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Acreditamos que as encampações da CEERG e da ITT significaram um divisor de águas na gestão pública regional e nacional, pelo processo que desencadearam ao alertar para os limites da abertura e das concessões ao capital internacional. Feitas sem um projeto global para a economia nacional, que incluíssem a transferência de tecnologia e o controle de inversões e de remessa de lucros pelas empresas. E, também, porque as encampações representaram o que Bielschowsky denominou de "desenvolvimento reformista". Um novo ciclo ideológico que foi marcado pela formação do que Campos (2014) chamou de "complexo nacional-popular". (BIELSCHOWSKY, 2000).

Por outro lado, a estatização das subsidiárias norte-americanas pelo governo Leonel Brizola desnudou a estratégia do modelo dos Investimentos Diretos Externos - IDEs. A participação do capital associado e o jogo político do Departamento de Estado norte- americano, que consignou a liberação de novas linhas de crédito para o Brasil ao pagamento dos valores reclamados pela Bond and Share e pela ITT, a título de (nova)indenização. Ignorando, de forma arbitrária a legislação brasileira, assim como a sentença do Poder Judiciário do país. Tendo enviado, inclusive, o secretário de Justiça, e irmão do presidente norte-americano, Robert Kennedy, ao Brasil em visita de inspeção, em que teria feito exigências percebidas como "virtuais ultimatos" ao governo Goulart. (SCHILLING, 1979, p. 268; BANDEIRA, 1977, p.82-87).

No que diz respeito a CEERG, ficou demonstrado pela análise de Pedro Paulo Z. Bastos, a partir de documentos do National Archives (NA 832.2614/12-1351), que a franquia estava programada pra fechar em sete anos (no término do contrato, em 1959) e que seus objetivos a partir de então eram apenas o de tirar vantagem, ao máximo, daquela situação. Não havendo, declaradamente, o mínimo interesse em investimentos que pudessem minimizar o problema da geração e da distribuição de energia elétrica no estado sulino. Informações que reforçam o acerto da medida tomada pelo governo Brizola em estatizar a referida empresa.

Pelo exposto, acreditamos que as encampações da Bond and Share e da ITT denunciaram o esgotamento de um modelo político, econômico, social e cultural que já 'fazia água', pela sua incapacidade de atender o aumento da demanda e, como ficou demonstrado, pelas divergências entre o interesse público e o interesse privado dos trustes internacionais. O que também era incompatível com a ideia de soberania nacional. Representaram ainda uma iniciativa decisiva para a aprovação da Lei 4.131, de três de setembro de 1962, avanço significativo na regulamentação das remessas de lucros para o exterior pelas empresas estrangeiras e pelo capital associado. De acordo com uma nova visão de gestão pública e de política econômica e social. Mas, alterada pelo governo Castelo Branco, que eliminou sua essência: limitação de lucro e identificação do lucro excedente como capital nacional, através da Lei nº 4.390, de 29 de agosto de 1964. (VIANA, 1980, p. 180).

5 O EPISÓDIO DA LEGALIDADE

A ação política nunca perde sua natureza de arte por mais que se fundamente em conhecimentos teorizados. Arte significa, no caso, a relação criativa com os homens, os movimentos sociais e as instituições. Que não se aprende nos livros, pois deve ser vivenciada e intuitiva.

