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As ‘medidas protetivas’ que determinam a responsabilidade do Estado no cuidado e na proteção direta de crianças e adolescentes

CAPÍTULO 1: O caráter dirigente da Constituição da República Federativa do Brasil

1.7. As ‘medidas protetivas’ que determinam a responsabilidade do Estado no cuidado e na proteção direta de crianças e adolescentes

O artigo 19 do ECA/9051 trata do direito à convivência familiar e comunitária: toda

criança ou adolescente tem direito a ser criado no seio de sua família e, excepcionalmente, em

área rural e 3.244.696 na área urbana. Existem 31.704.554 famílias com filhos 0 a 17 anos de idade, chefiadas pelo pais com uma renda mensal de até dois salários mínimos, o que representa 71,81%. A população economicamente ativa ocupada na faixa etária de 12 a 17 anos representa 4.948.377 adolescentes. Desta população 0,16% não recebem nenhuma remuneração. Existem no Brasil 1.096 crianças de 11 anos de idade e 287.159 adolescentes de 12 a 17 anos economicamente ativos ocupados com uma jornada de trabalho superior a 48 horas semanais. Os dados indicam uma população economicamente inativa de 3.137.464 crianças e adolescentes na faixa etária de 10 a 11 anos dedicada as tarefas domésticas e 9.854.199 adolescentes de 12 a 17 anos em igual condição. Dos 5.564 municípios brasileiros, apenas 182 estão no processo de implantação da municipalização das medidas socioeducativas e em 454 municípios este processo já foi concluído. Há registro de 40.536 adolescentes brasileiros em cumprimento das medidas socioeducativas. O numero de homicídios na população de 0 a 19 anos de 1997 para 2007 teve uma variação percentual de 22,9%, o que representa um aumento de 6.645 casos para 8.166 casos registrados. O Brasil conta com 5.104 dos 5.564 existem com CMDCAs ativos (92%). Segundo a ABMP em 2008 o Brasil conestava com 93 Varas Especializadas distribuídas nas 27 Unidades da Federação. Segundo dados da PNAD/2008, 4.452.301 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estão inseridos no mercado de trabalho.

51 Artigo 19 do ECA. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.§ 1º Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe

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família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária. A este artigo, a lei federal nº

12.010/09 adicionou três parágrafos referentes às situações nas quais, como medida protetiva, crianças e adolescentes podem ser afastados de suas famílias. Esses parágrafos expressam a prioridade à reintegração na própria família e estabelecem condições que garantam o caráter transitório das medidas protetivas de acolhimento institucional ou familiar.

As ‘medidas protetivas’ são aquelas que têm por objetivo garantir o cumprimento dos direitos de crianças e adolescentes nas situações em que eles estejam ameaçados ou violados. Têm por especificidade, como afirma MELO (apud CURY, 2010:439), o fato de ser[em] uma

intervenção na vida da criança ou do adolescente e suas famílias, realizada[s] por agentes públicos e, por isso, serem necessariamente excepcionais.

TONIAL (2003) expressa que ‘medida judicial’ diz respeito ao âmbito jurídico, ao exercício do Poder Judiciário de 1º grau, o qual tem características diferenciadas dos atos administrativos. Conforme esse autor, de modo geral as medidas de proteção, e aquelas pertinentes aos pais de crianças e adolescentes ou ao seu responsável, são de natureza administrativa (ainda que se encontrem em seu elenco medidas marcadamente judiciais), porque, segundo a própria lei, são atribuições de autoridades administrativas.

No ECA está expresso o caráter administrativo de medidas protetivas quando ele delega a uma autoridade administrativa, o Conselho Tutelar (nos incisos I e II do artigo 136), a atribuição de aplicar as medidas protetivas previstas nos incisos de I a VIII do artigo 101 e aquelas pertinentes aos pais ou responsáveis, dos incisos de I a VII do artigo 129. Tais medidas de proteção estão disciplinadas no Título II da Parte Especial do ECA (Das Medidas de Proteção).

interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei.§ 2º A permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária.§ 3º A manutenção ou reintegração de criança ou adolescente à sua família terá preferência em relação a qualquer outra providência, caso em que será esta incluída em programas de orientação e auxílio, nos termos do parágrafo único do art. 23, dos incisos I e IV do caput do art. 101 e dos incisos I a IV do caput do art. 129 desta Lei.

