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1.3. O Crisma do Samba e do Choro

1.3.1. A Epístola aos Gentios

A independência frente ao imperialismo cultural, político e econômico almejada pelas forças desenvolvimentistas, somada ao desejo de modernização nacionalista do governo João Goulart, ditavam nestes primeiros anos da década de 1960 a tônica dos debates estéticos em âmbitos diversos, invadindo também as discussões do movimento folclorista. Espécie de norteador teórico dos intelectuais êmicos do samba em diversos momentos da década de 1950, o movimento folclorista aqui assumiria uma bandeira radical e progressista na figura de seu novo líder, Édison Carneiro, integrante oficial das fileiras marxistas (Cf. VILHENA, 1997: 106). A Campanha Folclorista, órgão central representativo do movimento neste instante, organizaria no mesmo molde de seus já testados e bem-sucedidos congressos o Congresso do Samba, em 1961, onde viria à tona um documento denominado de Carta do Samba, redigida de próprio punho por Édison Carneiro e que continha diretrizes oficiais de fomento e definições formais do gênero. Seu intuito crucial seria o de “(...) representar um esforço por coordenar medidas práticas (…) para preservar as características do samba” (Apud: SANDRONI, 2001: 19). Do Congresso teriam participado personagens como Pixinguinha, Ary Barroso, Aracy de Almeida, Almirante, Marília Batista, Paulo Tapajós, Donga, Lúcio Rangel, Sérgio Cabral, Jota Efegê, José Ramos Tinhorão, Haroldo Costa, Mariza Lira, Édison Carneiro, seu principal organizador, dentre outros personagens já velhos conhecidos do mundo do samba e demais novatos, todos indispensáveis àquela altura ao deslindar de qualquer proposição que viesse a se constituir em torno do gênero musical agora “oficializado”. Coroamento de toda a discussão levada a cabo até então pelos agentes êmicos, mais os folcloristas, o Congresso representaria o auge de todo o processo de circunscrição e de encontro entre velhos e novos defensores da “boa” tradição, um verdadeiro ágape em que a passagem da tocha do ofício da preservação das “autênticas” formas musicais seria celebrada.

Almirante e Lúcio Rangel, para não citar neste instante outros agentes atuantes desde as décadas de 1940-50, estavam longe de se abster nos debates da época. Pelo contrário, ambos lançariam seus únicos livros em vida um pouco à frente da realização do Congresso em que tomaram parte ativamente. Em 1962, Lúcio Rangel daria a conhecer o seu Sambistas e Chorões, obra com prefácio do folclorista e musicólogo Brasílio Itiberê. Reunindo alguns dos textos publicados em jornais ao longo de sua carreira, o livro traz afirmações parelhas às presentes na década de 1950 em sua RMP. Cada capítulo corresponde a um assunto esparso e pontual sobre um personagem consagrado e sua ligação com o que ele chama de “(...) música popular carioca (...)” (RANGEL, 1962: 9). Historietas sobre Mário de Andrade e sua estadia no Rio de Janeiro dividiam espaço na edição com a atenção concedida a Pixinguinha, “(...) o maior músico popular que já tivemos em todas as épocas (...)” (RANGEL, 1962: 64) e demais agentes, tanto os presentes na RMP quanto alguns novos que se mantinham aferrados ao emblema da tradição. O livro guardava o