(Jacob Gorender) A liderança exercida por Leonel de Moura Brizola foi fundamental para conter o golpe de Estado perpetrado pelos três ministros militares: da Guerra, Odílio Denys, da Marinha, Sílvio Heck e da Aeronáutica, Gabriel Grün Moss. O vice-presidente, João Belchior Marques Goulart, foi impedido de assumir, em decorrência da renúncia do então presidente, Jânio da Silva Quadros, em 25 de agosto de 1961, sob a acusação de animar, influenciar e apoiar manifestações grevistas e por sua “incontida admiração” ao regime político da China e da União Soviética. O que, na visão dos três ministros militares, teria ficado evidente a partir da sua viagem, como representante oficial àquelas nações. Questionado pelo deputado Ruy Ramos (PTB), um dia após a renúncia de Jânio, sobre os rumores de um possível veto dos ministros militares à posse de Jango, o marechal Odílio Denys, ministro da guerra respondeu que “o vice-presidente João Goulart não assumiria o comando do país. Se pisasse em solo brasileiro, seria imediatamente preso.” Decisão que Ramos comunicou a Brizola, por volta do meio-dia de sábado, 26 de agosto de 1961.Informação que seria confirmada mais tarde pelo marechal Henrique Teixeira Lott, através de uma ligação telefônica feita ao governador rio- grandense. Segundo o jornalista Flávio Tavares, Lott teria informado Leonel Brizola da tentativa que fizera de demover seu colega militar de praticar tal violência, sem obter resultado. (KUHN, 2004, p.40; TAVARES, 2012, p. 19-20).

Entendemos que esse fato histórico merece um maior aprofundamento, visto tratar-se de uma ação de extrema relevância no desfecho dos acontecimentos de 1º de abril de1964, quando o país mergulhou numa ditadura civil-militar, ou como sugere René Armand Dreifuss, ditadura empresarial-militar, de vinte e um anos, causando, talvez, o maior retrocesso político-social da história recente do país. (DREIFUSS, 1981).

As questões que nos propomos analisar no presente capítulo dizem respeito, primeiramente, aos motivos da impugnação intempestiva e violenta dos três ministros militares à posse do vice-presidente, João Goulart. Fato que deixa transparecer a possível existência de um projeto político, ou empresarial-militar, que teria sido rompido com a renúncia do presidente Jânio da Silva Quadros e que a posse do vice-presidente dificultaria ou

inviabilizaria. Ao mesmo tempo, buscamos interpretar a estratégia utilizada pelo governador Leonel Brizola, para conter e frustrar o referido golpe militar. Em seguida, examinaremos os motivos pelos quais, após o referido golpe e a sua neutralização pela ação conjunta de Brizola e da anuência de Goulart ao parlamentarismo, o governador do Rio Grande do Sul ficou de fora do grupo de lideranças do governo central. Efetivamente, ele não ocupou ministério algum, tão pouco teve ingerência no comando e nas decisões do governo central. Entretanto, a partir do episódio da Legalidade, Brizola tornou-se uma liderança inquestionável da política nacional. Fato que não condiz com o papel de coadjuvante que o novo governo lhe reservou, num primeiro momento. Mais, ainda: uma vez neutralizado o golpe perpetrado pelos três ministros militares em agosto de 1961 e recuperada a “normalidade” da ordem institucional, seus responsáveis não foram submetidos às sanções penais previstas em Lei. Afinal, houve grave agressão aos preceitos constitucionais. Além do que foram mobilizadas forças militares e civis, com custos financeiros e econômicos, gerando pânico na população e prisões ilegais de cidadãos. Com base nesse entendimento, o episódio da Legalidade pôs em evidência toda a fragilidade e subserviência do sistema político nacional aos interesses (forças) de grupos internos e externos do período. Trata-se, portanto, de questões pendentes, que nos propomos a examinar no presente capítulo.

Faremos primeiramente uma síntese do contexto dos anos 1930 a 1960, nos aspectos relacionados à crise do modelo oligárquico-exportador latino-americano e nacional; seus obstáculos ao desenvolvimento interno dos países ibero-americanos; as tentativas de integrar as várias classes sociais, a partir da superação da crise dos anos 1930. Solução burguesa, que segundo o historiador e professor Luiz Fernando Silva Prado, foi protagonizada por um novo modelo de Estado, o Estado de colaboração nacional, como forma de superar o modelo oligárquico; a formação das oposições e os projetos de integração das classes populares. Crise que, ainda segundo o mesmo autor, se manifestou a partir da consolidação de novos seguimentos sociais, através da industrialização, da urbanização e de uma nova cultura política associada às mudanças internacionais do período, assim como também, as possíveis convergências desse cenário com o contexto nacional e regional do período. (PRADO, 2004).