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4.3 A construção da coleta de dados

4.3.4 O texto fonte

O TF é uma exposição acadêmica sobre “Educação de Surdos” feita pela

professora, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Giselli Mara da Silva. Como qualquer outro discurso oral, o texto vai sendo planejado ao mesmo tempo em que é produzido. Embora o texto seja bem articulado e estruturado temática, textual e contextualmente, ele possui, também, uma série de marcas da oralidade: hesitações, falsos começos, pausas imprevistas e irregulares, marcadores conversacionais, estruturas de enunciados muito recorrentes, enunciados

64 Alguns ILS possuem mais de um curso superior, entretanto consideramos aqui somente o que eles apontaram como a principal formação.

fragmentados, descontinuidades, adendos inesperados, dentre outras. A velocidade média do texto é de cerca de 143,1 palavras por minuto (PPM) e 2,38 palavras por segundo (PPS). Essa velocidade de fala foi definida pelo cálculo do número de palavras do texto (1886 palavras) dividido pela sua duração total (13,5), incluindo as pausas entre um e dois segundos, ou maiores (46 pausas no total).

É importante esclarecer que as pausas exercem, conforme sua natureza, diferentes funções na organização do discurso oral. Vale ressaltar que as pausas podem (i) demarcar as frases, bem como seus constituintes; (ii) destacar palavras ou trechos de acordo com os propósitos do falante; (iii) planejar a continuidade do discurso e (iv) organizar suas partes. Segundo Cotes (2007), essas funções podem nomear as pausas, respectivamente, delimitativas, expressivas, de planejamento discursivo e de estruturação discursiva. Além disso, vale destacar que essas pausas, segundo Mattoso Câmara (1966), podem ter função fisiológica (regulando a respiração), mental (organizando o pensamento), comunicativa (apoiando a ordenação das ideias) e rítmica ou fonética (estabelecendo um balanço rítmico nos enunciados). Em relação à prosódia do TF, consideramos as hesitações e as pausas, propriamente ditas, como importantes marcadores. Portanto, para efeito de segmentação primária do TF, consideraram-se os espaços de silêncio superiores a 100 milésimos de segundo. É necessário esclarecer que o áudio do TF foi inserido no ELAN e devidamente transcrito, inclusive utilizando o Silence Recognizer MPI-PL, disponível no reconhecedor de áudio do ELAN, o qual possibilitou que o fragmentássemos com base em seus espaços de silêncio, superiores a 100 milésimos de segundo.

Nessa transcrição preliminar não utilizamos convenções de transcrição, salvo nos momentos de interrupção abrupta da fala, marcados com hífen ( - ) e aspas (“ ”) para a citação de fala de outras pessoas. O texto devidamente transcrito foi exportado e organizado como se observa a seguir.

TABELA 4 – O texto fonte segmentado com base em suas pausas

Assim, com o intuito de melhor organizar o TF, ele foi segmentado em 484 fragmentos.65 Como podemos observar (tabela 4), o conteúdo do TF fragmentado foi devidamente enumerado, sendo que os fragmentos pares correspondem aos espaços de silêncio e os impares ao texto propriamente dito. Como base nos temas que foram sendo evocados durante a fala da professora e para facilitar a análise, também, organizamos o TF em oito blocos (tabela 5).

TABELA 5 – O texto fonte organizado em blocos

Após essa transcrição preliminar, procedemos a uma transcrição mais específica do sexto bloco do texto, o qual é o foco de nossa análise nesta pesquisa. Vale reiterar que o TF é uma apresentação acadêmica oral e, portanto, possui características da linguagem falada, dentre as quais podemos citar as marcas prosódicas (pausas,

65 O texto completo encontra-se anexo.

BLOCOS TRECHO INTERVALO

01 Apresentação 01 – 21

02 Introdução 23 – 121

03 Educação Bilíngue (parte A) 123 – 173

04 Educação Bilíngue (parte B) 175 – 237

05 Relação com a Escrita (parte A) 239 – 315

06 Relação com a Escrita (parte B) 317 – 431

07 Conclusão 433 – 469

entonações, hesitações, etc.) e os marcadores conversacionais, elementos de variada natureza, estrutura, dimensão e complexidade que servem de elo entre unidades comunicativas, contribuindo com a dinamicidade e expressividade do texto oral.