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O artigo 98 do ECA, ao determinar as disposições gerais para a aplicação das medidas de proteção, define as condições exigíveis para a sua aplicação:

As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei foram ameaçados ou violados:

I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta.

Segundo ENGEL (Apud CURY 2010:416), esse artigo do ECA/90 reforça a premissa de que é dever do Estado, da sociedade em geral e do Poder Público em especial, além da família, assegurar à crianças e ao adolescentes seus direitos básicos. Para ENGEL, comporiam o grupo a quem são destinadas as medidas de proteção as crianças e jovens que fossem vítimas históricas de políticas econômicas concentradoras de renda e de políticas sociais incompetentes em sua tarefa de assegurar a todos os cidadãos os seus direitos sociais básicos. Estariam incluídas também nesse grupo aquelas cujas famílias se omitem do dever de assisti-las e educá-las, e que praticam maus tratos, opressão ou abuso sexual, ou que simplesmente as abandonam.

ENGEL comenta, ainda, que, entre os responsáveis pela ameaça ou violação de direitos, existe um terceiro agente: ela própria (a criança ou o adolescente), em função de sua conduta; no entanto, e ao lado disso, a mesma lei elege o princípio da inimputabilidade dos indivíduos entre 0 e 18 anos, tomando por base a reconhecida condição peculiar de desenvolvimento sócio- cognitivo em que se encontram esses sujeitos.

Nesse aspecto, às hipóteses contidas no artigo 98 do ECA, referentes à violação ou ameaça aos direitos reconhecidos da criança e do adolescente, o artigo 100 recomenda que as medidas protetivas devem ser utilizadas sempre que esses direitos forem ameaçados ou violados. Para sua aplicação, determina que sejam levadas em conta as necessidades pedagógicas, preferencialmente aquelas que tenham como objetivo o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Uma vez mais o legislador tem como principio oferecer ênfase às necessidades pedagógicas, reforçando o caráter socioeducativo atribuído às medidas protetivas, o qual vai além da escolaridade e da profissionalização: visa ao desenvolvimento amplo das potencialidades das crianças e dos adolescentes beneficiários, de forma a prepará-los para a vida

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em sociedade. O direito à convivência familiar e comunitária é enfatizado como prioritário na aplicação das medidas protetivas.

MELO (apud CURY, 2010:418/421), em sua análise referente ao artigo 100, salienta que as medidas de proteção são interventivas por essência e, assim sendo, elas devem ser aplicadas apenas após exame detalhado do caso. Para isso, a coleta de diversas informações e estudos tornam-se imprescindíveis porque, por mais promotoras de direitos que pretendam ser, elas restringem, dirigem e sujeitam condutas de terceiros, sejam as crianças e os adolescentes, sejam os pais ou responsáveis. Elas ocasionam consequências jurídicas, inclusive com aplicação de sanções administrativas em caso de descumprimento.

MELO (apud CURY, 2010:420/421) esclarece, ainda, que as medidas protetivas são de natureza cautelar, o que as diferencia daquelas que são tomadas em função da procura espontânea de programas de atendimento. Isso pressupõe a exigência de processo avaliativo que comprove, de maneira objetiva, a existência de uma situação de ameaça ou de violação de direitos e que garanta a possibilidade de defesa contra essa intervenção.

Nesse sentido, MELO afirma que o alcance da finalidade da medida protetiva exige que sua aplicação seja norteada por quatro grandes passos, que enfatizam a perspectiva pedagógica da medida protetiva: 1º) Compreender a diversidade cultural de cada povo, comunidade ou família. Esta ideia também está inscrita no Preâmbulo da Convenção sobre os Direitos da Criança, quando assinala que é necessário levar em conta a importância das tradições e dos

valores culturais de cada povo para a proteção e o desenvolvimento harmonioso da criança.

