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Capitulo 5 A ENGENHARIA SOCIAL: Contributo para uma Sociologia Aplicada

5.5 A Engenharia Social em França

5.5.2 A Engenharia social noutros países

A doutrina de Le Play continuaria a ter repercussões na Bélgica, Alemanha, Áustria e Itália onde a Economia Social se confundiria ainda com Engenharia Social, mas viria a ter continuidade, tanto no ensino como na sua aplicação.

O termo social engineers foi adotado pelo industrial Holandês J.C.Van Marken, num ensaio que publicou em 1894. A ideia era a de que os patrões modernos precisavam da ajuda de especialistas para lidarem com os problemas humanos do planeta, tanto quanto precisavam de experts técnicos (engenheiros normais), para lidar com os problemas inorgânicos (materiais, máquinas, etc.) este trabalho foi amplamente divulgado, à época e contribuiu para a disseminação da ideia e da necessidade desta nova profissão.

Nos Estados Unidos a formação de engenheiro social é fundada em 1898 em Nova Iorque, colocando à disposição do industrial um engenheiro que investiga no local as condições para o exercício da indústria, assinalando as medidas a tomar. Em 1899, foi criado um pequeno jornal Social Engineering, relacionado com a caridade e o serviço social, esta perspetiva viria a ser reforçada a partir de 1911 com a publicação do livro The Social

Engineer de Edwin L. Earps (Earp, 1911), muito ligado à caridade, ao serviço social e

imbuído de uma religiosidade cristã radical e dependente da igreja. Esta é uma nova perspetiva que também interessa aqui explorar, para a compreensão cabal deste fenómeno. É interessante e de referir a sua ideologia:

“Nunca houve um tempo como o presente em que a consciência de classe social estivesse tão altamente desenvolvida. Em toda a literatura corrente lemos os produtos desta consciência de classe em discussões de socialismo, capitalismo, sindicalismo, democracia social, conflictos de classe, antagonismo racial, classes sociais, trabalho de mulheres e de crianças, congestão de população, taxas de suicídio, divorcio, jogadores contra o povo, as decisões dos tribunais e o interesse de uma classe, legislação versus o povo (…). O problema dos desempregados está a tornar-se agudo na maioria das grandes cidades do mundo (…). O problema dos bairros das cidades congestionados em crescente miséria é desanimador para o mais otimista dos trabalhadores sociais neste campo, e eles começam a questionar-se se não há algo fundamentalmente errado com o nosso sistema económico que permite que estas condições existam”125

(Earp, 1911, p. xi).

125 “There never has been a time like the present when the social class- consciousness was so highly developed.

In all current literature we read the products of this class-consciousness in discussions of socialism, capitalism, trades-unionism, social democracy, class conflict, race antagonism, social classes, woman and child labour, congestion of population, suicide rate, divorce, gamblers versus the people, the decisions of courts and the interest of a class, Legislatures versus the people (…). The problem of the unemployed is becoming acute in most of the great cities of the world (…). The problem of congested quarters of the cities with the attendant misery is disheartening to the most optimistic social workers in this field, and they begin to ask if there is not something fundamentally wrong with our economic system that permits these conditions to exist”

Esta longa citação é exemplar pela similitude dos problemas com que ainda nos deparamos nos dias de hoje e mesmo no que se refere à sua causa. Earp, em 1911 apresenta aqui uma longa lista dos problemas sociais de então, e parece-nos que pouco ou nada mudou em mais de um século. A função que atribuía ao Engenheiro Social era muito mais abrangente e espiritual, “O Engenheiro Social religioso é aquele que consegue ajudar o líder religioso a estabelecer uma força de trabalho desejável em qualquer campo de necessidade, e mante- lo numa cooperação amigável com todas as outras forças, trabalhando para o estabelecimento do reino de Deus na terra em harmonia com o programa e liderança de Jesus”126

(Earp, 1911, p. xviii)