afã de traçar os liames entre os “pioneiros” e demais personagens que tinham suas obra e trajetória apreciadas, como o bandolinista e compositor da “Velha Guarda” Luperce Miranda, o pianista e compositor de sambas e choros Vadico, a supostamente “esquecida” pianista e compositora de choros Lina Pesce, o não menos “esquecido” cantor Alberto Ribeiro, a “volta” de Mário Reis e os “tempos heróicos” do samba e do choro, isto é, o início das gravações em disco. O livro ainda trazia “As confissões de Noel Rosa”, reprodução de um recorte de jornal encontrado no arquivo de Lúcio Rangel onde o sambista discorria longamente sobre particularidades de sua vida e carreira. Ao final, uma “discoteca mínima da música popular brasileira” era sugerida em meio aos diversos títulos divididos entre “autores” e “intérpretes”, com rápidos comentários tecidos sobre os protagonistas dos discos. Dentre os elogiados “autores” figuravam, como era de se esperar, Catulo da Paixão Cearense, Ernesto Nazareth, Patápio Silva, Pixinguinha, Ary Barroso, Noel Rosa, Lamartine Babo, Dorival Caymmi, Braguinha, Ismael Silva, Ataúlfo Alves, Vinícius de Moraes e Tom Jobim e outros menos conhecidos. Já dentre os “intérpretes”, alguns dos que recebiam a bênção de Rangel eram Mário Reis, Francisco Alves, Carmen Miranda, Sílvio Caldas, Almirante, Vicente Celestino, Orlando Silva, Inezita Barroso, Aracy de Almeida, Jorge Veiga, Marília Batista, João da Baiana etc. Ainda na seção de “intérpretes instrumentistas” figurariam Benedito Lacerda, Luís Americano, Luperce Miranda, Garoto, Dilermando Reis, Jacob do Bandolim, Canhoto, Altamiro Carrilho, Radamés Gnattali e mais alguns. Importa assinalar, neste instante, que o panteão da “música popular carioca” se constituía no livro de Lúcio Rangel seguindo os mesmos parâmetros de seleção chancelados pelos intelectuais êmicos anteriores. A reprodução incessante do endeusamento desses personagens e suas criações traçavam de forma nítida o continuum a que deveriam se incorporar e seguir todos os neófitos que desejassem penetrar em um círculo sacralizado por um autor assim exaltado por um catedrático da Escola Nacional de Música, Brasílio Itiberê, logo à abertura do livro:

(…) Lúcio é sem dúvida um dos melhores conhecedores da música popular carioca, e um curioso caso de “doublage”, funcionando como popular ou erudito.

Numa feijoada em casa de Pixinguinha ele se integra perfeitamente ao ambiente porque a sua natureza e sensibilidade sincronizam com a alma do povo.

(…) O instinto seguro, o bom gôsto e sua autenticidade folclórica têm de lambuja as credenciais de músico e de instrumentista (…). Pois o que Lúcio Rangel escreve, eu assino em cruz (Apud: RANGEL, 1962: 8).

O “popular-erudito”, “amigo do povo”, não poderia ter recebido uma descrição mais exata de sua persona e de sua função naquele jogo instituído. Autenticamente folclórico, profundo conhecedor da nova espécie de música, a popular-carioca, que ele mesmo havia auxiliado a enobrecer, era unigido por ocasião deste seu único rebento literário por um dos personagens da “alta” cultura carioca. Prestar-lhe reconhecimento nesta empreitada representava prestar reconhecimento aos sambistas e chorões agraciados por Rangel.

mais circunscrito, que era o de restabelecer a “verdade” conspurcada, na visão do autor, quando da comemoração do vigésimo quinto ano da morte de Noel, em 1962. Após sofrer um derrame cerebral em 1958, aos 50 anos de idade, Almirante passaria por um longo processo de recuperação. Nesta ocasião iniciaria a escrita do livro levado, segundo ele próprio, pelos motivos a seguir:

(…) Em 1962, quando ocorreu o vigésimo quinto aniversário de sua morte, reportagens repisaram vários erros criando imagens falsas do notável cantor, compositor e poeta. Por isso torna-se necessário, de maneira indiscutível, afirmar, provar e atestar os depoimentos de quantos viram e ouviram fatos de sua vida, a fim de que sua existência seja bem compreendida e melhor admirada (ALMIRANTE, 1977: 14).

E ninguém melhor do que Almirante para dar cabo desta nobre tarefa, de acordo com um dos prefácios do livro escrito pelo biógrafo e musicólogo Edigard de Alencar:

Ninguém poderia contar a vida de Noel Rosa melhor do que Almirante. Não somente por ter acompanhado de perto o imortal compositor popular em toda sua rápida mas fulgente trajetória artística, como, sobretudo, pelo senso de medida, pela exatidão com que enumera fatos, pela segurança com que alinha episódios e datas.

Aliás, nenhum compositor popular brasileiro poderá hoje contar rigorosamente a sua própria vida sem recorrer aos admiráveis arquivos de Henrique Foreis Domingues.

Almirante é um fetichista da verdade. Passa semanas e semanas revolvendo documentos, consultando pessoas, na pesquisa de uma data. É a vocação mais extraordinária de historiador de que tenho notícia. De historiador consciente de sua missão de registrar o fato para coevos e pósteros, sem a ausência de uma vírgula, sem esquecer minúcias e sem qualquer capacidade inventiva ou fantasiosa. Com ele não tem bandeira. Conta-se o caso como foi. No seu heroísmo pela verdade, discute, revida e briga. Chega a ser um deslocado num mundo em que a mentira se erigiu em dogma e onde quase tudo é mentira (Apud: ALMIRANTE, 1977: 9).

