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REVOLUÇÃO DE 1930: A QUESTÃO SOCIAL DEIXA DE SER "QUESTÃO DE

Na opinião da historiadora Ângela de Castro Gomes, é de Azevedo Amaral a melhor análise sobre "o real significado político das alternativas existentes em 1930". Quando o autor, nas palavras de Gomes, afirma que a Revolução de 1930 impediu que "o antigo regime oligárquico desmoronasse ante as ameaças crescentes de caos. "Pois, nas palavras de Amaral: "A contemporização entre o regime oligárquico e as expressões cada vez mais acentuadas do

descontentamento popular estava a esgotar seus recursos de protelação da crise." Efeito do

Primeira Guerra. É quando a questão social emergiu de forma concreta, "agravada pela ação deliberada de agitadores profissionais e pela incompreensão dos políticos da velha República." Tratava-se, portanto, de uma crise anunciada que a Revolução de 1930 interrompeu, "preservando o país de uma catástrofe e restaurando a 'personalidade nacional'." Nesse sentido, o evento revolucionário representou um "movimento de libertação da trágica experiência liberal da Primeira República". (GOMES, 2005, p.192-193).

Para o historiador Boris Fausto a Revolução de 1930 representou o nascimento de um novo tipo de Estado. Diferente do Estado oligárquico, "não apenas pela centralização e pelo maior grau de autonomia", mas pela sua composição social e política heterogênea: "militares, técnicos diplomados, os jovens políticos e, um pouco mais tarde, os industriais." Portanto, há uma rotação no comando do Estado que se caracterizou pelo enfraquecimento do poder das oligarquias regionais e pela centralização das decisões políticas e econômico-financeiras, o que não significa afirmar que a "'troca de favores' deixasse de existir. Mas a irradiação agora vinha do centro par a periferia, e não da periferia para o centro." (FAUSTO, 1999, p.326- 327).

Segundo Boris Fausto o novo Estado que emergiu com a Revolução de 1930 se caracterizou, entre outros fatores, por três elementos: 1- pela atuação econômica, voltada gradativamente para os objetivos de promoção da industrialização; 2- pela disposição em dar algum tipo de proteção aos trabalhadores urbanos, através de incorporações classistas determinadas pelo Estado; 3- pelo apoio das Forças Armadas, especialmente do Exército, ao projeto de criação de uma indústria de base e também como fator de garantia da ordem interna. (FAUSTO, 1999, p.327).

Ângela de Castro Gomes afirma que a questão social surgiu como "marca distintiva e legitimadora dos acontecimentos políticos do pós-30." Para a historiadora, a Revolução de 1930 e, principalmente, o estabelecimento do Estado Novo, trouxe uma nova concepção de projeto político, "na medida em que afasta-se das meras preocupações formais com procedimentos e modelos jurídicos, para mergulhar nas profundezas de nossas questões econômicas e sociais." Reconhece ao processo um caráter revolucionário, pois, o tratamento dispensado ao problema da pobreza pelos governos da República Velha fora ode considerá-la "inevitável e até funcional para ordem socioeconômica." (GOMES, 2005, p.197).

2.5 OS DISSIDENTES DA REVOLUÇÃO DE 1930 NÃO ENTENDERAM OS NOVOS TEMPOS?

A Revolução de 1930 gerou uma expectativa junto às elites políticas rio-grandenses de uma virtual condição de intervir nos projetos do governo provisório que se instalara no Palácio Catete. Segundo os historiadores Sandra Jatahy Pesavento, Antônio Manoel Elíbio Jr. e Carlos Roberto da Rosa Rangel as oligarquias gaúchas esperavam assumir uma posição política destacada no cenário nacional, ocupando o lugar dos paulistas. Uma retribuição esperada devido à participação na Revolução e pelo fato de Vargas, um rio-grandense, ocupar o posto político mais alto do país. (PESAVENTO, 1997, p.106; ELÍBIO JÚNIOR 2006, p.67; RANGEL, 2007, p.21).

