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A Elaboração do Contrato Pedagógico, Acolhimento e Mobilização para Aprendizagem (3A)

4 MOTIVAÇÃO: BREVE RESGATE HISTÓRICO DO CONCEITO

5.1 AS PAUTAS DE AÇÃO DOCENTE QUE CONTRIBUEM PARA A MOTIVAÇÃO DA APRENDIZAGEM

5.1.6 A Elaboração do Contrato Pedagógico, Acolhimento e Mobilização para Aprendizagem (3A)

Contrato pedagógico é um acordo mútuo entre o/a professor/a e os/as alunos/as e é fator com potencial determinante para a criação do clima motivacional propício às aprendizagens. O contrato do primeiro dia de aula tem como objetivos principais: organizar, esclarecer, explicitar (pois, diante do explícito é possível dialogar) o que vieram fazer naquele espaço, como pretendem desenvolver os trabalhos a fim de que todos/as possam alcançar o objetivo de aprender a ler e a escrever, e o de esclarecer para que pode servir esta aprendizagem.

Ao explicitar estas questões, pretende-se anular qualquer nicho de ansiedade que a novidade/desconhecimento da situação possa sugerir. É preciso considerar que a carga afetiva investida nas metas e objetivos a que os sujeitos se propõem pode contribuir ou inibir o seu crescimento intelectual e emocional, dependendo de como for trabalhada. Neste sentido, considerando-se as especificidades dos contextos de ensino e de aprendizagem, bem como dos sujeitos envolvidos, a idéia do contrato pedagógico encaminha para dar voz aos sujeitos, ser empático com eles/as, buscar a explicitação de suas expectativas e representação social já construídas, pré-concebidas sobre as características inerentes aos espaços destinados à aprendizagem da leitura e da escrita. Por exemplo, é possível considerar que entre os/as alfabetizandos/as jovens e adultos/as é comum a vivência anterior de situações de aprendizagem ansiosas, não prazerosas ou bem sucedidas.

É preciso trabalhar estas questões. Estabelecer um pacto de confiança entre professor/a e aluno/a. "Quando se estabelece um contrato entre o professor e a turma, os estudantes deixam de ser apenas aqueles que estão destinados a obedecer, mas se tornam

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semelhantes em direitos e deveres", diz Maria de Fátima Francisco, professora de Filosofia da Educação, da Universidade de São Paulo28.

Existe um ditado popular que diz "o combinado não sai caro". Realizamos contratos – mesmo que implícitos – em vários momentos da vida. Para exemplificar a importância do contrato pedagógico, em qualquer nível de escolaridade, cito o estudo de Gonzáles e Touron (1972) sobre as deficiências acadêmicas que apresentam os/as alunos/as ao entrarem na universidade, concluindo parcialmente serem as mais comuns originadas do fato que não sabem o que querem alcançar nas diversas atividades e trabalhos propostos, como alcançá-los, nem os seus objetivos (GONZÁLES; TOURON, 1972).

Um momento adequado para iniciar estes esclarecimentos seria o primeiro dia de aula, ocasião mágica de convite de jovens e adultos/as para a inserção no mundo da cultura escrita. Muitas vezes, apenas o bom senso e a experiência não são suficientes para auxiliar na tarefa de iniciar o trabalho em sala de aula. É hora de ultrapassar as aparências, as representações simbólicas e dizer a que viemos. Quando nos deparamos com alguém pela primeira vez, é interessante conhecer sua trajetória de vida. Por isso, pode-se aproveitar o início das atividades para oportunizar o relato da história do/a professor/a e ouvir as que os/as alunos/as têm para revelar. Histórias de realizações, de fracassos e, sobretudo, de aspirações, de expectativas e de metas.

É fundamental o/a professor/a dispor abertamente do projeto de trabalho para o ano, ou o tempo que durar, que se inicia, dando a conhecer quais são as demandas e as condições para que as aulas transcorram a contento. O mesmo precisa acontecer com os alunos e alunas. Ouvir o que pensam, o que esperam, o que desejam. Ouvir generosamente.

Estabelecer um plano contratual significa organizar conjuntamente as rotinas de trabalho (o que será feito?) e de convivência (como será feito?) da sala de aula. Não se trata de fixar regras, mas de delinear, juntos, o caminho a ser percorrido, como e para quê. Haverá, provavelmente, necessidade de recordar ou mesmo reformular os acordos. O contrato precisa ser flexível. "Os alunos só assumem a própria aprendizagem quando é dada a eles oportunidade de uma participação ativa" (BAPTISTA, 2004).

