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3 ORIENTAÇÕES PARADIGMÁTICAS

3.1 PARADIGMA DA SIMPLICIDADE E PARADIGMA DA COMPLEXIDADE

O paradigma dispõe de um princípio de exclusão, exclui não apenas os dados, enunciados e idéias divergentes, mas também os problemas que não reconhece. Assim, um paradigma de simplificação (disjunção ou redução) não pode reconhecer a existência do problema da complexidade.

Para compreender o paradigma da complexidade, é preciso saber que há um paradigma da simplicidade que pretende ordenar o universo e expulsar dele a desordem. A ordem é reduzida a uma lei, a um princípio, a variáveis específicas, consideradas relevantes.

No que concerne especificamente à alfabetização de jovens e adultos/as, o paradigma da simplicidade é o que parece embasar as pautas de ações docentes de professores e professoras que consideram a aprendizagem da leitura e da escrita numa visão simplificadora, na qual aprender a codificar e decodificar o código escrito são habilidades consideradas prioritárias e separadas da compreensão complexa da escrita e da leitura como representação da linguagem.

Aprender-se-ia primeiro a codificar e decodificar para depois, magicamente, compreender o que se codifica e decodifica. O processo seria o ensino destas habilidades e o produto a aprendizagem ou a não aprendizagem delas. Assim, comandado por separação e redução, por causa e efeito, o pensamento simplificador não pode escapar de uma análise simplificadora do ensino e da aprendizagem.

Este paradigma está relacionado com o princípio da explicação da ciência clássica que excluía a aleatoriedade, o que nossa ignorância não permitiria entender, para conceber o universo de maneira estrita e determinista. Este princípio, referente à explicação, eliminava o observador da observação, o olhar do/a professor/a, por exemplo, não parece influenciar/ser influenciado quando se percebem as pautas de ações docentes sob a ótica do paradigma simplificador. Ele é, ilusoriamente, excluído desta relação. Porém, hoje,

em todas as frentes, as ciências trabalham cada vez mais com a aleatoriedade, sobretudo para compreender tudo aquilo que é evolutivo, e consideram um universo em que se combinam o acaso [serendipididade18

] e a necessidade (MORIN, 1996, p. 28).

O quadro abaixo apresenta algumas características destas orientações paradigmáticas.

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QUADRO 1: ORIENTAÇÕES PARADIGMÁTICAS SIMPLIFICADORAS E COMPLEXAS PARADIGMA SIMPLIFICIDADE COMPLEXIDADE

Finalidade da investigação

educativa

Verificação - quem sabe/quem não sabe

O que sabem? Conhecimentos prévios?

Visão de realidade Única - conhecimento acabado Dinâmica/diversa/mutável/ multidimensionável Papel dos valores

“Neutros” Integrados aos sujeitos e aos contextos

Contexto dos fenômenos

Isolados Inter-relacionados, multidimensionáveis

Aproximação com a realidade

Simplificada, prioriza a lógica dos conteúdos, homogeneidade do grupo. Interativa/emergente/prioriza a lógica da aprendizagem, diversidade. Estilo do investigador “Poderoso”/sabedor/ensi na Problematizador/participativo/ mediador/ensina e aprende Condições de coleta de dados Controladas, medidas, quantitativas. Sistemáticas/emergentes/processuais, qualitativas Tratamento dos dados Estáveis e invariáveis, verificar, medir e quantificar.

Adaptáveis, analisar e avaliar para embasar as ações em busca dos objetivos.

*Com base em Bisquerra (2000)

Neste sentido, sendo um paradigma constituído por relações lógicas entre noções mestras, noções chaves e princípios chaves, essas relações e esses princípios vão comandar as ações que obedecem consciente ou inconscientemente a este domínio. No que se refere ao paradigma simplificador, as relações serão caracterizadas por causa e efeito, por linearidade, por busca de explicações e da ordem, mesmo que apenas aparente. Assim, buscam-se, geralmente, culpados, mas não alternativas de soluções. O paradigma pode cegar, pois o que exclui passa a não existir. Só enxergamos o que temos instrumentos para ver. “O paradigma

cria evidência auto-ocultando-se. Como é invisível, quem está submetido a ele, pensa obedecer aos fatos, à experiência, à lógica” (MORIN, 1998, p. 273).

O paradigma da simplicidade pretende pôr ordem no universo e expulsar a desordem. “A ordem reduz-se a uma lei, a um princípio. A simplicidade vê, quer o uno, quer o múltiplo, mas não pode ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo. O princípio da simplicidade quer separar o que está ligado (disjunção), quer unificar o que está disperso (redução)” (MORIN, 1990, p. 86). Os princípios e componentes da ciência clássica alimentam e fortalecem uma visão de mundo de ordem, de unidade, de simplicidade, não considerando, tornando invisíveis, as diversidades, as complexidades.

O outro paradigma que nos propomos a comentar, da complexidade, percebe o universo como fruto da dialógica entre ordem e desordem (MORIN, 2000b). Dialógica no sentido de que se trata de duas noções totalmente heterogêneas que se rechaçam mutuamente, mas são complementares. A desordem não só existe, como desempenha um papel produtivo no universo. É essa dialógica de ordem e desordem que produz as organizações existentes no universo, portanto, este paradigma não exclui a simplicidade.