A esta altura, o mais novo “historiador”, Almirante, amealharia tamanho poder de definição junto aos demais agentes participantes das disputas do campo que aquele que aspirasse a escrever a sua própria biografia prescindindo do auxílio dos arquivos do “fetichista da verdade” fatalmente fracassaria. Investido dessa vasta autoridade, o “herói da verdade” não titubearia em comprar brigas homéricas com todos os que se postassem a contar “inverdades” sobre o período do qual se apossaria simbólica e definitivamente. Jacy Pacheco, primo de Noel Rosa e autor da primeira biografia do “Poeta da Vila”, de 1955, foi o primeiro a provar da ira de Almirante, e também da de Lúcio Rangel. Seu livro foi acusado de conter inúmeras falhas e uma visão de quem não “seria de dentro”. O segundo a provar desta ira de forma muito mais incisiva e quase chegando às vias de fato com Almirante teria sido o comunicador sensacionalista e polemista Flávio Cavalcanti, que desde meados dos anos 1950 alardeava que Noel Rosa era um plagiador e não o autor verdadeiro das quase trezentas canções registradas em seu nome. O cultor da memória de Noel e seu tempo não deixaria barato a intrusão de agentes distantes de seu universo, os quais não faziam parte de sua patota e da de Lúcio Rangel, os “donos” dos parâmetros de reprodução do samba e do choro. Seu livro serviria tanto à concretização deste testemunho quanto à eternização do mito Noel Rosa e do grupo que o cercava, tendo sido utilizado por diversos biógrafos e mesmo acadêmicos na confirmação de determinadas “verdades” que, oralmente, por meio de palestras como as de Almirante e em difusões como programas de rádio, matérias esparsas nos jornais, rondavam o

imaginário constituído em torno do samba e do choro.

Em um texto pontuado de transcrições e reproduções fotográficas de documentos de época e cartas de seu arquivo, Almirante deslindava uma espécie de relato-testemunho do entorno de Noel organizado cronologicamente. Tendo como ponto de partida o que ele denominava de “antecedentes folclóricos do samba”, isto é, uma versão que tencionava demonstrar o sucesso de algumas formas de canções “(...) populares de fundo folclórico (...)” (ALMIRANTE, 1977: 18) na década de 1910 – espécie de antecedente influenciador, portanto, do samba, Almirante procedia à vinculação do gênero “verdadeiro” às formas musicais folclóricas, isto é, enraizadas em nossa tradição e cultura desde séculos. Em meio aos fatos dignos de figurarem em seu acerto de contas com a “verdade”, voltavam a lume o assunto do nascimento do samba na casa de Tia Ciata, a aparição de conjuntos como os Oito Batutas e o relato de sua ida a Paris, o papel dos Turunas Pernambucanos e dos Turunas da Mauricéia na continuação da moda sertaneja ocorrida em finais da década de 1910 no Rio de Janeiro, e, finalmente, a entrada de Noel Rosa no meio artístico. O “Poeta da Vila” se posicionaria, a partir de certo ponto, no centro do enredo, enfeixando relações com diversos dos personagens já retratados no livro e na “discografia” de Lúcio Rangel. Síntese representativa máxima e desemboque histórico de todas as correntes e manifestações artísticas populares da década de 1930, a persona Noel seria construída na obra por meio de “causos” vivenciados por Almirante e/ou relatados a ele por personagens próximos, fontes “fidedignas”. A partir daí impera na biografia um detalhismo obsessivo que trata de ressaltar diversas passagens relativas ao cotidiano do compositor, algumas inéditas, outras mitificadas naquele tempo. A condição ímpar de Noel em meio a diversas esferas artísticas, como o teatro de revistas, as novelas radiofônicas, a opereta, o seu humor refinado, sua facilidade para compor, teria a chance de ser confirmada em mais uma hagiografia sobre aquela “era de ouro” da música popular. Almirante aproveitava o ensejo e se inscreveria de vez como um dos protagonistas desta formatação que o samba viria a tomar entre as rádios e gravações, não se esquecendo, é óbvio, de ressaltar em mais uma ocasião o seu papel na introdução dos instrumentos de percussão nas gravações de samba. Embora o universo musical brasileiro como um todo sofresse uma reviravolta de seus parâmetros estéticos, as posições do samba e do choro, postos na defensiva, permaneceriam firmes por conta das ações desses agentes. Fosse ditando normas, elegendo seus preferidos, assinalando os “reais” caminhos da história, ou amaldiçoando aqueles que não preenchessem os requisitos de pertencimento à tradição erigida, os ditames desses dois intelectuais não se fariam ignorar em nenhum momento.