É preciso ter clareza que este contrato não é uma lista de mandamentos do que não pode ser feito. Ao contrário, ele trata do que precisa ocorrer durante o ano letivo. O respeito mútuo, o exercício livre do pensar e a alegria de interagir nas aulas são conseqüências de um

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contrato mútuo e da explicitação das ações. Contratos pedagógicos são maneiras explícitas de ritualizar o trabalho na sala de aula,

são estratégias de consagração dos diferentes papéis de professor e aluno – esses protagonistas do mundo das idéias e seu encantamento, que ainda poucos conhecem (AQUINO, 2002).

Diante do item do contrato, que se refere ao que vieram fazer ali, é preciso que o/a professor/a tenha claro que a representação social que permeia o ideário da maioria destes alunos e alunas corresponde àquela idéia de escola onde todos/as sentam um/a atrás do/a outro/a, onde a interação não é permitida, sendo até reprimida, onde todos/as precisam obedecer ao professor/a, onde existe uma hierarquia comportamental, no sentido de que o/a professor/a manda e os/as alunos/as obedecem, o/a professor/a pensa e fala, os alunos e alunas copiam do quadro, repetem e memorizam.

Como desconstruir isso? Se o/a professor/a acredita que para aprender é preciso haver interação, que, como diz Pain (1999, p. 163), “todo conhecimento é conhecimento do outro”, que só ensina quem aprende, que aprender não é copiar, repetir e memorizar, precisa deixar clara esta convicção, explicando que antigamente a escola era assim, mas que os cientistas voltados para as ciências da educação estudaram este fenômeno profundamente e concluíram que aquela escola que eles/as trazem introjetada não oferecia a melhor maneira de aprender, e muito menos a aprender a ler e a escrever. Se o/a professor/a reconhece a escrita de maneira complexa, como a representação da linguagem, precisa explicar aos/às seus/as alunos/as que se aprende a nadar, nadando, a falar, falando, a ler e a escrever se aprende lendo e escrevendo, pensando, estabelecendo relações.

Portanto, um dos itens principais deste contrato que estão estabelecendo agora se refere à não poder dizer não: “não sei; não consigo; não aprendi isto”. Estas expressões não podem fazer parte daquele espaço de ensino e de aprendizagem. Todos sabem que não sabem ler e escrever como está nos livros, de uma forma “certa”, mas passam a saber agora com a contribuição dos cientistas que estudaram este fenômeno, como, por exemplo, Ferreiro e Teberosky (1985). Como dito, estas autoras entendem que todas as pessoas têm uma idéia de como se escreve e de como se lê, e, portanto, eles, os alunos e alunas, também têm esta idéia.

Para que o/a professor/a possa conhecê-la e nela intervir para que avance, é preciso que mostrem o que pensam, como pensam e, por isso, não podem dizer que não sabem, mas que estão ali para aprender. É preciso explicitar que aquele espaço tem por objetivo aprender a ler e a escrever. Isto não significa que chegaram iguais. Alguns sabem alguma coisa, outros

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sabem outras coisas, trazem diferentes saberes e, é nesta troca de informações, na interação destes saberes e no confronto com a realidade que vamos atingir o objetivo de aprender a ler e a escrever compreensivamente.

Isto encaminha para o segundo item do contrato: “errar não é feio, não tem conseqüências desagradáveis”. O errar faz parte do processo de aprender/ensinar. Para aprender, é preciso errar. Erro é uma hipótese incompleta sobre algum conhecimento. Todo erro é construtivo se construtiva for a intervenção do/a professor/a (ABRAHÃO et al., 2004), e, por isso, não devemos ter vergonha de falar, de perguntar, de mostrar nossas incompletudes, pois todos/as as temos. O que queremos é buscar uma satisfação para uma incompletude, mas não significa que sairemos completos, sabendo tudo sobre a leitura e a escrita. Não! Ao longo da vida vamos aprendendo, conhecendo diferentes portadores de textos, diferentes linguagens, de modo que nossa alfabetização nunca estará completa. Erro é a expressão de um pensamento, e pensar é bom, é necessário para aprender. Então, outra questão que precisa mudar é a visão que se tem de erro. Quem tem vergonha de errar é quem pensa ou quer que os outros pensem que sabe tudo. E não é possível alguém saber tudo sobre alguma coisa.