Vivemos uma realidade multidimensional, visto que esta é simultaneamente econômica, psicológica, mitológica, sociológica, mas, no paradigma da simplicidade, elas são estudadas separadamente, não considerando que estão relacionadas. O princípio de separação pode contribuir para a explicação sobre uma pequena parte separada do seu contexto, mas nos priva da percepção sobre a relação entre as suas partes. Não é possível compreender complexamente o ser humano apenas através dos elementos que o constituem. Se observarmos uma sociedade, verificaremos que nela há interações entre os indivíduos que formam um conjunto, e a sociedade, como tal, é possuidora da língua, da cultura que é transmitida aos indivíduos; essas "emergências sociais" permitem aos indivíduos desenvolverem-se como sujeitos. É necessário, por isso, um modo de conhecimento que permita compreender como as organizações, os sistemas produzem qualidades que são características do mundo.

A vida é um sistema de reprodução que produz os indivíduos. Somos produtos da reprodução dos nossos pais. Mas, para que este processo de reprodução continue, é necessário que nós próprios nos tornemos produtores e reprodutores de nossos filhos. Somos, portanto, produtos e produtores no processo da vida. Da mesma maneira, somos produtores da sociedade porque, sem seres humanos, não existiria a sociedade, com a cultura, as normas, as leis, as regras, que nos produzem, por sua vez, como indivíduos. Somos, então, produtos

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produtores, temos as regras sociais, a linguagem social, a cultura e as normas sociais no nosso interior. Não só a parte (indivíduos) está no todo (sociedade) como o todo está na parte. Somos seres ao mesmo tempo físicos, biológicos, sociais, culturais, psíquicos e espirituais, e a complexidade tenta conceber a articulação, a identidade e a diferença de todos estes aspectos, enquanto o pensamento simplificador separa esses diferentes aspectos, ou unifica-os por uma redução mutilante. É intenção da complexidade explicar/compreender as articulações entre disciplinas, entre categorias cognitivas e entre tipos de conhecimento. A complexidade busca as articulações entre disciplinas, entre categorias cognitivas, entre tipos de conhecimento. A aspiração à complexidade tende para o conhecimento multidimensional. Ela não quer dar todas as informações sobre um fenômeno estudado, mas respeitar suas diversas dimensões. Ao aspirar a multidimensionalidade, o pensamento complexo comporta, aceita, reconhece, percebe a necessidade de incompletude e incerteza (MORIN, 1996).

Somos seres trinitários, somos triplos num só. Somos indivíduos, membros de uma espécie biológica chamada homo sapiens e somos, ao mesmo tempo, seres sociais. Temos estas três naturezas numa só. Há, porém, quem diga que a natureza humana é una e que os chineses ou africanos têm uma natureza igual à nossa, pois têm, como nós, amores, tristezas, alegrias, felicidades, o que quer dizer que somos todos os mesmos. Outros pensadores, como alguns culturalistas, dizem que somos diferentes de cultura para cultura e que não há verdadeira unidade humana. É complexo compreender que o "um" pode ser "múltiplo" e que o "múltiplo" é suscetível de unidade. Que, por exemplo, do ponto de vista do ser humano, há certamente uma unidade relacionada à genética, pois os seres humanos têm o mesmo patrimônio genético e há uma unidade cerebral; por essa razão, os seres humanos têm as mesmas atitudes cerebrais fundamentais. Os seres humanos têm uma identidade profunda pelo fato de poderem desenvolver a sua nacionalidade e pelo fato de serem seres afetivos, capazes de sorrir, de rir e de chorar.

Há, portanto, esta unidade fundamental do ser humano, mas, ao mesmo tempo, sabemos que certas civilizações inibem lágrimas e outras permitem a sua expressão; que sorrimos em condições diferentes em umas e noutras; que o riso, as lágrimas, o sorriso são diferentemente modulados segundo as culturas, mas devemos saber, sobretudo, que, a partir da mesma estrutura fundamental da linguagem, se criou uma diversidade de línguas no decurso do desenvolvimento da espécie humana e que as culturas desenvolveram, cada uma delas, riquezas. O tesouro da humanidade é a sua diversidade, que não só é compatível com a sua unidade fundamental, mas produzida pelas possibilidades do ser humano.

Não podemos subestimar também o aspecto imaginário e o mitológico do ser humano. Buscamos dar vida às nossas idéias e, uma vez que lhes damos vida, são elas que nos indicam o nosso comportamento, que nos mandam matar por elas ou morrer por elas, o que significa que estes produtos são os nossos próprios produtores e que a realidade imaginária e a realidade mitológica são aspectos fundamentais da realidade humana. O destino humano depende também da capacidade de compreender nossas motivações, nossos problemas, contextualizando-os, globalizando-os, interligando-os, e da nossa capacidade em enfrentar a incerteza e em encontrar os meios, alternativas de soluções que nos permitam navegar num futuro incerto.

Neste contexto, é possível perceber que as orientações paradigmáticas que embasam as pautas de ações docentes possuem potencial determinante para o ensino e a aprendizagem da leitura e da escrita por jovens e adultos/as. A seguir, pretendo seguir descrevendo/analisando/interpretando/explicando/compreendendo algumas articulações existentes entre estes fenômenos.