Nesse mesmo sentido, o artigo 5º dessa Convenção dispõe também que:

Os Estados Partes respeitarão as responsabilidades, os direitos e os deveres dos pais ou, onde for o caso, dos membros da família ampliada ou da comunidade, conforme

determinem os costumes locais (…) de proporcionar à criança instrução e orientação

adequadas e acordes com a evolução de sua capacidade no exercício dos direitos reconhecidos na presente Convenção.

2º) Entender em que consiste falar em pedagogia no campo da proteção. Argumenta que a Convenção prevê que

Os Estados Parte reconhecem que a educação da criança deverá estar orientada no sentido de: a) desenvolver a personalidade, as aptidões e a capacidade mental e física da criança em todo o seu potencial; b) imbuir na criança o respeito aos direitos humanos e às

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liberdades fundamentais, bem como nos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas; c) imbuir na criança o respeito aos seus pais, à sua própria identidade cultural, ao seu idioma e aos seus valores, aos valores nacionais do país em que reside, e aos das civilizações diferentes da sua; d) preparar a criança para assumir uma vida responsável, numa sociedade livre, com espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade de sexos e amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e pessoas de origem indígena; imbuir na criança o respeito ao meio ambiente.

3º) Conjugar a finalidade pedagógica com o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, o que pressupõe o rompimento da cultura de institucionalização como inerente à ação protetora, mesmo nos casos de urgência. Segundo MELO, a pedagogia é mais eficaz

quando mantém as pessoas em seu ambiente de vida, permitindo-lhe uma revisão crítica de seus padrões de conduta e das implicações que eles possam ter no desenvolvimento de crianças e adolescentes. 4º) As finalidades pedagógicas da intervenção protetora apenas será afirmada se

houver observância dos princípios previstos no Parágrafo Único do Artigo 100.52

52 Artigo 100. Parágrafo único. São também princípios que regem a aplicação das medidas: (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) I - condição da criança e do adolescente como sujeitos de direitos: crianças e adolescentes são os titulares dos direitos previstos nesta e em outras Leis, bem como na Constituição Federal; II - proteção integral e prioritária: a interpretação e aplicação de toda e qualquer norma contida nesta Lei deve ser voltada à proteção integral e prioritária dos direitos de que crianças e adolescentes são titulares; III - responsabilidade primária e solidária do poder público: a plena efetivação dos direitos assegurados a crianças e a adolescentes por esta Lei e pela Constituição Federal, salvo nos casos por esta expressamente ressalvados, é de responsabilidade primária e solidária das 3 (três) esferas de governo, sem prejuízo da municipalização do atendimento e da possibilidade da execução de programas por entidades não governamentais; IV - interesse superior da criança e do adolescente: a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do adolescente, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; V - privacidade: a promoção dos direitos e proteção da criança e do adolescente deve ser efetuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e reserva da sua vida privada; VI - intervenção precoce: a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida;VII - intervenção mínima: a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas autoridades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do adolescente; VIII - proporcionalidade e atualidade: a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o adolescente se encontram no momento em que a decisão é tomada; IX - responsabilidade parental: a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o adolescente; X - prevalência da família: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural ou extensa ou, se isto não for possível, que promovam a sua integração em família substituta; XI - obrigatoriedade da informação: a criança e o adolescente, respeitado seu estágio de desenvolvimento e capacidade de compreensão, seus pais ou responsável devem ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa; XII - oitiva obrigatória e participação: a criança e o adolescente, em separado ou na companhia dos pais, de responsável ou de pessoa por si indicada, bem como os seus pais ou responsável, têm direito a ser ouvidos e a participar nos atos e na definição da medida de promoção dos direitos e de proteção, sendo sua opinião devidamente considerada pela autoridade judiciária competente, observado o disposto nos §§ 1o e 2o do artigo 28 desta Lei.

