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4.3 A construção da coleta de dados

4.3.8 A entrevista

Realizou-se uma entrevista semiestruturada com ILS com o intuito de poder traçar o perfil de cada um deles e, também, melhor conhecer sua visão acerca do processo de interpretação. As seguintes questões orientaram as entrevistas:

1- Há quanto tempo você tem contato com a Libras e como a aprendeu?

2- Seus pais ou parentes próximos são surdos? Se sim, eles utilizam somente a Libras ou, também, são oralizados?

3- Quais cursos ou certificações você possui em relação a sua formação em Libras?

4- Você já participou ou está participando de algum curso de formação de tradutor e de intérprete de Libras- Português? Qual (is)?

5- Quais são as (os) habilidades/ estratégias/ conhecimentos indispensáveis ao tradutor e ao intérprete de Libras-Português?

6- Você considera significativa a sua experiência com a tradução e com a interpretação de Libras? Já teve algum trabalho de tradução-interpretação publicado ou veiculado na mídia? Qual (is)?

7- O que você considera como mais difícil na interpretação simultânea do Português para a Libras? E da Libras para o Português?

8- Você teria restrições em traduzir/interpretar algum tipo de texto? Qual (is)?

9- Você tem mais dificuldades em traduzir/interpretar da Libras para o Português ou do Português para a Libras? Por quê?

10- Defina interpretação simultânea com suas próprias palavras.

TABELA 8 – Perguntas da entrevista semiestruturada

Essas questões nos possibilitaram levantar algumas informações adicionais sobre a vivência dos ILS em/ com o campo da interpretação, tanto no que se refere à questão da prática profissional, quanto aos aspectos teóricos que envolvem a formação e a atuação do tradutor e do intérprete de Libras-Português. Vimos algumas das dificuldades enfrentadas pelos ILS, assim como algumas de suas posições e, também, reflexões em relação à interpretação Português-Libras.

As perguntas, realizadas pelo pesquisador, foram devidamente registradas em vídeo, com a finalidade de serem transcritas, organizadas e categorizadas e, assim, servirem de suporte, tanto à construção do perfil dos sujeitos, quanto a algumas análises. As questões de 01, 02, 03, 04 e 06 fundamentaram a construção do perfil básico dos participantes da pesquisa e as demais (05, 07, 08, 09 e 10) às reflexões gerais acerca dos conhecimentos e vivências desses profissionais no campo da interpretação em Libras-Português, ampliado esse perfil.

Com relação às habilidades/ estratégias/ conhecimentos indispensáveis ao tradutor e ao intérprete de Libras-Português, temos o seguinte:

Conhecimentos, habilidades e estratégias indispensáveis ao ILS

C1 Proficiência em Libras e em Português Convívio com a Comunidade Surda Clareza nos diferentes tipos de uso da língua

N2

Proficiência em Libras e em Português Participar na Comunidade Surda

Ter vivência de mundo, conhecimento em várias áreas Aprimoramento constante de conhecimentos

C3

Confiabilidade

Fluência no uso das línguas

Saber coordenar o tempo na interpretação Conhecimento de mundo (muita leitura e estudo) Busca constante de informações

N4

Conhecimento das línguas Habilidades e estratégias diversas Memória treinada

Conhecimento de mundo

Conhecer previamente o conteúdo

C5 Proficiência em Libras e em Português Conhecimento da Comunidade Surda Saber usar o corpo expressivamente

N6

Conhecimento em Libras e em Português Conhecer diferentes possibilidades de tradução Memória

Conhecimento da área em que se interpreta

C7

Proficiência em Libras e em Português Convivência com a Comunidade Surda Conhecimento da cultura surda Respeito ao surdo

N8

Conhecimento em Libras e em Português Conhecimento da cultura surda

Competência linguística e tradutória Domínio de espaço de sinalização Atenção

Preocupação com processos anafóricos Preocupação com o público

Preocupação com a aparência

C9

Proficiência em Libras e em Português

Conhecimentos do processo tradutório e interpretativo Competência referencial

Conhecimento de mundo Ética

N10 Domínio em Libras e em Português Conhecimentos de expressão corporal e facial Domínio do uso de classificadores

TABELA 9 – Conhecimentos, habilidades e estratégias dos ILS

Todos os ILS destacaram o domínio das línguas como um fator indispensável ao tradutor e ao intérprete de Libras-Português. Vale ressaltar que alguns ILS citaram aspectos diretamente relacionados ao domínio da língua de sinais: expressões corporais e faciais, classificadores e domínio do espaço de sinalização. O conhecimento da Comunidade Surda e de sua cultura, conhecimentos da tradução e da interpretação e o conhecimento da cultura geral também se destacaram. Além disso, foram citados alguns aspectos vinculados à ética, ao público da interpretação

e ao contato prévio com o conteúdo a ser interpretado. Questões psicofisiológicas (memória e atenção) e a competência referencial foram ainda lembradas.