Em uma perspectiva complexa de ação e reflexão sobre as pautas de ação docente, o erro, como hipótese que veicula a solução de um determinado problema por parte do sujeito, só pode ser compreendido como parte preciosa de um processo cognoscível, o qual conduz, necessariamente, a uma nova organização que pode garantir ao sujeito o movimento de (re)construção, buscando justamente o “pensar sobre” e não “o acertar a resposta”, ainda mais quando ela parece sem sentido para aquele que a acerta. A associação do erro com algo que deve ser combatido dificulta a compreensão de que “a vida comporta também processos de utilização do erro, não só para corrigir seus próprios erros, mas também para favorecer o aparecimento da diversidade e a possibilidade de evolução” (MORIN, 1996, p. 143).

Em classes de alfabetização do Ensino Fundamental, freqüentemente, as professoras perguntam às crianças no início do ano: “o que vocês vieram fazer aqui?”, e elas, geralmente, respondem em coro: “aprender a ler e a escrever”. Esta resposta satisfaz a professora na maioria das vezes. “É isso mesmo!”, diz. Não devia! Pois, se a professora avançasse, como muitas professoras de escolas municipais e estaduais já relataram, informalmente, que fizeram, provavelmente, iriam se deparar com um fato surpreendente. Se a professora continuar a investigação das expectativas de seus alunos e alunas e perguntar: “mas e o que é ler e escrever?”. As respostas são muito surpreendentes. Relato as que me contaram: “não sei o que é, professora, mas meu irmão disse que é horrível aprender a ler e a escrever! A gente

não pode fazer nada, não pode falar, não pode ir ao banheiro, não pode tomar água, tem que copiar rápido do quadro senão a professora apaga, tem que comer toda a merenda, seja boa ou ruim, e não pode perguntar fora de hora”. Outra resposta: “não sei o que é ler nem escrever, mas meu pai disse que se eu não aprender, apanho!” E mais outra: “não sei o que é, mas minha irmã está tentando aprender isto há três anos. Minha mãe diz que ela é burra, igual a ela, por isto não aprende, mas eu, que sou homem vou aprender”. Estes mesmos sentimentos e indefinições, a falta de clareza de significado desta aprendizagem, podem permear nas classes de alfabetização de jovens e adultos/as.

Estas questões acima relatadas remetem-nos para o que chamo “o óbvio na relação pedagógica”. É preciso perceber que o meu óbvio não é igual ao teu. O que é obvio para mim não o é necessariamente para ti porque o que é óbvio para mim depende da minha vivência, da minha interação com o mundo e com os conhecimentos socialmente construídos nele, depende, enfim, de vários fatores. Portanto, se para algum/a professor/a parece uma pergunta óbvia esta “a que viemos?” e a outro “o que é ler e escrever?”, não pense que elas são óbvias para todas as pessoas e, muito menos, para alfabetizandos/as jovens e adultos/as, que já sobreviveram bastante tempo em uma cultura escrita e desenvolveram estratégias de solução de problemas para nela sobreviver sem ter a habilidade para lidar com ela.

Estas mesmas questões relatadas nos levam a outra reflexão: não é preciso fazer uma análise de conteúdo científica nas frases destas crianças para perceber o quanto de ansiedade está contido nelas, o quanto do medo do desconhecido, da dificuldade desta aprendizagem, do que a não aprendizagem significa e outros tantos nichos de ansiedades que podemos perceber pela fala destes/as alunos/as e também pela atitude corporal dos/as alunos/as jovens e adultos/as quando chegam às classes de alfabetização.

Eles/as também trazem esta dúvida: “o que é ler, o que é escrever, para que serve? No que pode esta aprendizagem contribuir para minha vida?”. Estas questões precisam ser esclarecidas no início, no primeiro dia se possível, no contrato pedagógico, porém, não adianta esclarecer logicamente uma questão e depois não “corporificar as palavras pelo exemplo”. Não adianta dizer como é bom saber ler e escrever e não gostar nem de ler e nem de escrever. Não precisamos de atitudes “politicamente corretas” na sala de aula, precisamos de atitudes com sentido e significado, com crença, com convicção e com coerência.

