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Rodrigues (2002, p.24), ao realizar uma meta-análise qualitativa da abordagem processual nos ET, atribui o surgimento das pesquisas processuais na Alemanha, na metade dos anos oitenta, a “certa insatisfação com modelos teóricos da tradução desenvolvidos até o momento”, os quais expressavam uma “idealização teórica que raramente encontrava embasamento empírico”, e a “uma preocupação considerável de pesquisadores com o fato de que os tradutores eram, na maioria das vezes,

32 No original: “Unimodal bilinguals may select words from either language (i.e., code switching). Nevertheless, because they can articulate the words of only one language at a time, their cognitive decisions can manifest themselves in only one language at a time. Bimodal bilinguals do not have this restriction. Distinct sets of articulators allow bimodal bilinguals to code-blend via coproduced signing and speaking and thereby produce the words of two languages simultaneously”.

‘esquecidos’ em qualquer tipo de fundamentação teórica tanto sobre o produto quanto sobre o processo da tradução”. Nesse sentido, é possível compreender que a carência de investigações fundamentadas na busca de modelos empíricos do processo de tradução e, por conseguinte, no estudo do papel dos tradutores durante o processo tradutório foi responsável pelo surgimento de um campo específico de pesquisas nos ET, a saber, os estudos processuais da tradução.

Até a década de 1980, as pesquisas em tradução concentravam-se, basicamente, na investigação dos produtos finais da tradução (os textos traduzidos), desconsiderando-se, muitas vezes, o processo por meio do qual esses textos eram produzidos pelos tradutores. Tais pesquisas, em grande parte, comparavam aspectos específicos do TF com o TA e se baseavam em determinados modelos prescritivos da tradução. Após isso, podemos perceber o crescimento da preocupação em se investigar o processo de tradução e não somente o seu produto. Nesse sentido, os estudos processuais da tradução, concebendo-a como um processo cognitivo, começaram a lançar mão de perspectivas e ferramentas de outros campos de pesquisa, tais como de abordagens cognitivas e psicolinguísticas. Para Bell (1998, p.185),

a tradução envolve, basicamente, a transferência de significado de um texto numa língua para um texto em outra. Essa transferência integra um processo mental que se baseia em sofisticadas habilidades de processamento de informação. Uma vez que toda a comunicação humana baseia-se na habilidade de processar informações, os estudos psicolinguísticos da tradução pretendem essencialmente estabelecer como tradutores e intérpretes processam a informação, tanto de maneira distinta de outros falantes e escritores, quanto de forma distinta uns dos outros33.

As pesquisas processuais em tradução começaram a ganhar visibilidade em meados da década de 1980, principalmente, com o trabalho seminal de Hans

33 No original: “At its simplest, translation involves the transfer of meaning from a text in one language into a text in another. This transfer constitutes a mental process which relies on sophisticated information processing skills. Since all human communication relies on the ability to process information, psycholinguistic studies of translation essentially set out to establish how translators and interpreters process information, both as distinct from other speakers and writers and as distinct from each other”.

Krings34 (1986) abordando especificamente a dimensão estratégica no processo de tradução (ALVES, 2004, p.9; RODRIGUES, 2002, p. 40; ALBIR; ALVES, 2009, p.69). Além de Krings (1986), outros pesquisadores, tais como Gerloff (1987; 1988), Færch, Kasper (1987), Jääskeläinen (1989a; 1989b), Königs (1987; 1989), Lörscher (1991; 1992), Séguinot (1989, 1991) e Tirkkonnen-Condit (1989, 1991), destacaram- se no estabelecimento da abordagem processual na investigação de diversos aspectos relacionados à recepção e à produção da linguagem durante o processo tradutório.

Esse período específico, conhecido como “virada processual” (KÖNIGS, 1987; FRASER, 1996; ALVES, 2004), demarca a constituição da investigação de processos mentais subjacentes à tradução, dito de outro modo, do estudo do processo tradutório e da análise do desempenho de tradutores, como um profícuo ramo nos ET. A abordagem processual nos ET visa pesquisar, com o apoio de métodos e técnicas advindos do campo da psicologia cognitiva e da psicolinguística experimental, o processo de tradução em sua complexidade, observando-se os aspectos que influenciam o processamento da tradução (RODRIGUES, 2002, p.24- 5).

Portanto, tal abordagem visa conhecer o que se passa na cabeça do tradutor e do intérprete enquanto realiza a tradução ou a interpretação. Nesse sentido, objetiva-se investigar o processamento da informação durante a tradução ou interpretação e as variáveis que interferem em tal processamento, dito de outro modo, pesquisam-se o processo de solução de problemas, o de tomadas de decisão e o uso de estratégias durante o processamento cognitivo da tradução ou da interpretação, o qual não pode ser observado diretamente (ALBIR; ALVES, 2009).

Ao refletir acerca dos estudos processuais da tradução, Alves (2004) diferencia fases específicas das abordagens processuais: a primeira delas (1986-1996) seria caracterizada apenas pelo uso comum da técnica de Protocolos Verbais (Think-

aloud Protocols – TAPs), visto que os pesquisadores desse período (KRINGS, 1986;

34 Refiro-me a tese de doutorado de Hans Krings, intitulada Was in den Köpfen von Übersetzern vorgeht [O que se passa na cabeça de tradutores], defendida no Seminar für Sprachlehrforschung da Ruhr-Universität Bochum, Alemanha, em 1986 (ALVES, 2004, p.9).

