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A ENERGIA ELÉTRICA E O NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO

Em 1912 foi criado o conglomerado Brazilian Traction, Light and Power Co. (Light), com atuação nas principais regiões metropolitanas do país, São Paulo e Rio de Janeiro, cujo objetivo era "consolidar as três empresas do grupo de acionistas que já operavam no Brasil." E, já na década de 1920, tinha absorvido concessionárias menores na região do Vale do Paraíba, com vistas à integração das duas regiões metropolitanas. Ao mesmo tempo em que a norte-americana American & Foreing Power Co. (Amforp), que já operava na América Central, "constituiu uma holding local para coordenar operações no Brasil, denominada Empresas Elétricas Brasileiras." Que a partir de 1927 adquiriu empresas no interior de São Paulo, Rio de Janeiro e nas capitais dos estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e em mais outros cinco estados. (BASTOS, 2012, p.275).

Os contratos dessas empresas com os estados e municípios previam a correção média de 50% das tarifas pela variação cambial. Era a chamada cláusula-ouro, que protegia a rentabilidade dessas concessionárias em moeda internacional forte. Desconsiderando o estatuto legal federal de 1904 que determinava revisões de tarifas a cada cinco anos. As vantagens óbvias decorrentes da prestação desses serviços podem ser constatadas, segundo o economista Pedro Paulo Z. Bastos, pela série histórica das tarifas da Light, indicando que, unicamente com as receitas obtidas com as tarifas, a referida empresa era capaz de financiar integralmente a construção de usinas e linhas de transmissão, fazer remessas de lucros, sem necessitar de aportes externos, "pelo menos até que a escala de demanda de energia do mercado brasileiro assumisse novo patamar pós-Segunda Guerra Mundial." (CASTRO apud BASTOS, 2012, p.275).

A situação se alterou com a promulgação do Código das Águas, de 1934, no governo de Getúlio Vargas, quando ficou estabelecida uma série de disposições quanto à concessão, o uso dos cursos e quedas d'água, e a remuneração "justa" das empresas, que seria determinada pelo levantamento dos investimentos feitos por esta até o momento do inventário, quando então seria determinada “uma taxa de lucro anual ‘justa’ que remunerasse a empresa, com a cobrança de tarifas de acordo com o ‘lucro do serviço’ que prestava.” (BASTOS, 2⃰12, p.275).

Todavia, Bastos afirma que as medidas de cunho nacionalistas do referido Código não tiveram efeito prático. Basicamente por dois motivos: a falta de regulamentação do Código em lei, o que ocorreu somente em 1950, e pelo desinteresse e carência de recursos do empresariado nacional para fazer frente aos desafios do setor de energia elétrica na escala necessária. Com o agravante de ter servido de pretexto aos monopólios estrangeiros do setor, que se disseram impedidos legalmente para expandir a oferta dos serviços de energia a preços baratos. O que teria levado ao estabelecimento da crise energética do início dos anos 1950. Argumentação que foi ratificada pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos, em 1954. Mas, refutados pelos defensores da intervenção estatal, que acusaram os monopólios do setor de energia elétrica de querer rentabilidade em dólar, o que, obviamente, não era previsto nos contratos desses serviços. (BASTOS, 2012, p.277-278).

Apesar de alguma ameaça jurídica à rentabilidade das empresas, efetivamente não houve redução de tarifas. Bastos pondera ainda a possibilidade de que a crise de oferta de energia, dos racionamentos e ‘apagões’ do início dos anos 195⃰ tenham suas origens na dificuldade em manter a remuneração elevada em dólares, com a extinção da cláusula-ouro em 1933. A exemplo da política praticada por Franklin Roosevelt, no New Deal. (BASTOS, 2012, p.278-279).

Em outras palavras, a política para o setor elétrico no primeiro governo Vargas, 1930- 1945 não conseguiu avançar na fiscalização da rentabilidade das empresas e nem na expansão da oferta de energia elétrica. Fato que o economista Pedro Paulo Z. Bastos relaciona com uma possível hierarquia de prioridades deste governo em que o problema da eletricidade cara, mas abundante nos principais centros industriais do país na década de 1930, tenha sido preterido pelo setor siderúrgico. (BASTOS, 2012, p.279-280).

Os anos 1950 refletiram as duas décadas anteriores de crescimento industrial e urbano que não foram acompanhados pela oferta de energia elétrica. Diante desse contexto o segundo governo Vargas, em Mensagem Presidencial de 1951, “propunha que o governo federal assumisse a responsabilidade direta de construção de sistemas elétricos, apoiando também as iniciativas estaduais que tinham se antecipado à ausência de interesse privado.” (BASTOS, 2012, p.280).