A Lúcio Rangel e Almirante viria a se somar ainda na década de 1950 um personagem dos mais combativos nesta esfera, uma espécie de cria desses legisladores: Jacob do Bandolim, que reinaria praticamente soberano na década de 1960 impondo as suas verdades, sobretudo em relação ao choro. Do alto de seus quase dois metros de altura e dono de uma estentórica voz grave,

dificilmente suas imponentes afirmações encontravam replicantes. Reconhecido de forma unânime como um exímio bandolinista e compositor, o filho de um farmacêutico e de uma polonesa amante de música erudita teria se iniciado aos instrumentos musicais por intermédio da mãe, que lhe presenteara com um violino e, logo a seguir, com um bandolim. Não é claro com quem Jacob teria aprendido rudimentos de aprendizado musical, dado que sempre procurou apagar qualquer rastro que lhe diminuísse a auto-imagem de “gênio-autodidata”. No mundo artístico, sabe-se que seu começo teria acontecido no rádio, ainda na década de 1930 e no papel de músico acompanhante em programas de calouros.143 Jacob teria sido o primeiro personagem detentor de uma relativa fama neste meio que, por iniciativa própria, decidiria permanecer exercendo uma profissão paralela à artística durante toda vida. O escrivão concursado preconizou em um depoimento, em 1967, que “(...) Eu não sou profissional. Não preciso da música para sobreviver, mas sim para me comunicar, para extravasar. (…) Sou escrivão titular da 11ª Vara Criminal. Da justiça tiro o meu salário. Música para mim não é profissão. Talvez se fosse, eu concordaria com as regras do jogo” ( Apud: PAZ, 1997: 35). Defensor de um purismo consciente até então não presenciado nos outros agentes, Jacob não só demonstraria na prática as suas assertivas como também obrigaria a todos aqueles que desejassem pertencer ao seu conjunto musical a prestar concursos públicos para vagas de empregos regulares e a, conseqüentemente, seguir uma profissão outra que não a atividade musical. Cultor do repertório dos “pais fundadores” do choro, como Joaquim Calado e Ernesto Nazareth, Jacob ainda apresentava verdadeira devoção pela figura de Pixinguinha, do mesmo modo que Rangel e Almirante, pois para ele, “(...) se é de Pixinguinha, é brasileiro, por definição (...)” (Apud: PAZ, 1997: 37). Jacob se tornaria, a exemplo dos dois intelectuais êmicos mencionados, um arquivista, pesquisador e colecionador de discos e documentos relativos à música popular brasileira. A sinergia entre a admiração irrestrita advinda de sua condição de compositor e musicista ímpar e o seu esmero em preservar e defender as formas musicais “autênticas” elevariam suas proposições às alturas, conferindo-lhe uma autoridade próxima à dos seus antecessores na conformação do universo simbólico do choro.

O perfeccionista Jacob travaria inúmeros combates em defesa daquilo em que acreditava consistir o “verdadeiro” choro, livre de todas as máculas. Seu primeiro inimigo neste terreno seria o cavaquinista Waldir de Azevedo (1923-1980). Waldir talvez tenha sido o artista ligado ao universo do choro que mais sucesso teve em vida. Chegou mesmo nos idos dos anos 1950 a vender cerca de 500 mil cópias de seu disco Brasileirinho, uma marca inacreditável para o período em se tratando de um formato de música instrumental. Não obstante, Waldir teria gravado ao longo de sua trajetória estilos musicais diversos sob o desígnio de choro com os instrumentos que caracterizavam o gênero em seu já mencionado formato “regional”. Destacam-se alguns boogies-woogies e

