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3.4 Teoria da Relevância e sua aplicação à tradução e à interpretação

3.4.4 Explicaturas e Implicaturas

Explicaturas e implicaturas expressam as intenções dos falantes, sendo recuperadas durante o processo comunicativo, ostensivo-inferencial. Para Sperber e Wilson os enunciados expressam um conjunto de suposições que consistem em implicaturas e explicaturas, sendo que

uma suposição comunicada por um enunciado E é explícita se, e somente se, ela for um desenvolvimento da forma lógica codificada por E […] Qualquer suposição comunicada, mas não explicitamente, é comunicada implicitamente: é uma implicatura” (1995, p.182, grifos do autor).46

Nesse sentido, enquanto as explicaturas seriam desenvolvidas a partir da decodificação linguística, e as implicaturas seriam inferidas pragmaticamente, sendo que ambas seriam recuperadas por meio do processamento inferencial, envolvendo o enriquecimento pragmático e contextual (SPERBER; WILSON, 1995, p.182; ALVES, 2008, p.101).

Como se observa acima, a explicatura seria o desenvolvimento/enriquecimento de uma forma lógica de um enunciado, até ao ponto em que, tal enunciado carregue/expresse uma determinada proposição (WILSON; SPERBER, 1993, p.98). Seguindo essa perspectiva, é possível situar as explicaturas em meio à decodificação linguística e à implicação contextual, visto que a compreensão linguística das mesmas realiza-se num nível pragmático em que ocorrem várias operações de desambiguação de enunciados, atribuição de referências, enriquecimento dos elementos do enunciado, interpretação de linguagem metafórica, dentre outros (SILVEIRA; FELTES, 1999, p.54; ALVES, 2008, p.102). Considerando isso, Silveira e Feltes (1999, p.56), com base na proposta da TR, sugerem três níveis representacionais hipotetizados, a saber,

(i) nível da forma lógica, na dependência da decodificação lingüística; (ii) nível da explicatura, em que a forma lógica é desenvolvida através de processos inferenciais de natureza pragmática; e (iii) o nível da implicatura, que parte da explicatura para a construção de inferências pragmáticas.

46 No original: “An assumption communicated by an utterance U is explicit if and only if it is a development of a logical form encoded by U […] Any assumption communicated, but not explicitly so, is implicitly communicated: it is an implicature”.

Portanto, a explicatura seria “uma suposição ostensivamente comunicada que é inferencialmente desenvolvida a partir de uma das representações conceituais incompletas (formas lógicas) codificadas pelo enunciado47” (CARSTON, 2002, p.377), sendo que “o conteúdo da explicatura incorpora tanto material decodificado lingüisticamente quanto material inferido pragmaticamente” (ALVES, 2008, p.102). Por outro lado, a implicatura seria “uma suposição ostensivamente comunicada que não é uma explicatura, isto é, uma suposição comunicada que é derivada, exclusivamente, por meio de processos de inferência pragmática48” (CARSTON, 2002, p.377). Alves ressalta o fato de que a noção de implicatura para Sperber e Wilson diz respeito “àquelas inferências realizadas sobre comportamentos ostensivos que não podem resultar apenas de traços conceituais ‘lingüisticamente decodificados’ ou contextualmente inferidos” (2001b, p.63). Gonçalves (1998, p.38) conceitua explicaturas e implicaturas da seguinte maneira:

a explicatura de um enunciado corresponde à forma proposicional derivada daquele enunciado, isto é, após a análise lingüística (lexical, sintática e semântica) de um enunciado, este transforma-se em uma representação mental que se aloca na memória de curto prazo do dispositivo dedutivo; dá-se o nome de forma proposicional a este tipo de representação. No nível pragmático, portanto, a forma proposicional é denominada de explicatura, ou seja, é o componente semanticamente explícito de um enunciado. Por sua vez, as implicaturas de um enunciado correspondem às suposições derivadas da interação entre a forma proposicional daquele enunciado (de sua explicatura) com as suposições alocadas na memória de curto prazo do dispositivo dedutivo (o contexto inferencial).

Gonçalves (2003) explica que qualquer estímulo ostensivo deve gerar, conforme seu caráter mais ou menos proposicional, explicaturas e/ ou implicaturas no ambiente cognitivo do interlocutor. Segundo ele,

tais explicaturas e implicaturas desencadearão alterações na configuração do ambiente cognitivo do indivíduo receptor, ou seja,

47 No original: “[…] an ostensively communicated assumption which is inferentially developed from one of the incomplete conceptual representations (logical forms) encoded by the utterance”.

48 No original: “[…] an ostensively communicated assumption which is not an explicature; that is, a communicated assumption which is derived solely via processes of pragmatic inference”.

causarão modificações no contexto ativado durante o processamento inferencial em questão, resultando em alterações nas relações entre as diversas suposições – tecnicamente explicaturas e implicaturas são configurações que emergem no decorrer dos processos inferenciais, enquanto os efeitos contextuais seriam alterações de longo prazo, pela concepção representacional da TR (2003, p.41, grifos do autor).