Lembro uma situação que vivi e que, penso, explica o que estou tentando dizer com palavras no parágrafo anterior: quando trabalhava no Programa Alfabetização Solidária viajava para o interior da Bahia para visitas de supervisão dos professores e professoras que tinham freqüentado o curso de formação de professores conosco na PUCRS. Eram, naquela

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época, quarenta professores, e mesmo que viajássemos em três colegas, geralmente, fazíamos as visitas em duas, e isso revertia em mais de vinte professores para supervisionar em poucos dias. Isso não era o problema, pelo menos não para mim. O que era problema era entrar em cada sala e fazer o mesmo discurso: “boa noite, meu nome é tal, vim de Porto Alegre para assistir uma aula com vocês”.

Em 2000, viajei todos os meses para a Bahia, a fim de acompanhar o desenvolvimento do projeto que era o tema da minha dissertação, e foi numa dessas vezes que, decidi, em vez de fazer o mesmo discurso, levar alguma coisa para ler para eles/as, mas tinha que ser alguma coisa que eu gostasse muito, para poder corporificar no exemplo a idéia de que ler é muito bom. Pois bem, escolhi uma poesia: O Elogio do Aprendizado [em anexo], de Bertold Brecht. Vivi uma experiência inesquecível com esta idéia! Entrava nas salas, perguntava se lembravam de mim (já me conheciam) e dizia que eu tinha trazido uma poesia para ler e perguntava se podia. Todos respondiam afirmativamente.

E eu lia, com a entonação de quem está lendo algo de que gosta muito, que acha lindo. No final, aplaudiam entusiasticamente. Muito bom! Mas foi numa das últimas salas visitadas que recebi o coroamento desta idéia: depois de ler, de todos aplaudirem entusiasticamente, um senhor, sentado lá no fundo, disse emocionado: “é para isto que estou aqui! Para poder ler, sozinho, coisas lindas como esta!”. Ganhei o dia! E aprendi na prática como era corporificar pelo exemplo o prazer de ler. Lendo o que gostamos, o que nos dá prazer.

Nestas questões abordadas já estamos encaminhando para o segundo grande objetivo deste contrato: explicitar como serão as aulas. Nesta explicitação, novamente será necessário resgatar o ideário, as representações simbólicas dos alunos e alunas sobre como são as aulas de alfabetização. Geralmente, o que eles e elas esperam é a reprodução de uma situação de aprendizagem já conhecida e na qual fracassaram. Aulas onde o/a professor/a faz ditados, cópias, seguindo uma lógica inerente ao conteúdo e não à lógica coerente com as descobertas científicas de como as pessoas aprendem a ler e a escrever (FERREIRO; TEBEROSKY, 1985). É preciso, pois, desmistificar isso.

Explicitar que se acredita que se aprende a ler e a escrever pensando sobre a escrita e a leitura. Pensamentos, tais como: “com que se escreve? Com quantas letras? Com quais letras? Com que letra inicia a palavra? O que é palavra? Com que letra termina? Que outras palavras conhecem que começam pelo mesmo som?”, são inerentes a esta concepção de ensino e de aprendizagem.

É preciso, então, que o/a professor/a explicite que a rotina não rotineira (FREIRE, M., 2003) que será estabelecida em sala de aula não será a reprodução desta representação simbólica que os alunos e as alunas trazem introjetada, que a convicção de como os sujeitos aprendem está embasada também na articulação do prazer com o aprender e que, portanto, esta articulação precisa fazer parte da sala de aula de alfabetização. Quando um bebê aprende a falar, seus pais não lhe dizem: “hoje só falarás palavras que começam com a letra A!”. Quando se aprende a escrever, também não é assim. É preciso aprender a ler e escrever, lendo e escrevendo o mundo, portadores de texto que estão no mundo, e não textos especialmente escritos para privilegiar a aprendizagem de uma letra ou outra, ou de uma “dificuldade ortográfica” ou outra.

Finalmente, é também objetivo deste contrato explicitar para quê aprenderemos a ler e a escrever. Os motivos inicialmente explicitados por alunos e alunas têm sido: “aprender para reconhecer o nome dos ônibus; aprender para ler a bíblia; aprender para assinar o nome nos documentos e não precisar mais “sujar o dedão”; para poder tirar carteira de motorista; para conseguir um emprego melhor”. Numa concepção complexa da alfabetização, estas seriam habilidades, na sua maioria, bem “fáceis” de serem atendidas. Porém, o que não podemos esquecer é que esses alunos e alunas vêm em busca de uma aprendizagem que a sociedade tem lhes cobrado ao longo da vida e, pela falta dela, os/as têm excluído, diferenciado, acusado de “não serem capazes de”.

