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4 MOTIVAÇÃO: BREVE RESGATE HISTÓRICO DO CONCEITO

5.1 AS PAUTAS DE AÇÃO DOCENTE QUE CONTRIBUEM PARA A MOTIVAÇÃO DA APRENDIZAGEM

5.1.5 A Organização do Espaço Físico (1A)

“A forma como se organiza um espaço (seja qual for) também tem um código, que qualquer um pode ler [...] e se localizar – de modo claro – sobre a visão de mundo que seus habitantes possuem ou são levados ou induzidos a possuírem” (ABRAMOVICH, 1985, p. 57). A maneira como se organiza a sala de aula traz mensagens subjacentes. Esperar a chegada dos alunos/as com as classes enfileiradas, uma a uma, contém a mensagem de que ali é um espaço que não potencializa a interação, que todos/as precisam olhar para frente, de preferência não conversar com o/a colega e ouvir o/a professor/a. Se organizo em semicírculo, em grupos, de modos diversificados, sinalizo outras prioridades, como a necessidade de ouvir

o outro, de conhecer seus pensamentos, de socializar idéias, de interagir com diferentes hipóteses.

Como afirma Abramovich (1985), uma olhada e já se percebe qual é a proposta da escola, como a professora encaminha o processo educacional, quais os valores que estão em jogo, sinalizando, assim, para a importância da organização do espaço físico nas aprendizagens (ou não). Esta opção esta sob controle do/a professor/a e traz mensagens implícitas e explícitas.

O modo de organizar as classes reflete as concepções teóricas, mesmo que não se tenha clareza delas. Portanto, se acredito que o conhecimento se constrói na interação com a diversidade, preciso organizar o espaço físico coerentemente com esta idéia. No que se refere especificamente às salas de aula em processo de alfabetização, a organização do espaço físico precisa considerar especialmente o ambiente alfabetizador, detalhado a seguir.

5.1.5.1 O Ambiente Alfabetizador

Um dado estatístico: o maior índice de não aprendizagem em leitura e em escrita se encontra nas denominadas classes populares. Convido vocês a fazerem uma estatística pessoal: quantas pessoas, crianças em especial, conhecem que não aprenderam a ler e a escrever na primeira vez que freqüentaram a primeira série, a classe de alfabetização? A que classe social pertence esta pessoa?

Quando os teóricos saíram em busca de explicações para este fato, se depararam com uma diferença básica que existe entre sujeitos das classes populares e os das classes mais privilegiadas economicamente, pois o ambiente alfabetizador e a qualidade da oportunidade de interação com diferentes portadores de textos já são trazidos pelos sujeitos mais privilegiados economicamente.

Nos encontros de formação continuada ou nos cursos de formação inicial, as respostas que as professoras encontram para as suas dúvidas sobre o como alfabetizar, freqüentemente, apontam para a necessidade de partir da realidade do aluno e aproveitar a sua bagagem cultural. No sentido de buscar uma maior aproximação entre o mundo da escola e o mundo fora da escola, a criação de um ambiente alfabetizador deveria ser apontada como estratégia pedagógica alfabetizadora importante.

A criação desse ambiente alfabetizador na sala de aula precisa considerar que um dos grandes problemas da alfabetização dos sujeitos das classes populares é que, freqüentemente, não vivenciam cotidianamente situações de uso da escrita e da leitura. Estas vivências lhes

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possibilitariam ir construindo sentidos mais elaborados para elas e chegarem à escola com hipóteses mais avançadas. Os/As adultos/as analfabetos/as vivem e transitam na cultura escrita, expostos/as à grande variedade de portadores de textos e desenvolvem estratégias de solução de problemas para conviver nesta sociedade.

Para as crianças de uma classe média urbana, a dificuldade no aprendizado da leitura e da escrita é exceção. Freqüentemente, já estão lendo e escrevendo ao entrar para a escola ou trazem construídas hipóteses avançadas. Para as crianças e adultos/as das classes populares, porém, o desafio da escola, além de criar situações de uso da leitura e da escrita, é construir sentido para esse aprendizado. Para que isso ocorra, é preciso que, além de trazer para a sala de aula a maior variedade possível de materiais escritos, as pautas de ação docente considerem a necessidade de criar múltiplas situações de interação com esse material e de uso da linguagem escrita, encaminhando a construção de pensamento sobre e significando estes materiais.