Edwin Earp é um religioso fervoroso, que vê na tarefa do engenheiro social a missão de criar na terra o reino dos céus “As grandes denominações sociais e as suas organizações subordinadas dentro de si estão a tornar-se socialmente conscientes de como, pela ação federativa, podem em conjunto levar a cabo o programa social de Jesus e realizar a visão dos profetas e do ideal social do Apóstolo Paulo”127 (Earp, 1911, p. xvii). Se bem que em relação à atitude científica seja pouco credível a sublevação da fé e do espirito missionário, face ao espirito cientifico, não poderia deixar de referir neste trabalho todas as envolvências da Engenharia Social, pois todos os legados importam. Não se compreende o presente, sem se conhecer o passado, nem projetar o futuro. Como já deixámos claro no capítulo da introdução, desafiamos a Sociologia moderna a considerar outros tipos de conhecimento, para uma compreensão cabal da esfera humana e a sua envolvência, que numa perspetiva unitária rompem com o positivismo e unem a fé e a ciência (atenção a fé e não a religião), já sem receios e pruridos de parte a parte. De facto, julga este autor termos alcançado à data, um estádio de desenvolvimento na metodologia científica da Engenharia Social que justificava a criação de um batalhão de profissionais, cuja orientação e motivação era religiosa. De facto tal até poderia suceder, mas não ao serviço de qualquer religião, ela própria segmentária, mas sim de uma nova religião Humanista, gnóstica e fraternal, de uma nova religação ao sagrado, sem intermediários, a que surgiria após o desenvolvimento da consciência coletiva e o despertar para uma nova dimensão da vida.

É de refletir, dada a história recente da engenharia social nos EUA, verificarmos a sua génese tão cristã e humanista, o facto de esta ter vindo a tornar-se num meio ao serviço do

126 “The religious social engineer is one who can help the religious leader to establish a desired working force in

any field of need, and kept it in sympathetic cooperation with all the other forces, working for the establishment of the kingdom of God on earth in harmony with the program and leadership of Jesus.“

127 “The great religious denominations and their subordinate organizations within them are becoming socially

conscious of how, by federative action, they may together carry out the social program of Jesus and realize the vision of the prophets and the social ideal of the apostle Paul.”

capitalismo para realizar tamanhas atrocidades na sociedade, como as descritas no início deste capítulo, relativas à engenharia social utópica.

Em Inglaterra a Engenharia Social, não adotando este nome, mas a sua prática acompanhou a evolução da revolução industrial, com a mesma função de melhorar as condições de vida dos trabalhadores. O trabalho de Engels The condition of the working

class in England, publicado em 1844, baseou-se nas suas observações e pesquisa em

Manchester e viria a servir de base à Teoria crítica de Marx.

Em Portugal no pós-25 de Abril a Sociologia de intervenção viria a expandir-se em práticas próprias da Engenharia Social, sobretudo de educação popular, vindo depois a perder a sua força no escrupuloso mundo académico. Se bem que existam ainda muitas iniciativas deste tipo, continuam a ser marginalizadas pelos defensores de uma Sociologia mais abstrata, até com algum “desdém”. Em 1990 seria criado, por uma Universidade privada, um curso superior de Investigação Social Aplicada com uma abordagem inovadora, um currículo peculiar que englobava cadeiras como etologia, psiquiatria social e outras (cujo programa se encontra em anexo) muito próximas das práticas da Engenharia Social. No entanto por condições politicas adversas e suspeitas de financiamentos ilícitos que levaram ao encerramento daquela instituição académica de índole maçónica, esta nova abordagem viria a durar pouco mais de uma década, permaneceu nos seus alunos, que entretanto tal como eu, viriam a tornar-se sociólogos (no quadro de pessoal de algumas autarquias ainda figura o Técnico Superior de Investigação Social Aplicada).

Assim, um pouco por todo o mundo as ideias ligadas à Engenharia Social propagaram-se, embora com uma existência intermitente, a sua função esteve sempre subjacente na Sociologia Aplicada, mas nunca assumida de facto. As atividades desenvolvidas por estes inovadores sociais contribuíram para a introdução de novas práticas, para a constituição progressiva de legislação do trabalho, de proteção social e de mecanismos de proteção dos trabalhadores e das suas famílias, conduzindo mesmo ao estado providência do séc. XX e à elaboração de políticas públicas. Impulsionado pela Comunidade Europeia, com o intuito de reforçar a coesão social foram elaborados programas de financiamento para projetos desenvolvidos localmente com a concertação de parecerias, que viriam a evoluir para a participação pública e mesmo até para mecanismos de governança, como se de um programa implícito se tratasse, destinado à evolução para uma sociedade fraternal.