melodias das canções da banda inglesa The Beatles. Apesar de seu virtuosismo como instrumentista, por conta de tais inovações Waldir passava a ser constantemente açoitado por Jacob do Bandolim, que não admitia as “deturpações” impostas em um domínio que dominava, na ampla acepção do termo, pois, segundo suas próprias palavras, “(...) falou em choro, mexeu no meu calo”.144 Waldir, ademais, nunca teria requisitado as tradições dos antigos chorões em suas atividades, sendo um diletante que, por acaso e sem maiores pretensões em defender bandeiras de nenhuma espécie, teria se firmado no meio musical através das rádios, não por causa da “beleza” de suas composições ou por conta de uma maneira interpretativa respeitosa dos parâmetros aceitos por gente como Jacob. Waldir realizava malabarismos e inovações intoleráveis, como a execução do instrumento nas costas ou embaixo das pernas e a utilização em suas gravações de discos do efeito de eco proveniente do interior de um sanitário. O suposto ímpeto comercial das composições de Waldir, feitas para agradar ao público e não ao círculo restrito de amantes do choro ou músicos, seria ainda explicitamente demarcado por Jacob em uma carta a um amigo: “(...) Não vês o Garoto? Faz música para músicos e se dá mal. O 'outro' as faz para o público. Dá-se bem, mas por pouco tempo. O ideal é aliar uma coisa à outra e manter-se num nível de produção satisfatória” (Apud: PAZ, 1997: 107-108).

Toda e qualquer espécie de modificação impressa neste âmbito que Jacob identificasse como uma “inovação”, aliás, seria combatida, não apenas as concernentes a Waldir. Alguns depoimentos de Jacob na década de 1960 expressam a posição defensiva outorgada ao choro e o papel que ele passava a se auto-arrogar na “batalha” erigida:

Se os chamados modernos tentarem deturpar o choro, eu, como seu cultor e defensor, virei para a praça pública defendê-lo. Não vão fazer com o choro o que fizeram com o samba. Eu vou brigar(…) ( Apud: PAZ, 1997: 106).

Eu noto que todas as vezes que se fala em música brasileira atual, fala-se necessariamente no vocábulo evolução. Nunca se fala em involução, que é justamente o antônimo, o oposto. Eu acho que o fato de se modificar alguma coisa não significa necessariamente evolução. Pode também ser involução. E aliás, é o que eu vejo. (Apud: PAZ, 1997: 107).

Os “modernos”, no caso, seriam aqueles que procuravam realizar experiências estéticas utilizando os “materiais” folclorizados samba e choro. Decerto Jacob refere-se, nesta passagem, aos bossa- novistas e aos tropicalistas, que, dentro dos experimentos cabíveis a cada um dos movimentos em seus períodos de surgimento, apropriavam-se das formas defendidas por Jacob e pelos outros acima mencionados. O mesmo se passaria com a questão da evolução na música popular assinalada por Jacob. Para os porta-vozes do “autêntico”, incrementações e reapropriações realizadas por parte de agentes e movimentos que nada tinham a ver com a tradição estabelecida das formas musicais expressivas da nação, aquelas possuidoras de uma história centenária, viriam a ser consideradas uma “involução” no desenvolvimento da música popular.

A partir dessas declarações de Jacob depreende-se que as nutridas discussões intelectuais e estéticas dentre os cultores da música popular dita de vanguarda na década de 1960, não 144

In: DEPOIMENTO DE JACOB DO BANDOLIM AO MIS- RJ (1967). Disponível em

encontravam um silêncio estarrecedor, antes, uma contrapartida ideológica e em termos de ação de parte dos legisladores do samba e do choro. Em outras palavras, por mais folclorizados e fossilizados que esses gêneros urbanos “autênticos” se encontrassem, seus intelectuais não admitiriam a incorporação indiscriminada das formas musicais em questão por parte de agentes estranhos ao universo simbólico demarcado há décadas, conforme se verifica no documento magno lavrado em 1962, a já citada Carta do Samba. Versando sobre a possível adaptação do samba a outros gêneros musicais, a Carta dá a conhecer um receituário claro: “(…) recomenda-se que o estilizador e o adaptador [do samba] se mantenham conscientemente próximos dos ritmos fundamentais do samba, preferindo, no caso da adaptação, adaptar outros gêneros ao samba – e não o samba a outros gêneros” (CARNEIRO, 1982: 163). Isto é, concomitantemente às experiências estéticas levadas a cabo pela Bossa Nova “de protesto” embutidas em seu acercamento com o samba tradicional, vozes do samba se levantavam a fim de clamar a quem deveria ser dada a