Carlos Roberto da Rosa Rangel afirma que na década de 1920 as reformas de Artur Bernardes (1922-1926) indicavam um direcionamento do sistema cada vez mais para o presidencialismo e menos para o federalismo. Sob um discurso que retomava os valores liberais do século XIX, mas na prática seus "instrumentos de ação política eram centralizadores e autoritários." A oposição a esse direcionamento, liderada pelos militares reformadores, "gerou mitos e heróis como a Águia de Haia, Os dezoito do forte e o Cavaleiro

da esperança, mas não acrescentou proposta alguma para a participação popular nas decisões

políticas." Os governos de Epitácio Pessoa, (1919-22) e de Washington Luís (1926-30) e de Artur Bernardes, teriam buscado conciliar o liberalismo individualista com o restabelecimento da ordem que era "constantemente ameaçada por movimentos contestadores da década de 20." Como exemplo desse posicionamento Rangel cita a "Lei de Expulsão de Estrangeiros, de 1921, contra os anarquistas, a Lei de Imprensa, de 23, e a dura ofensiva bernardista contra o movimento operário brasileiro." Episódios que se circunscreveram sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo. (RANGEL, 2007, p.18).

No Rio Grande do Sul, nas primeiras três décadas do século XX ocorreram 136 greves de trabalhadores e várias greves gerais, o que revelaria o "alto grau de mobilização do movimento sindical gaúcho à época." As reivindicações dos trabalhadores rio-grandenses, entre outros itens, eram: reajuste salarial; pagamento de salários atrasados; redução da jornada de trabalho para oito horas diárias; melhor ambiente de trabalho; férias e repouso remunerado; regulamentação do trabalho do menor e da mulher; maior liberdade dos trabalhadores dentro das fábricas; autonomia sindical. Algumas dessas greves chegaram a mobilizar milhares de

trabalhadores, mas, suas conquistas restringiram-se a poucas categorias. (PETERSEN; PEDROSO, 2007, p.197).

Os instrumentos centralizadores e autoritários estiveram presentes também na interferência das eleições municipais, com emprego da violência e da fraude e com uso da Brigada Militar pelo governo Borges de Medeiros. Constatações que dão a dimensão da impossibilidade da participação popular nos destinos políticos do estado, nesse período. Segundo Pesavento, somente com a crise representada pela "incapacidade de equacionar satisfatoriamente os problemas que os pecuaristas enfrentavam", como a concorrência interna, a redução dos preços, a diminuição do consumo externo, foi que o governo cedeu espaço político para a oposição, representado pelo Acordo de Pedra Altas, de 1923. (apud RANGEL, 2007, p.19).

Uma nova geração de políticos republicanos, de cuja liderança faziam parte Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, José Antônio Flores da Cunha e Firmino Paim Filho, iniciou uma aproximação com a oposição, em 1926. Sua meta era por termo a divisão política histórica, condição fundamental para que o Rio Grande ganhasse projeção nacional. Estratégia política que se consumou com a formação da Frente Única Gaúcha - FUG, em 1929, e que representava a união dos republicanos e dos libertadores. Ajuste que tinha objetivos práticos. Acima de questões doutrinárias, acreditavam as suas lideranças que "a solução dos maiores problemas estaduais viria de cima, da elite esclarecida, mediante a conquista de postos junto ao governo federal." Portanto, nada acrescentando às formas tradicionais de participação política utilizadas até então. Mantiveram-se as pressões, subornos e coerções, como forma de manter o grupo dirigente no poder. (RANGEL, 2007, p.20).

Cabe destacar que nos dois primeiros anos do Governo Provisório, Getúlio Vargas confiou aos seus conterrâneos mais conhecidos o controle de tabelionatos federais e o comando de ministérios importantes, como o de Viação, Justiça e Fazenda. Porém, já em 1934 restava apenas "um gaúcho no gabinete, acompanhado por dois paulistas e três mineiros." Além das eminências pardas do governo, membros do movimento tenentista: Juarez Távora, João Alberto, o tenente-coronel Góis Monteiro e Osvaldo Aranha, que foram os "responsáveis pelo Pacto de Poços de Caldas, de onde saíram as medidas centralizadoras e autoritárias , como o Código dos Interventores e o Tribunal Revolucionário." (RANGEL, 2007, p.22).