Assim, ambiente alfabetizador, como componente do clima motivacional da sala de aula propício à aprendizagem, se refere à reconstituição deste espaço de vivências que os alunos e alunas das classes mais ricas geralmente experenciaram e que sinalizam como sendo um fator importante para a aprendizagem da leitura e da escrita. Cartazes, crachás, referenciais do alfabeto, diferentes portadores de texto precisam estar presentes na sala de aula e serem embebidos de significados, não apenas estarem lá.

Nas palavras de Ferreiro (1993), criar um ambiente alfabetizador significa trazer e investir de significado diferentes portadores de texto. Quanto mais variado este material, adequado para realização de diversas atividades de exploração, de classificação, de busca de semelhanças e diferenças e de informações sobre o que se pode esperar de um texto em função da categorização do objeto que veicula, melhor poderá ser usado como material para produção de pensamento, de modelos de escritas, para constituírem um repertório de palavras memorizadas que servirão de apoio para a construção de diferentes palavras, frases, textos.

É importante esclarecer que o ambiente alfabetizador é fator que contribui para a aprendizagem da leitura e da escrita e do clima motivacional propício para a construção destas aprendizagens. Não é por si só produtor de aprendizagens, mas, é dependente das intervenções que o/a professor/a com ele realizar. Ferreiro (1990, p. 73) afirma que “não basta um ambiente alfabetizador para que uma pessoa se alfabetize, assim não haveria analfabetos na cidade. Além do ambiente alfabetizador, é preciso alguma intervenção específica, não basta estar em contato com o objeto para garantir a alfabetização”.

Nas classes de alfabetização, sugiro que, no início das atividades, precisa estar presente na sala de aula um referencial do alfabeto com características coerentes com a aprendizagem da leitura e da escrita. O que isso significa? Não é o mais bonito, o mais colorido e nem o mais enfeitado. Ao contrário, o referencial precisa apresentar as letras como elas estão no mundo. Portanto, não pode ser como muitos em que as letras são emendadas com objetos que iniciam por elas (por exemplo: uma abelha voando e dela sai uma letra A grudada; o B com uma bola desenhada dentro). Por que não pode?

Por que este referencial explicita uma epistemologia que não é a que deva embasar a prática pedagógica alfabetizadora complexa. Este referencial intenciona que o/a aprendiz “memorize” as letras, utilizando estratégias que pensa que facilitam esta memorização. Foram percebidas algumas conseqüências indesejadas disto, desde alunos que “desenham” letras incompreensíveis até a nomeação das letras como A de ABELHA, B de BOLA, C de CASA. Isso, muitas vezes, encaminha para a compreensão de que estas letras “só” servem para escrever estas palavras. Esta hipótese é referendada com a surpresa que muitas crianças apresentam, quando, sabendo de memória escrever seus nomes, descobrem que o R de RICARDO é o mesmo R de RATO, por exemplo. Parece incrível? Mas acontece!

Outros referenciais, com o intuito de ficarem mais bonitos, usam letras do tipo , (letras cheias), o que obriga muitos/as aprendizes a exercícios difíceis na tentativa de “desenhar” tais letras. Deparamos com muitos exemplos de escrita de alunos e alunas em que foi explicitamente perceptível o tipo de referencial que existe na sala de aula através da tentativa da reprodução deste tipo de “letra dupla”. Quando perguntamos para os professores e professoras que trazem estes escritos se o referencial é assim, eles questionam surpresos: “como foi possível perceber isto?”.

Assim, o referencial elaborado precisa respeitar as características dos escritos que existem no mundo. “Pode ter mais de um tipo de letra?”: pode! “Pode trazer figuras que lembrem nomes que iniciam com a letra?”: pode! Mas, precisa ser claro e respeitado o objetivo do referencial: fornecer um modelo das letras que se usam e como se usam. “E o K, W, Y?”. Estas letras fazem parte do mundo, existem muitos nomes próprios em que estas letras são usadas. Então, coerentemente, precisam fazer parte do referencial do alfabeto.