Ao serem questionados sobre o que seria mais difícil para eles: interpretar da Libras para o Português ou do Português para a Libras, os ILS apontaram o seguinte:

Direcionalidade da Interpretação: maior dificuldade

C1 Não há. Depende do assunto, do orador e do público.

N2 Da Libras para o Português (vocalização/ verbalização).

C3 Não há.

N4 Da Libras para o Português (vocalização/ verbalização).

C5 Não há. Depende do que se interpreta, do conteúdo.

N6 Da Libras para o Português (vocalização/ verbalização).

C7 Da Libras para o Português (vocalização/ verbalização).

N8 Da Libras para o Português (vocalização/ verbalização).

C9 Da Libras para o Português (vocalização/ verbalização).

N10 Da Libras para o Português (vocalização/ verbalização).

TABELA 10 – Dificuldade na direcionalidade da interpretação

Vemos que três ILS, todos CODAs (C1, C3 e C5), afirmaram que tanto faz a direcionalidade da interpretação, visto que não há um aumento da dificuldade do processo interpretativo relacionado ao fato de se interpretar da Libras para o Português (vocalizar/ verbalizar) ou do Português para a Libras (sinalizar). Dois deles afirmam que o aumento do grau da dificuldade da interpretação relaciona-se a outros fatores, tais como ao assunto, ao conteúdo, ao orador ou ao público. Todos os demais ILS apontaram que a interpretação da Libras para o Português, conhecida como vocalização ou verbalização, seria mais difícil. É possível dizer que, provavelmente, a percepção de que a interpretação da Libras para o português é mais difícil deva-se ao efeito de modalidade sobre o processo67 e, até mesmo, a

67 Refiro-me ao fato de que os sinais ao serem enriquecidos com informações gramaticais ou incorporarem as qualidades de um referente, especificando movimento ou posição de pessoas e objetos ou, até mesmo, descrevendo tamanho e forma, demandam um tempo maior dos intérpretes, assim como maior esforço cognitivo, em sua tradução ou interpretação para uma língua oral. A complexidade de construções em língua de sinais, tais como os classificadores, precisam, muitas vezes, ser descritas e explicadas. Portanto, a diferença na taxa de produção de palavras e sinais, a linearidade preponderante das línguas orais em oposição à simultaneidade característica das línguas de sinais, dentre outras diferenças intrínsecas à modalidade, impactam diretamente a direcionalidade da tradução ou da interpretação, principalmente, quando a interpretação é simultânea.

outros aspectos sociais e culturais que envolvem a interpretação da língua de sinais para a língua oral.

Outro questionamento, direcionado aos ILS, refere-se ao maior desafio encontrado no processo de interpretação simultânea, tanto da Libras para o Português quanto do Português para a Libras. Vemos os seguintes aspectos destacados pelos profissionais:

Maior dificuldade na interpretação simultânea

C1 Acompanhar o ritmo do orador Complexidade do assunto

Imediatismo (conhecer a informação no mesmo momento em que a traduzimos)

N2 A complexidade do assunto Desconhecimento do tema C3 Desconhecimento do tema Acompanhar o ritmo do orador N4 Não acesso prévio ao conteúdo

C5

Não acesso prévio ao conteúdo Acompanhar o ritmo do orador Desconhecimento do tema Desconhecimento do público

Lidar com variação linguística regional

N6 Desconhecimento do tema Desconhecimento de termos técnicos e de conceitos C7 Acompanhar o ritmo do orador

N8 Acompanhar o ritmo do orador Não acesso prévio ao conteúdo

Imediatismo (conhecer a informação no mesmo momento em que a traduzimos)

C9 Não acesso prévio ao conteúdo Desconhecimento de termos técnicos e de conceitos N10 Não acesso prévio ao conteúdo

TABELA 11 – Dificuldade na interpretação simultânea

Em geral, os ILS apontam o desconhecimento do tema, o não acesso prévio aos conteúdos e a necessidade de acompanhar o ritmo do orador como os principais desafios enfrentados durante a interpretação simultânea. Além disso, foram destacadas como dificuldades: o imediatismo do processo, a complexidade do assunto e o desconhecimento de termos técnicos e de conceitos. O desconhecimento do público da interpretação e a variação linguística também foram citados como dificuldades presentes na interpretação simultânea.

