ação cotidiana que as determinações conjunturais se expressam,

e é aí que se coloca o desafio de garantir o sentido e a direcionalidade da ação profissional

(MARTINELLI, 2004:4).

O Estado brasileiro apresenta um histórico de desproteção para grande parte da população. Estudos mostram o quanto ele próprio tem violado os direitos das crianças e dos adolescentes no não oferecimento de políticas publicas que deveriam compor a proteção integral ao seu desenvolvimento, como também no oferecimento inadequado de políticas50. Esforços

50 No documento Infância em foco e Dados no Brasil 2011/Fórum Nacional DCA; Instituto C&A; KNH; Plan Brasil; Rede Marista de Solidariedade; Visão Mundial; IMAS. Brasília: FNDCA, 2011, constam: A população infanto-juvenil brasileira soma 57.243.809 crianças e adolescentes na faixa etária de 0 a 17 anos de idade. Deste total, 80,91% residem em áreas urbanas e 19,09 residem em áreas rurais. O Brasil conta com 160.262 crianças menores de 1 ano de idade sem registro de nascimento, representando 3,1% desta população. Registra uma taxa de mortalidade infantil de 15,02 por 1.000 nascidos vivos. Na faixa etária de 12 a 14 anos existem 28.293 mães adolescentes. Na faixa etária de 15 a 17 anos, os dados registram 260.446 mães adolescentes (ano 2008). O Brasil conta com 10.726.657 crianças de 0 a 3 anos, destas apenas 768.020 estão matriculadas em creches da rede pública, representando apenas 7,16%. As escolas da rede pública contam com 2.101.087 crianças de 4 a 6 anos matriculadas na pré-escola, o que representa 24,08% do universo total da população de 4 a 6 anos, somando 8.724.562 crianças. Registra uma taxa de 6,90% de evasão escolar do ensino fundamental e de 10% do ensino médio. A taxa de abandono no Brasil no ensino fundamental é de 4,40%, enquanto no ensino médio é de 12,80%. 6.467.809 crianças e adolescentes de 0 a 17 anos não possuem água encanada em sua residência. A área rural conta com 4.419.864 pessoas nesta faixa etária sem água encanada em sua residência, e a área urbana conta com 2.047.945 pessoas. Na área rural 5.786.838 crianças e adolescentes de 0 a 17 anos não possuem rede de esgoto em sua residência, enquanto na área urbana, outras 10.184.291 crianças e adolescentes na mesma faixa etária se encontram na mesma situação, totalizando 15.971.129 crianças e adolescentes vivendo nessa situação. As residências que não possuem luz elétrica no Brasil, correspondem a 1.185.316 crianças e adolescentes de 0 a 17 anos atingidas, sendo 1.097.590 residentes na área rural e 87.726 na área urbana. Uma população de 1.724.411 crianças e adolescentes de 0 a 17 se encontram em moradia com construção precária, das quais 1.022.354 residentes na área rural e 70.057 em área urbana. Os dados indicam que 4.706.921 crianças e adolescentes de 0 a 17 anos vivem em residência superpopulosa, sendo 1.462.225 em

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continuados têm sido realizados para o enfrentamento dessas questões e só serão vencidos mediante a apresentação de serviços de qualidade, dentro de um planejamento executado, monitorado e revisado a partir de diagnósticos claros, para que os esforços das diversas naturezas mobilizem ações coordenadas, nas quais os recursos financeiros e humanos possam ser potencializados, repercutindo em políticas públicas de qualidade.

A construção do sentido e do significado do cuidado, na trama da proteção, na vida das crianças e dos adolescentes atendidos em um serviço de proteção requer o oferecimento de ações que respeitem a sua condição peculiar de desenvolvimento. O cuidado e a proteção estão presentes como direito na legislação brasileira e nas políticas nacionais dirigidas à infância e à adolescência. O exercício dessa função protetiva do Estado requer, portanto, o oferecimento de serviços de qualidade e, nesse sentido, surgem hoje muitas indagações sobre a sua capacidade de exercê-la adequadamente.

1.7. As ‘medidas protetivas’ que determinam a responsabilidade do Estado no

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