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Capitulo 3 O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL E BEM-ESTAR

3.3 O poder para mudar

Se bem que as organizações internacionais estejam vocacionadas para promover o bem- estar dos povos, na verdade são desprovidas de poder real, pois são os governos que decidem e não os tecnocratas que as compõem, o cenário enegrece quando nos apercebemos que nem são os governos que mandam, mas sim os poderes financeiros ocultos.

Os processos de governança, embora inatos à natureza humana, pois desde há éones que se reune o conselho da tribo, foram sendo eliminados na era moderna industrial e o espirito da democracia foi distorcido quando começámos a pagar a alguém para nos representar nos órgãos de discussão e decisão coletiva, também aqui ocorreu a substituição das motivações intrínsecas pelas extrínsecas nos nossos políticos, como dizia Max Weber “ Ou se vive para a política, ou se vive da política”.

Dos factos apresentados conclui-se que o crescimento económico de uma nação não contribui para a felicidade da sua população, os esforços deveriam ser reorientados para a melhoria do seu Bem-estar através da promoção do capital social. O que por sua vez estando assegurado iria promover um crescimento mais sustentável, efetivo e até com mais atividade económica. Bartolini refere que as políticas públicas deveriam promover o desenvolvimento sustentável, indicando, mesmo, os domínios em que se deveria trabalhar, sendo que o primeiro seria o urbano e territorial, depois o educacional, o laboral, o sistema de saúde e os meios de comunicação. Mais uma vez se confirma que o melhor modo de aplicar os processos participativos deveria partir das questões de território.

O trabalho de um sociólogo é, como dizia Giddens, o de afirmar o óbvio, com a novidade de que desenvolve bases científicas e provas para as suas afirmações, deixando estas de ser uma opinião, que todos temos, mas nem todos somos sociólogos, pois este distingue-se por ser aquele que emite o óbvio fundamentando-o. Neste contexto, o contributo que pode dar enquanto cientista, para além de comunicar e difundir os resultados para que a sociedade tome consciência de si mesma; é ainda mais pertinente aquele, o de indicar caminhos para a resolução dos problemas que coletivamente nos atormentam, munido do conhecimento profundo da realidade e não somente de teorias, tal como sonharam todos os pais fundadores da sociologia, talvez já nos encontremos finalmente aptos para operacionalizar o

conhecimento da sociedade que vimos coligindo há 200 anos e virmos a tornarmo-nos finalmente úteis ao ajudar a reconstrui-la.

É preponderante para o sucesso da sociedade que as políticas públicas, ou até mesmo as alterações a introduzir numa comunidade local, sejam consensuais, sejam discutidas e sobretudo sejam interiorizadas pela população, num processo participativo que é ele próprio pedagógico, promotor da discussão esclarecida, do desenvolvimento da consciência coletiva e para uma ação coletiva mais justa. Desta forma está-se a contribuir para o fortalecimento da autoestima individual, para a libertação do sentido de possibilidade e para a prática da cooperação intrínseca, desenvolvendo coletivamente as capacidades da população e criando melhores cidadãos pelo seu empowerment. Estes processos de ação coletiva são uma das condições para que o desenvolvimento sustentável seja efetivo, só possível através da governança.

A crise económica e financeira que atravessamos está a destruir o tecido social, este sistema já não nos serve! Manifestação deste desagrado é a ação coletiva que diariamente sai à rua a contestar a austeridade, demonstrada em todas as cidades do mundo, com pessoas a insurgirem-se, oriundas de todos os estratos sociais e espectros de cor politica, de todas as idades contra a política atual, como quem grita contra os partidos, todos unidos. Nunca na história humana conhecida houve tanta indignação e consenso sobre o que não queremos. Estamos a viver o provável colapso da civilização capitalista, está trilhado o caminho para que o poder seja devolvido às pessoas. É o germinar de uma consciência coletiva esclarecida, como nunca houve noutro momento conhecido na História. A produção de conhecimentos científicos e tecnológicos sobre todas as áreas da vida e da humanidade, projetou o nosso discernimento coletivo para um outro nível. As redes virtuais puseram-nos a falar todos uns com os outros. Todos estamos de acordo naquilo que queremos – Bem- estar – (um abrigo, agasalho, alimento) e acesso ao desenvolvimento de todas as capacidades que temos enquanto seres humanos. Um pouco por todo o lado surgem localmente sinais de adaptação à nova sociedade emergente e de regresso ao mundo rural onde se pratica uma agricultura ecológica familiar, recuperando técnicas desenvolvidas ao longo de milénios para garantir boas colheitas como forma de combater a revolução verde, que ao contrário do que o nome indica introduziu massivamente os pesticidas excedentes das 2 guerras mundiais, dando origem às explorações intensivas, tal como hoje as conhecemos. Um pouco por todo o lado surgem novas formas de ação social, que começam a esboçar o desenho de uma provável sociedade futura.

A disseminação de exemplos desta economia democrática, para além do observado diretamente e praticado pessoalmente, é bem explicada pelo professor Roque Amaro, mediante o conceito de Economia Solidária, como alternativa ao sistema financeiro; no entanto, há que ter em conta que o funcionamento deste é indissociável do sistema social.

Para uma melhor compreensão cabal relembramos alguns conceitos alusivos e que reafirmam o que aqui defendo.