Mas, por outro lado, esta é uma aprendizagem desconhecida e o desconhecido amedronta, traz inseguranças, questionamentos profundos de que mudanças “inesperadas e impensadas” podem promover em suas vidas. Exemplifico com Alzira, uma aluna do projeto, com duração de três meses, de Alfabetização das 1000 mulheres. Moradora da Restinga, um dos maiores bairros da periferia de Porto Alegre, com altos índices de criminalidade e miséria. Alzira era analfabeta e, nesta condição, encontrava a atenção e a companhia de seus familiares, pois era considerada incapaz de fazer qualquer coisa sozinha. Cozinhar não podia, pois confundia sal com açúcar; sair sozinha não podia, pois não sabia ler o nome dos ônibus e nem das ruas; trabalhar fora, tampouco. E se Alzira aprendesse a ler e a escrever? Teria que passar a cozinhar todos os dias; sempre que fosse sair, seria sozinha, pois já não precisaria desta companhia. Será? Alzira desejava isso? Penso que não, pois foi a única da turma de vinte mulheres que não aprendeu.

Claro que é simplificador dizer que ela não aprendeu por isso. Ela não aprendeu porque não fui capaz de ensinar e isso incluiria seduzi-la para ousar: ousar mudar seu estado de analfabeta para alfabetizada com todas as conseqüências boas e/ou ruins que esta

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aprendizagem poderia trazer, mas o desejo da Alzira não foi seduzido. Despertar irremediavelmente o desejo de aprender para superar o medo. “Só descubro minha coragem quando enfrento meus medos” (FREIRE, 2003). Alzira não conseguiu vencer o medo e eu não soube seduzi-la para isso.

Neste sentido, o “para quê” aprender a ler e a escrever precisa abandonar as concepções simplificadoras da escrita e da leitura para avançar para a complexidade deste fenômeno, complexidade que habita qualquer aprendizagem, mas, com relação à aprendizagem da leitura e da escrita, se estende para níveis “invisíveis” e que talvez seja objeto de um próximo estudo. Por agora, basta-nos pensar que mudar da condição de analfabeto para a de alfabetizado traz conseqüências inerentes a esta mudança previsíveis e imprevisíveis, que precisam ser consideradas para que possamos seduzir e significar para o/a alfabetizando/a o para quê ele/a deve aprender a ler e a escrever. Mesmo que, num primeiro momento, os relatos dos/as alunos/as não reflitam isso, que suas expectativas pareçam não incluir a esperança do sucesso, é preciso perceber que esta esperança existe, pois ali estão. Pergunto: “para quê?”. Da resposta dependem as pautas docentes que vou desenvolver, o/a aluno/a que quero formar e a quê concepção de alfabetização estou me referindo.

Aprender a ler e a escrever é a porta de entrada para a cidadania consciente, mas será que estes alunos e alunas têm idéia do que seja cidadania e do que seja consciente? É preciso trazer esta discussão para a sala de aula. Direitos, deveres, justiça, injustiça, igualdade, desigualdade são conceitos que precisam permear as aprendizagens. É preciso falar nisso, ter clareza de que, para inserir os/as alunos/as no mundo letrado, através da aprendizagem da leitura e da escrita, é preciso conduzi-los numa leitura de mundo, buscando um início de inserção no cotidiano cultural das pessoas letradas. É preciso experienciar vivências inerentes à cultura escrita: jornal, livros, revistas, cinema, teatro, futebol, exposições de arte, feiras são exemplos de atividades que podem e devem ser proporcionadas aos/às aprendizes.

Existe também uma crença, alicerçada no senso comum, de que muitos/as adultos/as voltam à escola em busca de uma oportunidade de socialização, se sentem sós, não encontram amigos/as, companheiros/as, pensam: “quem sabe na escola?”. Este desejo pode estar incluído, mas o desejo fundante é o de aprender a ler e a escrever. Crenças como a busca de merenda ou de companhia têm tido um uso comum, consensual, entre professores e professoras alfabetizadores/as de jovens e adultos/as para justificar a não aprendizagem e/ou a evasão.

A partir do momento em que se aceita que existe uma multiplicidade de itinerários para construir conhecimento, em oposição à visão simplificadora de que todos iniciam iguais

e aprendem iguais, da concepção de que existe um único caminho possível para aprender, se percebe também que existe, nesta subjetividade, o risco de perder de vista um número significativo de sujeitos. É, portanto, indispensável que se substitua o contrato tácito, óbvio e