Sem dúvidas, a pressão de tempo é um dos principais fatores que incide sobre a interpretação simultânea. É justamente a pressão de tempo que faz com que os ILS

refiram-se às demais dificuldades apontadas acima. Já que, caso a pressão de tempo, o imediatismo, não existisse, seria possível sanar tranquilamente as demais questões referentes, por exemplo, ao desconhecimento do assunto, de termos técnicos ou de conceitos e a variação linguística.

Perguntamos aos ILS se eles teriam restrições em traduzir ou interpretar algum tipo de texto. Quatro deles (C3, N4, C7 e N10) afirmam que traduzem e interpretam qualquer tipo de texto, os demais apontaram suas restrições:

Restrições em interpretar algum tipo de texto

C1 Música e poesia, principalmente se forem simultânea.

N2 Área da saúde e biologia ou de outras fora de minha competência.

C3 Nenhum.

N4 Nenhum.

C5 Discursos/ textos que firam a dignidade humana.

N6 Área do direito e da saúde (medicina).

C7 Nenhum.

N8 Área da saúde. No geral discursos/textos fora do meu campo, do campo da educação.

C9 Discursos/textos de áreas fora de minha competência (campo jurídico e saúde).

N10 Nenhum.

TABELA 12 – Restrições em interpretar

Vemos que quatro intérpretes afirmaram ter restrições em traduzir ou interpretar textos da área da saúde (N2, N6, N8 e C9). É possível atribuir isso ao fato de que nenhum dos intérpretes participantes da pesquisa possui formação nessa área. Certos ILS destacaram, também, restrições em traduzir ou interpretar poesia e música (C1), textos da área do direito (N6 e C9) e textos ou discursos que firam a dignidade humana (C5). Além disso, alguns intérpretes (N2, N8 e C9) afirmaram que têm restrições em traduzir ou interpretar qualquer texto que esteja fora de sua competência.

Pedimos aos ILS que definissem com suas palavras o que seria a interpretação simultânea. Segundo eles:

Definição de Interpretação Simultânea

C1 “Interpretação simultânea é um processo que não se tem controle do sujeito que fala, do assunto que se fala, do que pode acontecer e de que tipos de interação podem surgir.” N2 “Interpretar um texto, que você não conhece, no momento que ele está sendo falado.”

C3 “A interpretação simultânea é aquilo que está se passando para o público ouvinte e nós passando para o público surdo ao mesmo tempo e, também, vice-versa, o que está passando para os surdos e nós como intérpretes passando para os ouvintes. Tudo ao mesmo tempo numa questão de poucos segundos.”

N4 “É a tradução, ao mesmo tempo ou com uma lacuna mínima de tempo, de uma língua para outra.”

C5 “Não é interpretar ao mesmo tempo. É uma interpretação que tenta seguir, mais ou menos na íntegra, o texto com uma pequena margem de tempo posterior.” N6

“É aquela interpretação em que você tem o palestrante falando ao vivo, ou em alguma mídia falada, e você faz com o mínimo de tempo de diferença, o tempo que você tem para elaborar os sinais, mas que você tem que fazer no ritmo do palestrante. Você dá um tempo para que ele fale, mas você vai logo em seguida fazendo a sinalização e construindo a tradução e a interpretação em Língua de Sinais.”

C7 “Tentar acompanhar o raciocínio da pessoa que você está interpretando, seja de que forma for: Libras-voz, voz-Libras. É você tentar passar na outra língua, porque é um processo difícil que requer muito conhecimento.” N8 “Forma imediata de tradução, onde se tem uma pessoa falando e a outra interpretando ao mesmo tempo.”

C9 “Interpretação simultânea é aquela realizada entre dois pólos linguísticos, da Língua de Sinais para a Língua Portuguesa ou da Língua Portuguesa para a Língua de Sinais, em fração de segundos, onde se inicia a fala do orador e se passa para o intérprete, percorrendo assim a fala simultaneamente, ao mesmo tempo.”

N10 “Para mim é o palestrante falando e você interpretando ao mesmo tempo.”

TABELA 13 – Definição de interpretação simultânea

As definições propostas pelos ILS para IS não citam aspectos culturais, embora um dos intérpretes cite a diferença do público surdo e ouvinte (C3). Nas definições, destacam-se, prioritariamente, os aspectos relacionados ao imediatismo e ao oferecimento efêmero da interpretação. Nesse sentido, é possível perceber que lidar com o texto em curso, sob pressão de tempo, no momento de sua produção, caracterizaria e distinguiria o processo de interpretação simultânea em relação aos demais.