Outra questão importante: não adianta ter o referencial e não usar, pois ele tem o objetivo de fornecer matéria-prima para ajudar na construção do pensamento, no estabelecimento de relações. O GEEMPA sugere que se troque muitas vezes este referencial ao longo do tempo de ensino e de aprendizagem da leitura e da escrita, porque quanto mais referenciais diferentes houver na sala de aula, mais matéria-prima para o pensamento estará

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fornecendo o/a professor/a. É o espírito da novidade. Isso raramente acontece. O mais freqüente é a existência de um referencial, sempre o mesmo, usado ao longo dos anos, muitas vezes, faltando letras ou com algumas caindo.

Os crachás também têm o objetivo de fornecer matéria-prima para o pensamento sobre como se escreve e como se lê. Não são “apenas” para que o/a professor/a memorize o nome dos alunos e alunas. Portanto, devem fazer parte do ambiente alfabetizador diariamente, ao longo do processo de alfabetização, dure quanto durar (ano, semestre, meses) e precisa ser estimulado o seu uso com sentido e significado. Ao manifestar o desejo de escrever determinada palavra, questionando o/a professor/a sobre como pode fazê-lo, pode ser convidado a pensar em outras palavras que iniciam com o mesmo som, ou que nomes de colegas na sala começam com este som? Sugerindo, assim, a possibilidade de buscar no crachá do/a colega a resposta para a solução do seu problema.

Desta forma, é importante que o/a professor/a desenvolva estratégias do uso diário dos crachás, desde as já sugeridas (distribuição variada) até outras que a criatividade permitir. O que é importante é ter claro o objetivo do uso dos crachás nas classes de alfabetização de jovens e adultos/as. É importante que os alunos e alunas saibam repetir oralmente os nomes uns/as dos/as outros/as, bem como o do/a professor/a. E saibam que estes podem ser utilizados como um repertório de palavras estáveis que possibilitam o estabelecimento de relações para a construção de outras palavras diferentes. Para isso, também devem ser desenvolvidas estratégias, não unicamente com os crachás.

Outros materiais também podem (e devem) fazer parte do ambiente alfabetizador: cartazes, jornal mural. Porém, é importante destacar que estes materiais precisam ser significativos, ser usados como matéria-prima de construção de pensamento sobre a leitura e a escrita. Não basta encher a sala de aula de portadores de textos diferenciados, é preciso saber para que servem e usá-los como base para a construção de novos e diferentes conhecimentos.

Apenas incorporar a idéia de um ambiente alfabetizador, sem promover a reflexão crítica do que isso significa, tem feito com que alguns/as professores/as tragam para a sala de aula diferentes portadores de textos sem saber o que fazer, como investir de significado estes materiais. Não é suficiente trazer estes materiais para a sala de aula. É preciso transformar a sala de aula em um ambiente alfabetizador, onde se incluem os materiais de leitura. Para isso, é necessário que as pautas docentes considerem intervenções no sentido de provocar múltiplas interações com os materiais expostos, propondo situações de uso da linguagem escrita, significando e explicitando a relevância deste objeto.

Neste contexto, o ambiente alfabetizador construído pelos sujeitos atuantes no processo de aprendizagem da leitura e da escrita é componente importante do clima motivacional propício para a aprendizagem da leitura e da escrita. Além deste, é preciso considerar a necessidade de explicitar, no primeiro dia de aula, de maneira geral, e nos outros dias, de maneira específica, o que se pretende realizar naquele espaço de ensino e de aprendizagem, por que se pretende fazer isto, para que, ou seja, onde se pretende chegar e como serão realizadas as ações. A partir disso é que se estabelece o contrato pedagógico, que considera também o acolhimento dos/as aprendizes e suas hipóteses já construídas e a mobilização para a aprendizagem.

5.1.6 A Elaboração do Contrato Pedagógico, Acolhimento e Mobilização para