É importante ressaltar que, na perspectiva da TR, existe também a explicatura de alto nível. Esse tipo específico de explicatura “envolve a incorporação da forma proposicional do enunciado ou de um de seus constituintes sob uma descrição de alto nível, tal como a descrição de um ato de fala, uma descrição de atitude proposicional ou algum outro comentário sobre a proposição incorporada” (WILSON;

SPERBER, 1993, p.104-5).49

As explicaturas de alto nível são exemplos de representações conceituais recuperadas pela combinação de decodificação e inferência, as quais são capazes de implicar e contradizer umas as outras e representar determinados estados de coisas Nessa perspectiva, Wilson e Sperber afirmam que “a proposição expressa por um enunciado tem certo conteúdo de verdade condicional; a explicatura de alto nível determina como esta proposição será tomada50” (1993, p.109).

Como observamos acima, para Sperber e Wilson (1995), a realização da comunicação verbal envolve processos cognitivos, tanto de decodificação linguística (construindo formas lógicas/ representações metais ou semânticas) quanto de inferência pragmática (resultando em formas proposicionais/ proposições) (CARSTON, 2002, p.57). De acordo com a proposta da TR, a compreensão na comunicação verbal orienta-se pelo seguinte: “siga o caminho de menor esforço no cômputo de efeitos cognitivos: teste hipóteses interpretativas em ordem de acessibilidade e pare quando suas expectativas de relevância são satisfeitas” (SPERBER; WILSON, 2005, p.235).

49 No original: “[…] a particular kind of explicature which involves embedding the propositional form of the utterance or one of its constituent propositional forms under a higher-level description such as a speech-act description, a propositional attitude description or some other comment on the embedded proposition”.

50 No original: “The proposition expressed by an utterance has a certain truth-conditional content; the higher-level explicatures determine how this proposition is to be taken”.

De acordo com Sperber e Wilson (2005, p.240), o procedimento de compreensão guiado pela relevância desenvolve-se da seguinte maneira:

o ouvinte trata o conceito lingüisticamente codificado como não mais do que uma pista para o significado do falante. Guiado por expectativas de relevância e usando suposições contextuais feitas acessíveis pelas entradas enciclopédicas do conceito lingüisticamente codificado ele começa a derivar efeitos cognitivos. Quando ele tem efeitos suficientes para satisfazer suas expectativas de relevância, ele pára.

Segundo Carston (2002), esse processo de compreensão dos enunciados realiza-se por meio de etapas que envolvem a decodificação linguística que resulta em formas lógicas (geralmente não proposicionais) prontas a serem processadas pragmaticamente. Assim, a forma lógica é enriquecida inferencialmente até resultar em uma proposição completa, seguida de uma série de deduções com base em insumos contextuais e na proposição resultante do enunciado, culminando em sua interpretação/compreensão. Defende-se, com base nessas perspectivas que o processo tradutório, fundamentado no uso interpretativo da linguagem, orienta-se pela busca de semelhança interpretativa. Nas palavras de Gutt,

considerando-se ainda que o principal objetivo dos enunciados é veicular um conjunto de suposições que o comunicador intenciona veicular, parece razoável definir semelhança interpretativa entre enunciados em termos das suposições compartilhadas pelas interpretações pretendidas por esses enunciados. Uma vez que o conjunto de suposições que um enunciado intenciona veicular consiste de explicaturas e/ou implicaturas, podemos dizer que dois enunciados, ou ainda mais generalizadamente, dois estímulos ostensivos, assemelham-se interpretativamente na extensão das explicaturas e/ou implicaturas que compartilham (GUTT, 1991, p.44).51

Enfim, considerando-se a comunicação verbal como um processo ostensivo- inferencial que envolve o processamento de enunciados, gerando explicaturas e implicaturas, e, portanto, realizando a decodificação de informações conceituais,

51 No original: “Considering further that the main purpose of utterances is to convey the set of assumptions which the communicator intends to convey, it seems reasonable to define interpretive resemblance between utterances in terms of assumptions shared between the intended interpretations of these utterances. Since the set of assumptions an utterance is intended to convey consists of explicatures and/or implicatures, we can say that two utterances, or even more generally, two ostensive stimuli, interpretively resemble one another to the extent that they share their explicatures and/or implicatures”.

procedimentais e contextuais, por meio de um processo cognitivo-pragmático guiado pelo Princípio de Relevância, parte-se do pressuposto de que o processo de tradução/interpretação é direcionado pela busca de semelhança interpretativa entre duas formas proposicionais de sistemas linguísticos distintos, conforme o exposto acima.

Com base no arcabouço teórico fornecido pela abordagem processual da tradução e pela TR, buscamos planejar a coleta e a análise de dados de forma a garantir qualidade aos dados coletados, assim como segurança ao processo de transcrição, padronização e informatização dos dados. Nesse sentido, optamos por um processo de coleta e análise que possibilitasse que as possíveis discrepâncias existentes entre aquilo que os sujeitos fizeram, durante a interpretação, e aquilo que eles acreditam ter feito fossem minimizadas. E que também fossem potencializadas as possibilidades de interpretação dos dados durante o processo de análise.

A definição da metodologia a ser empregada na coleta e na análise dos dados processuais da interpretação simultânea do Português para a Libras será descrita no próximo capítulo com o propósito de evidenciar a trajetória de construção e de definição do desenho da pesquisa. Portanto, apresentamos a seguir as contribuições de um estudo exploratório e de uma pesquisa-piloto, que direcionaram e sustentaram a construção do desenho da pesquisa no que se refere à escolha dos sujeitos, do TF, da tarefa, da entrevista, bem como as formas de transcrição, análise e representação de dados.

4 QUESTÕES METODOLÓGICAS