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2.3. O ESTADO E A EDUCAÇÃO: OS PROJETOS EM DISPUTA

2.3.4. A EMANCIPAÇÃO E A REGULAÇÃO: O CAMPO DA TENSÃO

Todos os elementos identificados como tensionadores na disputa dos projetos de universidade têm como campo epistemológico a regulação e a emancipação e como campo ontológico as crises no interior das universidades.

A partir das transformações na ordem de produção do conhecimento, as universidades são levadas a condições de crise que se manifestam na sua relação com a sociedade e o Estado, sob a ótica do mundo globalizado. A partir desses tensionamentos, Santos (2008, p. 190) destaca uma tripla crise na universidade, denominadas “crise de hegemonia”, “legitimidade” e “institucional”.

A crise de hegemonia diz respeito à produção do conhecimento, uma universidade voltada para atender às demandas de mercado e à cultura das massas. Esta crise evidencia os tensionamentos entre alta-cultura e cultura popular, educação e trabalho, teoria e prática, produção do saber e a demanda de mercado.

A crise da legitimidade diz respeito à relação universidade/sociedade, ao questionamento sobre os objetivos do conhecimento produzido pela universidade e sua utilidade para a sociedade. E a crise institucional é decorrente da estrutura organizacional e da autonomia da universidade.

O autor ainda destaca que “a crise de hegemonia é mais ampla porque nela está em causa a exclusividade dos conhecimentos que a universidade produz e transmite. É também aquela cujos factores condicionantes têm maior profundidade histórica” (SANTOS, 2008, p.192). Ele aponta como estratégia o enfrentamento das crises, em razão do processo de globalização, uma globalização alternativa.

O único modo eficaz e emancipatório de enfrentar a globalização neoliberal e contrapor-lhe uma globalização alternativa, uma globalização contra- hegemônica. Globalização contra-hegemônica da universidade enquanto bem público significa especificamente o seguinte: reformas nacionais da universidade pública devem refletir um projeto de país centrado em escolhas políticas que qualifiquem a inserção do país em contextos de produção e de distribuição de conhecimentos cada vez mais transnacionalizados e cada vez mais polarizados entre processos contraditórios de transnacionalização, a globalização neoliberal e a globalização contra-hegemônica (SANTOS 2005, p. 55).

E, nesse sentido, Santos afirma a necessidade de um amplo contrato social/educacional, entendendo este como um bem público, tendo como diretrizes a democratização da universidade como forma de responder positivamente às demandas de inclusão social e de seus saberes. Aponta ainda que “há espaço para articulações nacionais e globais baseadas na reciprocidade e benefício mútuo que , no caso da universidade, recuperam e ampliam formas de internacionalismos de longa duração” (SANTOS, 2005, p.56).

No contrato social que ocorre entre as forças regulatórias e emancipatórias podemos identificar pontos de conflitos e disputas que se encontram em embate no interior das universidades.

As forças emancipatórias são as que se colocam em favor da ampliação do contrato social, já as forças regulatórias lutam pela manutenção dos limites decorrentes desse contrato para a manutenção das estruturas de exploração e submissão. O conhecimento emancipador não pode desprezar a técnica e deve construir uma base ideológica para a produção numa perspectiva mais humana, cidadã e contra-hegemônica. A emancipação está ligada a ideia de dignidade humana e o conhecimento emancipador aquele que está construído na reciprocidade entre os sujeitos, onde a democracia e a cidadania são bases do fazer.

A ação emancipatória torna-se efetiva quando articula a teoria, a reflexão analítica, com a ação consistente, metódica, politicamente determinada com a intencionalidade positiva. Chamamos de emancipatória a perspectiva e prospectiva que visa produzir autonomia crítica, cultural e simbólica, esclarecimento científico, libertação de toda forma de alienação e erro, de

toda submissão, engodo falácia ou pensamento colonizado, incapaz de esclarecer os processos materiais, culturais e políticos. Ao mesmo tempo em que liberta aponta que emancipação significa também, a prática da autonomia ética, o ideal e propósito de construir valores que justifiquem nossas condutas morais, indica ainda a responsabilidade social pelas escolhas e opções que fazemos, até constituir-se num ideal de elevação estética. De cultivo de ideais justos e carregados de generosa identificação com o que é bom, o belo, o adequado, o ideal de realização estética para todos. Por fim, emancipação significa coerência, autonomia, convicção e liberdade política, a constituir-se em grupos e comunidades de pessoas esclarecidas pela ciência e motivadas pelos ideais e virtudes coletivas (NUNES, 2003, p. 35).