Considerando o desafio de se conseguir representar as marcas, formas e recursos expressivos presentes na linguagem oral em linguagem escrita da melhor maneira possível, apresentamos abaixo uma transcrição do sexto bloco do TF, ressaltando- se as características da linguagem oral. Para tanto, definimos as seguintes convenções de transcrição:

SÍMBOLO SIGNIFICADO : Alongamento de vogal

- Corte na fala, autointerrupção

“ ” Relato de fala de outra pessoa

Pausa

? Entonação de interrogação

TABELA 6 – Convenções de Transcrição para o TF

Portanto, buscamos oferecer uma transcrição capaz de expressar o TF e suas características, ao mesmo tempo em que mantivesse um bom aspecto visual e não comprometesse a sua leitura pelo uso excessivo de símbolos. Optou-se por uma transcrição capaz de registrar as características referentes às marcações de pausa, às variações na entonação, aos alongamentos de vogais, às interrupções, às acentuações e às ênfases. Além disso, vale destacar que os marcadores conversacionais estão destacados em itálico, que não será anotado o cadenciamento da frase e que as reticências marcam qualquer tipo de pausa, sendo que elas somente são empregadas para pausas superiores a 100 milésimos de segundo, conforme o seguinte: … (1x) para pausas entre 100 e 500 milésimos de segundo; …… (2x) para pausas entre 0,5 e 1 segundo; ……… (3x) para pausas entre 1 e 2 segundos e ………… (4x) para pausas superiores a 2 segundos.

317. eh:: …… 319. durante pesquisas então em salas de aula de surdos o que- o que eu tenho percebido é que …… 321. mesmo quando a sinalização de um texto:: … 323. da- … 325. em- né que eles tão sinalizando um texto: …… 327. da língua portuguesa …… 329. mesmo quando a sinalização desse texto ele: cons- …… 331. acaba implicando em construções sem sentido e lógica …… 333. os alunos às vezes continuam normalmente a leitura né? …… 335. cumprindo muitas vezes uma tarefa escolar "ah eu tenho que ler esse texto eu tenho que sinalizar" ……… 337. e:: não percebem que isso que eles tão sinalizando tá completamente sem sentido … 339.

… 341. um exemplo que eu observei em sala de aula … 343. né eles tinham uma frase simples:: num num num quadro … 345. né "eu tomei banho" ……… 347. e eles precisavam ler essa frase e construir em sinais fazendo uma sinalização dessa frase né? ……… 349. eh … 351. e ai os surdos sinalizaram o tomar …… 353. como beber ……… 355. e ai a professora perguntou pros alunos surdos "ah" né porque em sinais a construção que eles haviam feito ficava muito engraçada …… 357. "ah! vocês tomam banho e bebem a água do chuveiro ao mesmo tempo, né?” …… 359. e ai os alunos ……… 361. né perceberam aquela provocação da professora de- … 363. que realmente ficava estranha né a frase … 365. e ai um deles perguntou pra professora ……… 367. “ah tomar” … 369. né fazendo em datilologia "tomar" … 371. “não seria o mesmo que beber?” e ai fazendo um sinal … 373. né o sinal o sinal de beber com o dedo … 375. polegar estendido né … 377. esse sinal que é equivalente ao gesto que a gente usa de ouvintes ………… 379. e ai …… 381. o que que eu percebia dessas perguntas dos alunos que essa pergunta … 383. eh- eh:: … 385. que eram muito comuns em sala de aula sempre que o professor … 387. fazia ou sinalizava uma frase de forma diferente …… 389. eles:: … 391. retornavam a pergunta pro professor como se questionando "ah mas não é assim essa palavra não é feita desse com esse sinal" … 393.

…… 395. eh:: …… 397. a gente percebia que esses alunos muitas vezes acreditavam que o sentido ele tava- estava lexicalizado …… 399. e quando …… 401. se dizia o contrário né que o sentido ele era construído nessa interação e que as palavras modificavam o sentido …… 403. quer dizer quando- ……… 405. isso tirava a segurança que eles tinham nesse processo de leitura … 407. né? ……… 409. então …… 411. essa leitura que é mediada pela sinalização desses textos ela é altamente complexa porque ela coloca em jogo o tempo inteiro: ……… 413. a diferença entre as duas línguas e como eles constroem o significado pra pra língua portuguesa … 415. por meio da mediação da língua de sinais … 417. né ……… 419. eh:: ……… 421. então uma coisa que tem sido denunciada por vários pesquisadores é essa questão de uma prática de leitura bimodal … 423. né …… 425. o trabalho o tempo inteiro com o bimodalismo …… 427. e: os próprios alunos vão ao longo de seu processo de escolarização …… 429. se apropriando disso e achando que essa é a forma de ler ler em português … 431. fazendo sinal palavra sinal palavra ………

TABELA 7 – Transcrição do bloco seis do TF