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Darcy Ribeiro, ao se referir a Brizola em uma entrevista, destacou a capacidade desenvolvida pelo líder trabalhista de “ler” pessoas. Atributo que talvez tenha se desenvolvido pela necessidade de conviver, de se relacionar, de sobreviver e de superar as adversidades que teve de enfrentar, ainda criança. Habilidades intrínsecas do animal político, que precisa ser persuasivo, convincente, observador, intuitivo. Peculiaridade que, possivelmente, lhe valeu

para perceber o que estava sendo arquitetado pelos golpistas e de organizar a reação. Quando a sua assessoria havia concluído, como referido acima: "que não havia nada a fazer" diante da ocupação do poder pelos ministros militares." E, a decisão de enfrentá-la, um suicídio. O governador surpreende a todos, ao decidir enfrentar os golpistas. (SCHILLING, 1979, p.220- 221).

Seja como for, o fato é que os relatos do seu protagonismo no episódio da Legalidade, obriga-nos a inquirir: por que Brizola não obteve o reconhecimento do seu empenho e liderança pelo governo de João Goulart? Pois, após o golpe de Estado de 1961, e a sua neutralização pela ação de Brizola, o governador do Rio Grande do Sul teria ficado de fora do grupo de lideranças do governo central. Não ocupou ministério algum ou teve ingerência no comando e nas decisões do governo central. A partir do episódio da Legalidade, Brizola se tornara uma figura destacada da política nacional, passando “a competir pela liderança do PTB em âmbito nacional, atuando nessa perspectiva e sendo avaliado pelos demais contendores (dentro e fora do PTB) também com essa perspectiva.” Não houve reconhecimento dessa liderança nacional, por parte do governo João Goulart. (CÁNEPA, 2005, p. 263).

Antes do golpe de 1961, o governador do Rio Grande do Sul já vinha demonstrando um tipo de gestão pública diferenciada, que lhe valeu declarações, como as do então presidente Jânio Quadros, que teria declarado, em visita ao estado, durante a Festa da Uva, em Caxias do Sul: “Se tivesse dois ou três governadores como Brizola, o Brasil estaria salvo (...).” (SILVA, J., 2014, p.31).

Após a Campanha da Legalidade, com o estabelecimento do sistema parlamentarista, o governo recém-empossado de João Goulart, segundo o economista Cássio Silva Moreira teria iniciado com um ministério conservador. O primeiro-ministro Tancredo Neves nomeou para a pasta da Fazenda o banqueiro Walter Moreira Salles, que teria adotado um receituário ortodoxo de combate à inflação através do Plano “Ação Emergencial”, que tinha como meta o controle do déficit público e o equilíbrio no balanço de pagamentos. Medidas de austeridade que visavam “ganhar credibilidade interna e externa. Para acalmar os ânimos, o governo adotou como prioridade, no curto prazo, o combate à inflação.” O que justificaria, num primeiro momento, a exclusão do nome de Brizola para essa formação inicial do gabinete de Tancredo Neves, na perspectiva de acalmar os conservadores. Na fase seguinte, com Miguel Calmon no lugar de Moreira Salles, a partir de setembro de 1962, a política econômica tornara-se “mais flexível e tolerante com a inflação.” Simultaneamente os discursos de

Goulart passaram a destacar a necessidade das reformas estruturais, como prioritárias para a retomada do crescimento. E, para vencer a paralisia do país, atribuída ao sistema parlamentarista, propôs a antecipação do plebiscito, para o retorno do sistema presidencialista. Posição defendida também por Brizola desde a aprovação da emenda parlamentarista. Mas, o posicionamento e as críticas do governador rio-grandense à alternativa parlamentarista lhe valeram forte oposição das lideranças políticas conservadoras que lhe acusavam de representar o comando da chamada esquerda negativa. (MOREIRA 2011, p.108).