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BAPTISTA (apud CURY, 2010:465/480) analisa que, vinculando-se às hipóteses contidas no artigo 98, referentes à violação ou ameaça aos direitos reconhecidos da criança e do adolescente, o disposto no artigo 101 aciona o poder da autoridade competente para aplicar as medidas necessárias, arroladas nos seus incisos, como meios emergenciais de garantia e proteção.

A Lei Federal de nº 12.010/09 incorporou ao ECA o instituto do acolhimento familiar, determinando que este serviço deve ser o primeiro a ser acionado na aplicabilidade da medida protetiva53, ampliando com isso o elenco das medidas já previstas pelo ECA. Acrescentou também onze novos parágrafos ao artigo 101, nos quais especifica disposições norteadoras para a aplicação das medidas nele previstas, no intuito de incorporar mecanismos capazes de assegurar sua efetiva implementação.

O estabelecimento de medidas de proteção e de garantia de direitos de crianças e adolescentes previstas no artigo 101 é decorrente, por um lado, da determinação de responsabilidade da família, da sociedade e do Estado (garantida no art. 227 da Constituição Federal e reafirmada nos arts. 4º e 5º do ECA) de assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação de seus direitos fundamentais e de sua proteção. Por outro lado, é também consequência do não cumprimento dessas mesmas determinações por algum ou alguns desses responsáveis (como explicitado no artigo 98 do ECA) ou por eles próprios. Assim sendo, a necessidade de aplicação de medidas protetivas é reforçada pela importância do desenvolvimento concomitante de ações de responsabilização e pressão – seja sobre o Estado, seja sobre a sociedade ou sobre a família ou, ainda, sobre a criança ou o adolescente –, para que sejam reduzidas ou, se possível, superadas as situações de violação ou ameaça aos direitos que determinaram aquela necessidade de proteção.

53 Com a inclusão do artigo 34. O poder público estimulará, por meio de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente afastado do convívio familiar. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) § 1o A inclusão da criança ou adolescente em programas de acolhimento familiar terá preferência a seu acolhimento institucional, observado, em qualquer caso, o caráter temporário e excepcional da medida, nos termos desta Lei. § 2o Na hipótese do § 1o deste artigo a pessoa ou casal cadastrado no programa de acolhimento familiar poderá receber a criança ou adolescente mediante guarda, observado o disposto nos artigos. 28 a 33 desta Lei.

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No rol de medidas a serem tomadas, elencadas nos incisos desse artigo, situa-se, e não por acaso, o acolhimento (seja em instituição, seja em família acolhedora) – incisos VII e VIII – e a colocação em família substituta – inciso IX, como as últimas medidas previstas, de forma a enfatizar o caráter excepcional das mesmas: sempre que possível, deve ser evitado que crianças e adolescentes sejam privados da convivência com sua própria família e com a sua comunidade. Quando essa privação for imprescindível, e a alternativa recomendada for o acolhimento familiar ou institucional, deve-se atentar para que o período de acolhimento seja o mais breve possível e que, no seu decorrer, cuide-se que a convivência seja mantida e sejam fortalecidos os vínculos dos acolhidos com seus familiares e com outras pessoas significativas à sua convivência, de maneira a favorecer a viabilização do seu adequado retorno.

Em regiões nas quais a necessidade de aplicação de medidas protetivas decorre fundamentalmente da ausência ou escassez de políticas públicas e/ou da carência de oferta de programas e serviços mais efetivos e abrangentes, precisam-se tornar efetivas as ações do poder público, a partir de ações e de pressões garantindo os direitos individuais e coletivos. A estruturação de uma adequada rede de serviços de atenção e proteção à criança, ao adolescente e à sua família é a expressão de políticas públicas e, consequentemente, de um estado em ação.

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CAPÍTULO 2: Proteção Social Especial de Alta Complexidade

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