A regulação, como um conhecimento, diz respeito à racionalidade cognitiva, ao desenvolvimento da técnica, quase sempre voltada para as demandas de mercado, a um saber dominado pela comunidade científica, de ordem instrumental. Neste tipo de conhecimento, o sujeito é tratado como objeto da produção do conhecimento e não participa de sua elaboração como um protagonista desse processo de produção.

Para Santos (2007b, p.247), a disputa pela hegemonia ocorre no senso comum e o pensamento emancipatório e o conhecimento emancipador são elementos tensionadores desse senso comum, gerando uma apropriação por este do conhecimento científico, a fim de transformar o conhecimento científico num novo senso comum, num senso comum emancipatório.

Ao analisar esse embate que se dá no senso comum, vê-se que as transformações ocorrem a partir do novo patamar de senso comum que se estabelece na sociedade civil, pela apropriação por ela dos conhecimentos científicos, e isso municia os sujeitos para a disputa pela hegemonia. Para tanto, é necessário promover o encontro entre os saberes, o científico e o senso comum, para que haja a ressignificação dos valores sociais de cidadania.

As Instituições de Educação Superior (IES), na busca por atender às demandas de produção e socialização dos conhecimentos exigidos pelo contexto atual, são conduzidas a redimensionarem seu papel social, enfrentando o desafio de, ao mesmo tempo em que são atores sociais, compreenderem e desvendarem os meandros de suas relações e, ainda, constituírem-se em instituições que possam criar e exercer uma pedagogia que possibilite à educação assumir cada vez mais sua dimensão de cidadania, ampliando os espaços de participação social, produtiva e política dos educandos (SANCHES; RAPHAEL, 2006, p. 104).

A relação entre regulação e emancipação tem na história uma base fundada em múltiplos fatores que fortalecem a primeira em detrimento da segunda, há um processo de absorção da emancipação pela regulação, fruto do não cumprimento pela primeira das

promessas de “uma sociedade mais justa e livre”, essa absorção se dá como “fruto da hipercientificização da emancipação combinada com a hipermercadorização da regulação.” (SANTOS, 2007b, p.57), o que gera a neutralização das transformações sociais mais profundas. A redução da emancipação moderna à racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e a redução da regulação ao princípio de mercado são causas dessa absorção, o pilar da emancipação deixou de representar a si mesmo para reproduzir o pilar da regulação.

A avaliação institucional no campo da política de educação superior constitui-se uma frente de expressivos conflitos entre a regulação e a emancipação, nesse sentido, a hipercientificização da emancipação e a hipermercadorização da regulação se manifestam nos diferentes objetos de avaliação, quais sejam: as instituições, o corpo docente e o discente, as políticas educacionais, os programas e projetos; bem como nas diversas vertentes para sua categorização e conceituação: os objetivos da avaliação, a regularidade da avaliação, sistemas de referências, protagonistas e os próprios objetos da avaliação.

Diante desta diversidade de objetos e vertentes, a avaliação institucional passa a apresentar significados diversos no campo político pedagógico, político administrativo e político social, não podendo prescindir de uma produção de base processual e investigativa, mas dentro de uma intencionalidade que se funda no sentido ético, filosófico, ideológico e econômico de sua institucionalidade. Tais significações remetem a diferentes concepções da avaliação institucional, que ora divergem ou se complementam.

A avaliação sob a perspectiva de controle tem se constituído um instrumento a serviço da concepção neoliberal de Estado, onde o Estado adota a função de regular o modelo universitário a partir da determinação de padrões de produtividade sob a lógica de mercado, e que utiliza as estratégias de premiar e punir as instituições avaliadas.

Catani et al. (2002, p. 100) afirmam que existem duas tendências opostas que balizam a avaliação, uma que tem a finalidade de regulação e controle, centrado em instrumentos estandardizados, e outra de caráter emancipatório que promove a compreensão e o desenvolvimento institucional. A primeira enfatiza os resultados e os produtos, fortalecendo a perspectiva do Estado avaliador e a segunda toma a avaliação com um caráter formativo, buscando a melhoria da instituição e dos processos de gestão e respeitando a autonomia dos atores envolvidos.

Na perspectiva emancipatória, a avaliação supera o papel de controle da eficiência e promove o envolvimento autônomo e democrático dos atores acadêmicos e a consciência

destes sobre as diversas realidades institucionais e do trabalho, que conduzem ao desenvolvimento institucional sob bases mais autônomas.

Esses aspectos teóricos nos permitem compreender as diferentes concepções de avaliação, que permeiam os projetos de universidade em disputa, os quais serão apresentados no capítulo que se segue, bem como as tensões que os constituem.

CAPÍTULO II – AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: MODELOS