GERLOFF, 1987, 1988; FÆRCH; KASPER, 1987; JÄÄSKELÄINEN, 1989a, 1989b; KÖNIGS, 1987, 1989; LÖRSCHER, 1991, 1992; SÉGUINOT, 1989, 1991; TIRKKONNEN-CONDIT, 1989, 1991) teriam seguido propostas metodológicas distintas e apresentado diferentes visões do processo tradutório (FRASER, 1996, p.74). Num momento posterior (1996-2002), com a ampliação das investigações processuais, o debate acerca de questões metodológicas, no que se refere à validação de instrumentos de coleta e análise de dados, teria sido reforçado e as pesquisas ganhado o suporte de programas de computador (JAKOBSEN; SCHOU, 1999; ROTHE-NEVES, 2001) e, consequentemente, da possibilidade da triangulação de dados (JAKOBSEN, 1999; ALVES, 2001c).

Nos últimos anos, posteriores às considerações apresentadas por Alves (2004), pode-se afirmar que há a consolidação, por parte dos pesquisadores da vertente processual dos ET, do uso conjunto de protocolos verbais com outras técnicas de coleta e análise de dados, as quais são viabilizadas, principalmente, por ferramentas de informática e programas de computador (ALBIR; ALVES, 2009). Pesquisas empírico-experimentais recentes têm optado pela triangulação de dados como uma metodologia válida para se pesquisar o processo de tradução e de interpretação e, também, se esforçado em refinar os desenhos experimentais (ALVES, 2004).

Considerando as pesquisas processuais nos ET, Fraser (1996) apontou alguns questionamentos em relação à coleta e à análise de dados. Segundo ela, essas pesquisas diferem-se na metodologia que empregam, fato que pode, muitas vezes, inviabilizar a replicação do experimento utilizado, ainda que não impeça que as metodologias desses experimentos sejam confrontadas na construção de novas possibilidades de aplicação. A autora fala da necessidade de as pesquisas processuais assumirem maior rigor metodológico e sugere que o desenho experimental dessas pesquisas considere (1) o perfil do tradutor, (2) o tipo de ferramenta utilizada na coleta e análise dos dados e (3) a validade ecológica do experimento35. Fraser (1996), também, demonstrou a importância de que nos experimentos haja uma homogeneidade do perfil dos tradutores.

35 A validade ecológica relaciona-se à concepção de que o experimento deve procurar garantir, no caso da pesquisa proposta, que a interpretação seja em ambiente natural, sem a interferência de fatores que possam coibir a naturalidade da tarefa que está sob

Fraser (1996) e Alves (2003) apontam a necessidade de as pesquisas processuais nos ET serem construídas por meio de uma metodologia capaz de suprir as lacunas conceituais e metodológicas encontradas nessas pesquisas. Nesse sentido, os avanços decorrentes de pesquisas processuais anteriores, no que se refere ao desenho experimental empregado, somados às novas ferramentas tecnológicas (ALVES, 2005) e à perspectiva da triangulação de dados (JAKOBSEN, 1999; ALVES, 2001c, 2003; DÖRNYEI, 2007), tanto na coleta quanto na análise, possibilitará maior rigor metodológico, controle das variáveis, validade e confiabilidade à pesquisa. Para Alves, as pesquisas processuais nos ET precisam

[…] fornecer explicações consistentes e empiricamente fundamentadas sobre o processo constitutivo do ato de traduzir, valendo-se para tal do cruzamento de análises quantitativas e qualitativas de um determinado corpo de dados, e sendo respaldadas por parâmetros de intersubjetividade (ALVES, 2001c, p. 72).

Como apontado acima, a ferramenta metodológica primordial nas pesquisas processuais dos ET são os Protocolos Verbais, também conhecidos como TAPs. Parte-se, então, do pressuposto de que os TAPs possibilitam a recuperação de informações de natureza inferencial e processual. Assim, eles permitem uma melhor compreensão do processo tradutório ou interpretativo, na medida em que contribuem para a análise, ampliando as possibilidades de leitura dos dados, fundamentando e enriquecendo a análise quantitativa e qualitativa.

É importante compreender que as pesquisas processuais, mais atuais, baseadas numa proposta de triangulação de dados, têm aliado aos TAPs diversas ferramentas tecnológicas, as quais têm sido responsáveis por viabilizar a observação em tempo real do processo tradutório ou interpretativo, assim como o seu tratamento informático. Tendo como exemplo essas pesquisas, a análise de dados, nesta investigação, empregou recursos tecnológicos para coleta, transcrição e análise do processo de interpretação do Português para a Libras, assim como TAPs, em nosso caso os protocolos retrospectivos imediatos, como explicaremos posteriormente.

investigação ou, no mínimo, permitir que as condições de produção da interpretação aproximem-se, ao máximo, à situação real de interpretação (FRASER, 1996; ALVES, 2001c, 2003, 2005a).