Vargas acreditava que conseguiria financiamento externo junto às fontes de capitais públicos, como o Eximbank, o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento e o FMI. Visto que o Brasil estava incluído no programa denominado “Ponto IV” que previa “a assistência do governo norte-americano às regiões economicamente subdesenvolvidas”. Mas,

o financiamento desse programa estatizante demandava “cooperação internacional”, pela “barganha de recursos transferidos junto ao Banco Mundial”. (VARGAS apud BASTOS, 2012, p.282; BASTOS, 2012, p.281).

O governo brasileiro se deparou, então, com uma situação diferente do da construção do setor siderúrgico. A regra para liberação de empréstimos no Banco Mundial passava agora pela “influência desproporcional dos representantes norte-americanos no Banco Mundial.” Cuja doutrina era a de que seus empréstimos deveriam “pavimentar o caminho para que novos investimentos privados pudessem ser realizados.”(MASON; ASHER, apud BASTOS, 2012, p.282).

Diante desse cenário, o programa nacionalizante para o setor elétrico tornara-se inexequível, por falta de cooperação internacional e pelo desinteresse do empresariado nacional. Além de que os empreendimentos estatais concorriam com projetos privados da

Light e da Anforp, monopólios internacionais com grande participação de acionistas norte-

americanos.

O Departamento de Estado norte-americano estava ciente dessa situação no início dos anos 1950 e aconselhara o atendimento de financiamento a Anforp com vistas a minimizar as críticas e a melhoria dos serviços dessa empresa. Assim descrito no National Archives22, (NA

832.2614/11-7-51) segundo Bastos (2012, p.285):

Em vista da crescente agitação política no Brasil para a estatização do ramo de energia, é muito importante não aumentar os problemas desse capital americano (considerado o maior do Brasil) por meio de qualquer ação que tenda a atrasar a conclusão do seu programa atual. (BASTOS, 2012, p. 285).

Pedro Paulo Z. Bastos observa ainda que dentro desse quadro de cautela compartilhada entre a diplomacia norte-americana e o Banco Mundial está a solicitação do governo do Rio Grande do Sul para financiamento do plano de eletrificação do Estado, no início dos anos 1950. Solicitação que somente foi aceita após opinião oficial do responsável do Banco Mundial e relatada pelo cônsul norte-americano à direção do Banco, de que os projetos do governo rio-grandense serviriam para minorar a insatisfação “popular com a falta de energia elétrica e poderiam até aumentar a rentabilidade da filial estrangeira no setor de distribuição (antecipando o modelo que se consolidaria alguns anos depois no resto do Brasil)”. (BASTOS, 2⃰12, p. 287).

O aspecto revelador da estratégia para a “sobrevivência da filial estrangeira” na opinião do responsável do Banco Mundial relatado pelo cônsul norte-americano em Porto Alegre era de que:

A franquia está programada pra fechar em sete anos, mas ainda estará em condições de seguir operando, particularmente porque é a única empresa que tem linhas de distribuição em Porto Alegre. Pelo menos um quadro profissional da BIRD comentou que ele, pessoalmente, não vê como um empréstimo par a CEEE poderia prejudicar a Ceerg de alguma maneira. Ele sustenta que a usina de geração da Ceerg é ineficiente [...], mas que a empresa tem um investimento valioso nesse sistema de distribuição. Ele afirma que é com essa usina ineficiente da Ceerg que eles devem estar lucrando, e não com a geração, portanto, se a usina a vapor for usada não fará muita diferença financeiramente. Ele também afirma que se a CEEE não for capaz de abastecer a cidade até 1962, 1963, ou 1964, em vez de 1957 ou 1958, haverá muito mais pressão e mal-estar para a Ceerg. (NA 832.2614/12-1351 apud BASTOS 2012, p.288).

O jogo político do Departamento de Estado norte-americano e das instituições de crédito e cooperação: Banco Mundial e Eximbank, juntamente com a Comissão Mista Brasil- Estados Unidos, demonstrava claramente a sua contrariedade às iniciativas estatizantes de Vargas. Que mais tarde se tornaram impositivas, com a ruptura unilateral da cooperação para o financiamento de programas estatais, quando o general Dwight D. Eisenhower, republicano que assumiu o governo dos Estados Unidos, entre os anos 1953-1961, prometendo fazer uma 'cruzada' contra o comunismo. Esse cenário foi determinante para que o presidente do Brasil e sua equipe, comandada por Jesus Soares Pereira, criassem mecanismos internos para angariar recursos, cuja principal ação data de março/abril de 1953, com a criação do primeiro dos quatro projetos de lei, que iria reformular o setor elétrico no país. O Fundo de Eletrificação, enviado ao Congresso em maio de 1953, foi aprovado em 31 de agosto de 1954, alguns dias após o suicídio de Vargas. Bastos pondera, inclusive, que esse episódio trágico poderia ter contribuído para superar as oposições ao programa de nacionalização do setor elétrico. (BASTOS, 2012, p.291).