O trabalho é a capacidade económica de cada um, é a nossa moeda de troca para o que, sozinhos não conseguimos obter. A remuneração dos fatores produtivos pode ser sob a forma, de lucro (remuneração do capital), salário (remuneração do trabalho) ou juros (uma atividade do capital de investimento). A economia de mercado rege-se pelo valor de troca e inflacciona o valor de uso, para gerar lucros que depois reinveste ou empresta com juros. A desigualdade entre o valor original do produto e o lucro desvaloriza a remuneração do trabalho e torna a redistribuição dos recursos injusta. Logo, como Marx dizia, esta é a fonte dos conflitos sociais. Na dimensão do período capitalista e da crítica que aqui enunciamos, importa acrescentar ao mal-estar generalizado, a explicação do “roubo” da mais-valia aos trabalhadores, não obstante todos os sistemas de apoio social que foram criados, a ideia aqui presente continua a ser pertinente nos dias de hoje. A esta economia capitalista, começa a ressurgir uma outra versão de economia mais justa socialmente e mais sustentável para o planeta, a economia solidária é uma alternativa viável a que muitas empresas e comunidades já se dedicam.

Na perspetiva da economia solidária há a primazia das pessoas sobre o capital, as decisões são coletivas e a redistribuição de recursos é equalitária, os excedentes são reinvestidos na comunidade, numa forma de solidariedade sistémica e multidimensional, sendo compatível com a vida em todas as suas dimensões.

Um bom exemplo do funcionamento desta economia, nascida no Vermont, são as

Community Land Trust que ganhou em 2008 o prémio das Nações Unidas para o World Habitat e que também se encontra em expansão por territórios dispersos: Os terrenos são

propriedade coletiva, gerida pelo conselho da CLT, as casas e lojas podem ser arrendados ou comprados a um custo controlado, a margem de lucro pertence à própria comunidade e não já ao mercado imobiliário, o lucro é reinvestido em serviços e manutenção dos espaços coletivos. Esta inovação promove pequenas iniciativas de negócios e o emprego e, sobretudo o território é gerido pelas próprias pessoas, as municipalidades apenas têm assento consultivo no conselho e prestam apoio técnico, mas não têm poder de decisão, o qual compete à comunidade (no capitulo da metodologia irá ser mais desenvolvido).

Outro exemplo que me foi dado observar são, os já referidos, mercados de rua, em França (bem como noutros países: Holanda, Barcelona, Alemanha, Bélgica, Suiça, Inglaterra, etc.) todas as povoações tem mercado de produtores, na rua ou nos largos, no fim-de-semana, cada um monta uma banca e vende aquilo que produz livremente. Também tive esta experiência pessoalmente, com os excedentes da minha produção agrícola, ovos e a transformação de alguns desses produtos (quiches e compotas) instalei uma banca no mercado de rua do largo de Odeceixe, aos domingos de manhã, não ganhava muito, mas

cobria as despesas e ainda sobrava o necessário para as despesas do dia-a-dia. Este mercado era organizado pela Junta de freguesia, que dispunha as bancas e fornecia a eletricidade. O senão que bloqueou a iniciativa noutros concelhos foi a questão da declaração de rendimentos com as finanças; aqui ultrapassou-se essa questão cabendo a cada um a assinatura de uma declaração em que ilibava a Junta de quaisquer responsabilidades e o próprio assumia as eventuais consequências da sua prática. Foi uma excelente experiência que tive de abandonar por indisponibilidade devido a questões diversas, mas a qual gostaria de retomar um dia. Esta é de facto uma boa prática económica, claro que não fará a riqueza de um país, mas pelo menos diminui a pobreza em que os seus cidadãos se encontram, ou complementa os parcos rendimentos e simultaneamente garante uma produção sustentada. O desenvolvimento sustentável também passa pelas boas práticas com que pudemos contribuir, enquanto indivíduos ao fazer a diferença, pois contribuímos para o avolumar e disseminar os exemplos. É nos pequenos atos que se faz a diferença, não nas revoluções.

No entanto a nível global a preocupação com o desenvolvimento sustentável torna-se cada vez mais desesperada, face à irreversibilidade das alterações climatéricas, foram organizadas por todo o mundo debates públicos sobre a proposta da ONU, “A agenda global 2030, aprovada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas em Setembro último, não se destina apenas aos países em desenvolvimento, como os Objetivos do Desenvolvimento do Milénio, que estiveram em vigor entre 2000 e 2015. Cada país terá de cumprir objetivos à sua escala, tendo em conta as suas características, o seu estádio de desenvolvimento. Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que se desdobram em 169 metas – rumo a um mundo sem fome, sem pobreza, com saúde e educação de qualidade, igualdade de género, acesso a água potável, saneamento, energias renováveis, trabalho digno e crescimento económico; indústria, inovação, infraestrutura; redução de desigualdades; comunidades, cidades, consumo e produção sustentáveis; ação climática, proteção da vida marinha e da vida terrestre, paz, justiça e parceria.” (Pereira A. C., 2016). Mais uma vez o consenso é global, mas a prática não é viável, os lobbies capitalistas têm ainda muito poder, veja-se a situação das emissões de carbono com valores falsificados da industria automóvel, é um escândalo, mas a UE em vez de os sancionar, mais do que duplicou a taxa dessas emissões, decidindo também por unanimidade na cimeira de Paris (2015) reduzi-la e revogando o que tinha sido acordado e dando assim autorização para que se possa poluir mais. Novamente o discurso é perfeito, a prática insustentável.