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2 ATIVIDADE EM FOCO E APORTES CONCEITUAIS

2.1 A ergonomia da atividade

Nas aproximações e inserções dos ergonomistas da atividade11 dos locais de trabalho, surgiu a descrição da diferenciação e da conceituação de trabalho prescrito e trabalho real.

O trabalho prescrito ou tarefa prescrita está relacionado às exigências/objetivos com caráter de imposição, colocada aos trabalhadores por protocolos escritos ou não. Já o trabalho real se refere ao trabalho realmente efetivado com a gestão das variabilidades manifestas a partir dos elementos que a compõem. O trabalho real também pode ser chamado de atividade. A atividade sempre se expressa de maneira mais complexa do que o trabalho prescrito para o qual, geralmente, supõe-se que tudo pode ser previsto e controlado. Assim, ocorre uma diferença, uma distância entre o trabalho que é exigido e o trabalho que realmente é efetivado, para o que se comenta que “a distância entre o prescrito e o real é a manifestação concreta da contradição sempre presente no ato de trabalho, entre o que ‘é pedido e o que a coisa pede” (GÜÉRIN, et al., p. 15), ou seja, entre o que é exigido na heteronomia da situação e o que a atividade exige em si. Essa distância foi descrita por “ergonomistas de língua francesa, sob a direção do professor Alain Wisner, que descobriram – observando postos de trabalho extremamente taylorizados – a existência da distância permanente entre o trabalho prescrito e aquele efetivamente realizado” (TRINQUET, 2010, p. 4).

A ergonomia da atividade e a análise do trabalho a que ela propõe se desenvolveram no início dos anos 80, essencialmente nos países de língua francesa, cujos autores de origem

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“Atualmente podemos considerar que a ergonomia dita de língua francesa constitua uma escola cuja doutrina sobre as relações entre o homem, a saúde, a técnica, o trabalho e os valores se distinguem de maneira explícita daquela correspondente à doutrina dos “fatores humanos” e da ergonomia anglófona” ((DEJOURS, Épistémologie concrète et ergonomie, 1996. In: DANIELLOU F. L’ergonomie en quête de ses principes,

débats épistémologiques. Toulouse: Éditions Octarès. pp. 201-217apud HUBAULT; BOURGEOIS, 2004).

Tradução nossa do francês: Actuellement on peut considérer que l’ergonomie dite de langue française constitue une école, dont la doctrine sur les relations entre l’homme, la santé, la technique, le travail et les valeurs se distinguent assez explicitement de la doctrine dês “human factors” et de l’ergonomie anglophone » (DEJOURS, Épistémologie concrète et ergonomie, 1996. In: (s/d) Daniellou F. L’ergonomie en quête de ses principes,

foram Suzane Pacaud, André Ombredane, Jean-Marie Faverge e Jaques Leplat, do Laboratório de Ergonomia do CNAM, e muitos outros (GÜÉRIN et al., 2001, p. 196).

Dá-se destaque à herança de Alain Wisner na evolução da ergonomia da atividade. Para Wisner, a ergonomia é uma ciência orientada à resolução de problemas (DANIELLOU, p. 23), que através da descoberta da atividade já não se localizaria mais nos campos de qualquer uma das disciplinas que lhe dão sustentação, como, por exemplo, a psicologia, a biomecânica. A atividade perfaz a integração dessas disciplinas, de tal forma que ela escapa a um recorte disciplinar específico (DANIELLOU, 2006, p. 25).

Wisner, em vista da influência dos estudos de Pacaud e daqueles de Faverge, afirma que seria necessário buscar uma análise do trabalho que viesse a acessar o que os trabalhadores verdadeiramente fazem para evitar ponderações relativas a um trabalho fictício, aquele que se crê que os operadores fazem, como dito por Daniellou (2006, p.24). Mesmo que não quisesse, Wisner marcou sua ruptura com a ergonomia majoritariamente experimentalista da Sociedade de Pesquisas Ergonômicas (DANIELLOU, 2006, p. 24).

Já trabalhando nas situações reais de trabalho, Wisner com Antoine Laville, Catherine Teiger, Jacques Duraffourg e demais colaboradores realizam estudos na indústria eletrônica, a partir de uma obra predecessora de Laville e outros, relativa à análise em situação real de trabalho, destacando o trabalho mental, considerado, hoje em dia, o mesmo que cognitivo, em relação a operários considerados como trabalhadores manuais (DANIELLOU, 2006, p. 25).

Essa obra, que caracterizou um ponto de mudança paradigmática no ensino da ergonomia para Wisner e reverberou também em sua reflexão epistemológica, coloca a questão crítica aos critérios científicos clássicos experimentais, bem como o que concerne a atenção ao olhar social sobre o trabalho. Isto ocorreu em vista da revolução causada nas organizações sindicais que perceberam imediatamente a importância do fato (DANIELLOU, 2006, p. 25).