Segundo o historiador Antônio Manoel Elíbio Júnior a redução dos conterrâneos rio- grandenses nos ministérios do Governo Provisório, conhecida como a "crise dos

demissionários gaúchos" se deveu a insatisfação desse grupo com a política centralizadora de

Vargas e sua intransigência em "não ceder espaço na máquina do governo federal" aos rio- grandenses "que ocupavam cargos federais e tentavam torná-los representativos dos interesses da FUG." (LEÍBIO JÚNIOR, 2006, p. 67).

Getúlio Vargas justificou sua posição, em telegrama a Assis Brasil, datado de 17 de março de 1932, nos seguintes termos:

Não fiz política, na acepção comum que se dá entre nós ao vocábulo. (...) Consagrei- me a administrar. Se quisesse desenvolver atividade política nada mais fácil: bastaria abrir o cofre dos favores, seguindo os precedentes. Procurei, assim, governar afastado das influências partidárias. Surgiu a reação política e em consequência os choques entre os próprios elementos revolucionários. Não era intenção minha, afastar do governo a política. Antes queria, passada a hora da trégua, assegurada, com isenção absoluta, o surto de todas as atividades partidárias. Os atos praticados justificavam-se a este critério. A fase até agora decorrida do governo provisório não teve finalidade política. (VARGAS apud ELÍBIO Jr., 2006, p.73).

O autor chama a atenção para os argumentos de Vargas em defesa de uma administração que uma vez "livre das admoestações partidárias e regionais" teria produzido a um "notável resultado." Elíbio Jr. destaca ainda que o referido governo "soube mobilizar recursos suficientemente capazes para livrar o país da estagnação econômica." Constatação compartilhada tanto por liberais quanto autoritários, que defendiam "a solução técnica da organização governamental como única fórmula capaz de criar riqueza e desenvolvimento." Donde deduz o historiador que "se o mal é político, seria fundamental a criação de uma administração pública eficiente e técnica, segundo Vargas, despolitizada." (ELÍBIO JÚNIOR, 2006, p.74).

Para Sandra Pesavento, o rompimento do acordo político entre a FUG e o Governo Provisório se deu em decorrência da alegada morosidade de Vargas no atendimento às reivindicações das lideranças da Frente Única Gaúcha em punir os responsáveis pelo empastelamento do "Diário Carioca", em fevereiro de 1932, "por elementos tenentistas". (PESAVANETO, 1980, p.94).

Mas, a questão central estava na sobrevivência do capitalismo e na conservação das classes dominantes, com a submissão das oligarquias regionais à política do governo central. Visto tratar-se de um contexto econômico de crise mundial, em que o restabelecimento do equilíbrio da economia nacional demandava "corrigir as distorções de a mesma basear-se, quase exclusivamente, na venda de um único produto para o mercado internacional." Nesse sentido, o poder, que até então era exercido diretamente pelas oligarquias foi eliminado mas,

em contrapartida, o Governo Provisório buscou satisfazer suas exigências em nível econômico. (PESAVENTO, 1980, p.87-89).

No que diz respeito ao Rio Grande do Sul, a Revolução não alterou a hegemonia e predominância do setor agropecuário, garantido pelo seu interventor federal, Flores da Cunha, que "cumpria a função básica de regulamentar o funcionamento da sociedade e dar continuidade às relações que conservavam os senhores de terra e gado como classe dominante." (PESAVENTO, 1980, p.91).

Porém, os novos tempos restringiram o poder das oligarquias à manutenção do modelo econômica, apenas. O Governo Provisório, a partir do estabelecimento de uma clara tendência corporativista, tinha como objetivo solucionar a crise econômica brasileira, através da diversificação da economia e da inviabilização do ressurgimento do 'Estado oligárquico'. Ao mesmo tempo em que restringia (ou minimizava) o potencial de luta das "classes dominadas". (PESAVENTO, 1980, p.107).