Diante do quadro descrito percebemos a incompatibilidade das estratégias dos atores centrais desse jogo político. Todavia, Brizola enxergava o momento como propício ao embate e à radicalização, a partir da experiência da primeira fase de seu governo. Quando teria tomado consciência da profundidade da crise em que se encontrava o Rio Grande do Sul e as causas estruturais dessa crise. Mercedes Cánepa lembra ainda que, além das críticas à política econômica de JK, Brizola denunciara as restrições sofridas pela sua gestão, após a encampação dos serviços de eletricidade em Porto Alegre e Canoas explorados pela CEERG. A encampação da distribuidora provocara a reação do governo dos Estados Unidos e o pronto telefonema do presidente Juscelino Kubitschek, pedindo explicações ao governador rio- grandense, sobre o “ato intempestivo.” Brizola reagiu de foram eficaz através de um duro comunicado:

Para mim, nada existe de mais impatriótico, do que pretender entorpecer o progresso de um Estado, pela simples razão de ter seu Governo agido legalmente contra a ação perniciosa do capital explorador estrangeiro. No caso da "Bond and Share" não havia nenhuma escolha para um Governo que desejasse realmente cumprir com seu dever, senão tomar os serviços pessimamente explorados pelo truste internacional." (BRIZOLA in OLIVEIRA, F. apud CANEPÁ, 2005, p.267).

A decisão foi característica da trajetória política do governador rio-grandense, reconhecida até mesmo pelos seus opositores. A exemplo da entrevista ao jornal Zero Hora, em 2001, o coronel Álcio da Costa e Silva, chefe do serviço de comunicação do Quartel- General do III Exército, em Porto Alegre, teria dito ao jornal Zero Hora, em 2001, sobre a crise de 1961, segundo Dione Kuhn (2004, p.90-91) ao afirmar que: “(...) o governador Brizola, verdade seja dita, é um homem de peito. Ele estava disposto a tudo. Tanto que na época ele montou uma operação com a presteza que poucos militares teriam.” E segue: “Convocou voluntários, fez banco de sangue, fez o diabo.” (KUHN, 2⃰⃰4, p.9⃰-91).

Em 1961, Leonel Brizola teve a percepção ou a intuição do momento histórico e teria advertido João Goulart da necessidade de eliminar o mal pela raiz. Os golpistas deveriam ser

liquidados para que não retornassem. Observa o jornalista Flávio Tavares, espectador privilegiado daqueles acontecimentos. (TAVARES, 2012, p.181).

Intuição que era procedente, se tomarmos por verdadeiras as declarações do general Olympio Mourão Filho, sobre a conspiração protagonizada pelo referido general, quando servia em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Segundo relata Hélio Silva, em: "A verdade de um revolucionário" e "O diário de Mourão". Conspiração golpista que teria ocorrido ainda durante o governo Brizola, qualificado pelo militar de “vasta e perigosa conspiração contra o regime.” Relata Mourão Filho que, ao chegar a Santa Maria articulou contatos com Saint Pastoux, presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul – FARSUL. Teria feito o mesmo com o “presidente da Federação das Associações Comerciais; com o engenheiro Ildo Meneghetti, então candidato ao governo do Rio Grande, cuja eleição era vista por Mourão como “importantíssima”; com o coronel Peracchi Barcelos e outros numerosos personagens de importância no Rio Grande do Sul.” Nesse cenário, seu plano, denominado de “Operação Junção”, propunha derrubar o governo de Leonel Brizola e prender o general Jair Dantas Ribeiro, comandante do 3º Exército. O que não se concretizou. Mourão Filho tria afirmado: “Posso dizer, sem medo de errar, que essa foi a primeira reunião civil-militar, inicio da conspiração contra o governo de João Goulart.” Referia-se a reunião do dia 15 de janeiro de 1962, na qual o general Penha Brasil, a mando de Mourão, convocara ao QG do 3º Exército o doutor Saint Pastoux, presidente da Farsul. (SILVA, H. 2014, p.166-169).