A obra não tratava apenas de uma releitura dos mecanismos da programação motriz, pois os fisiologistas já assumiam, há tempos, que, quando há uma atividade motriz, há também uma atividade cerebral. Era bem mais do que isso, tratava-se de provar que os operários têm uma atividade mental considerável, mesmo em um trabalho considerado repetitivo, simplificado e automatizado aos moldes tayloristas nas esteiras da indústria eletrônica. Esse trabalho mental caracterizava-se pela necessidade de as operadoras da linha de montagem compensarem as variações e inadequações do ambiente produtivo, assim como as variações de si mesmas, seu estado próprio momentâneo, como, por exemplo, fadiga e acuidades físicas, a fim de assegurar os níveis de produção convenientes. E mais! “As

hipóteses taylorianas de estabilidade das operações e dos indivíduos não são somente prejudiciais socialmente, mas elas são cientificamente falsas” (DANIELLOU, 2006, p. 25).

A necessidade de conhecer o trabalho para transformá-lo é o objetivo que move a ergonomia da atividade. Um de seus grandes méritos é ter desenvolvido e continuar aperfeiçoando maneiras de se analisar o trabalho a partir de uma perspectiva científica, visando melhor compreendê-lo e transformá-lo. O quadro teórico da análise do trabalho na ergonomia da atividade é pluridisciplinar com fundamentação primeira na antropologia e na etnografia e mais tarde na psicologia cognitiva (GÜÉRIN et al., 2001, p. 196-197).

Apesar de poder recorrer à via da experimentação, da modelização e do estudo sistemático, esses procedimentos, geralmente, seguem-se às necessidades traçadas a partir da análise ergonômica do trabalho, que é essencialmente realizada a partir de observações e estudos diretamente feitos nos locais de trabalho. Para construção de hipóteses e procedimentos em meio à análise ergonômica do trabalho, é necessário que o analista se deixe guiar pelas manifestações corporais e orais do(s) trabalhador(es), enquanto estes realizam sua atividade, ou ainda, em momentos a parte, reservados à confrontação dos dados da análise pelo trabalhador em questão.

A análise ergonômica do trabalho procura desvendar uma intrincada relação de elementos que compõem o trabalho, como, por exemplo, objetivos de curto, médio e longo prazo, com resultados a alcançar; uso de ferramentas, equipamentos e materiais diversos; relações sociais e hierárquicas travadas, com normas e protocolos a seguir; regras de conduta e de produção; habilidades em jogo; significados pessoais em relação ao trabalho; condições de vida profissional e pessoal, dentre muitos outros elementos possíveis, em vista de uma demanda, de um problema que se deseja solucionar ou amenizar, em vista da saúde e ou do desempenho do(s) trabalhador(es) em seus locais de trabalho.

A análise ergonômica da atividade é a “análise das estratégias (regulação, antecipação, etc.) usadas pelo operador para administrar a distância entre o trabalho prescrito e o trabalho real (GÜÉRIN et al., 2001, p. 15). Em relação à ergonomia da atividade, outros de seus conceitos e aspectos metodológicos estão abordados no Capítulo 2, dedicado à abordagem metodológica da pesquisa

Entende-se que a ergonomia da atividade é um campo disciplinar que tem a contribuir para compreensão do “humano” e suas relações com as questões do trabalho. Essa vertente da ergonomia propõe compreender as mobilizações físicas, cognitivas e psicossociais do trabalhador diante dos constrangimentos do trabalho.

Os autores da ergonomia da atividade demonstram diferenças em suas maneiras de conceber a análise da atividade de trabalho, sendo que a divergência fundamental está em uma bifurcação em torno da ênfase maior ou menor dada à etapa de análise da tarefa como norte de orientação à análise da atividade. Por exemplo, Leplat tem sua ênfase na análise da tarefa (HUBAULT; BOURGEOIS, 2004), já Wisner (DANIELLOU, 2006) e Güérin et al. (2001) colocam como elemento norteador da análise da atividade a demanda, ou seja, o problema a ser resolvido. Esta abordagem é próxima a desses últimos autores com a observação de que a análise da atividade realizada se situa como uma propedêutica à análise ergológica da atividade do professor.

Nesta tese, a análise ergonômica do trabalho é guiada por uma demanda, ou seja, pelo delineamento de um problema que pode ser manifesto a partir dos diversos segmentos da prática social, ou mesmo, como neste caso, a partir de uma proposição de pesquisa que reflete uma solicitação. A partir dessa demanda se guiam as hipóteses para o entendimento do porquê da manifestação daquela demanda assim como os procedimentos metodológicos e a tessitura da argumentação analítica sobre essa demanda.

No geral, os autores da ergonomia da atividade, independente da concepção de análise da atividade que assumem, sustentam a ideia de que trabalhar é gerar uma tensão com consequências em dupla exigência. Por um lado constam as expectativas da empresa em termos do desempenho dos trabalhadores cuja via de expressão é a tarefa. Por outro lado, constam as manifestações do trabalhador diante dessa tarefa em termos de sua saúde, o que reenvia às expectativas dele a partir de seu engajamento na atividade (HUBAULT; BOURGEOIS, 2004).

A análise do trabalho não é simplesmente ter em conta a descrição do que faz o operador. Ela deve servir ao desenvolvimento da atividade, tanto em melhorias para o trabalhador como para orientação econômica da empresa, mas, igualmente e ainda, ela deve interessar também ao que a sociedade lhe solicita numa perspectiva de melhoria como, por exemplo, oferecer aportes para o debate sobre a idade para a aposentadoria (HUBAULT; BOURGEOIS, 2004, p. 35).