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4 ABORDAGEM METODOLÓGICA DA PESQUISA

4.1 Abordagem do campo de pesquisa e a disciplina foco

Os dados principais que embasaram a presente análise da atividade de trabalho do professor pesquisado foram originários de observações, registros de áudio e filmagens realizadas na situação de trabalho pesquisada, com ênfase dada na sala de aula. Entenda-se sala de aula como o laboratório da disciplina Comandos Elétricos, do curso técnico de eletrotécnica de nível médio do CEFET-X – concomitância externa, turma do segundo módulo, turno noturno e frequente ao segundo semestre de 2009.

Apresenta-se a seguir o percurso da abordagem e inserção no campo de pesquisa. Decidiu-se fazê-lo respeitando, sempre que possível, a ordem cronológica das etapas percorridas até se definir sobre a disciplina Comandos Elétricos e o professor ZAB.

Em meados de 2007, houve uma breve conversa informal inicial com a vice-diretora do departamento de ensino de segundo grau sobre cursos que tivessem a frequência maior de alunos trabalhadores, pois havia como parâmetro que os alunos trabalhadores pudessem trazer mais questionamentos para sala de aula a partir de suas experiências de trabalho real, ou seja, outro suposto elemento que pudesse levar à maior circulação da atividade industriosa na situação de trabalho a investigar. A diretora se referiu ao curso de eletrotécnica, informação que foi confirmada pelo coordenador do Curso Técnico de Eletrotécnica. Isso ocorreu na época da redação do projeto de pesquisa para ingressar-se na seleção do curso de doutorado.

Retornou-se ao campo no segundo semestre de 2008, com boa receptividade da pesquisa pelo coordenador do Curso Técnico de Eletrotécnica. Até o final de 2008 fizeram-se visitas esporádicas à coordenação e aos espaços da escola reservados ao Curso Técnico de Eletrotécnica para realização de observações globais.

Nesse retorno, foi indagado ao coordenador do curso técnico de eletrotécnica sobre as informações relativas aos alunos trabalhadores. Procurava-se localizar algum módulo desse curso em que os alunos trabalhadores se encontrariam em maior frequência. Ele não tinha dados sistematizados ou arquivados na coordenação sobre a localização desses alunos trabalhadores no curso. Entretanto disse que, certamente, o turno noturno seria aquele que abrigaria a maioria desses alunos trabalhadores.

O serviço de acompanhamento ao estudante do CEFET-X foi também procurado na busca de informação sobre a localização dos alunos trabalhadores nos cursos e lá também não havia qualquer registro.

Identificada essa realidade de falta de informações sobre a localização do aluno trabalhador no curso técnico de eletrotécnica, tomou-se como critério para escolha da disciplina foco de pesquisa o critério de que a disciplina deveria localizar-se no turno noturno.

Enquanto procedimento das observações globais, em janeiro de 2009 buscou-se conhecer os espaços e os tempos de atuação dos professores da coordenação. Nessas circunstâncias, certificou-se de que estavam ocorrendo algumas aulas correspondentes ao fechamento do ano letivo de 2008. Nesse momento, viu-se a oportunidade de se adiantar a realização de algumas observações globais das aulas nos laboratórios. Necessitando decidir sobre as aulas a observar, conversou-se com o coordenador do Curso Técnico de Eletrotécnica para buscar algumas informações necessárias para tal.

A orientação para as disciplinas do turno noturno estava posta em consideração, entretanto a questão do aluno trabalhador era um dos argumentos mais fortes para justificar o acontecimento do educar no e para o trabalho15 na época das proposições postas no projeto ao início do doutorado, pois o aluno trabalhador supostamente seria um dos mediadores de interlocução dos valores relativos ao “trabalho real” junto ao professor, interrogando-o e, por suposição, colocando-o em desconforto intelectual.

O único caminho que se viu naquele momento, na tentativa de explorar um pouco mais sobre essa possível influência do aluno trabalhador sobre o educar no e para o trabalho, foi realizarem-se observações globais em aulas do curso diurno e do curso noturno, pois já havia sido indicado o turno noturno como aquele que provavelmente abrigaria um maior número de alunos trabalhadores.

Certificou-se junto à Coordenação do Curso de Eletrotécnica de que não havia professores que ministrassem a mesma disciplina, nos turnos diurno e noturno. De acordo com informações do coordenador do curso de eletrotécnica, não havia disciplina com a mesma denominação que fosse ministrada em dois turnos diferentes. Justificou isso dizendo que no turno diurno ocorria o curso de modalidade integrada e no turno noturno ocorria o

15 Experiências escolares que oportunizam a confrontação e o compartilhar de saberes, valores e normas entre seus docentes e alunos a partir de suas vivências investidas, simultaneamente, em experiências de trabalho real, como, por exemplo, aulas em laboratórios e oficinas, visitas às empresas e estágio profissional supervisionado. Experiências que denominamos educar no e para o trabalho, em que ocorrem procedimentos, como o planejamento e o desenvolvimento de projetos envolvendo a manipulação, a montagem e a desmontagem de equipamentos e máquinas, bem como a produção de conhecimento mediante o desenvolvimento de algum dispositivo com aplicabilidade industrial ou comercial.

curso de modalidade concomitância externa. Essas duas modalidades de cursos comportam grades disciplinares distintas. Ele disse que o que acontecia mais próximo disso eram conteúdos de ensino semelhantes no turno diurno e no turno noturno.

Nessa oportunidade, indagou-se ao coordenador do curso de eletrotécnica sobre professores que ministrassem conteúdos semelhantes, independente da denominação da disciplina, e que fossem professores que tivessem uma experiência significativa em empresas e que atuassem nesses conteúdos de ensino semelhantes.

O coordenador do curso de eletrotécnica indicou dois professores que atuavam com conteúdos de ensino semelhantes no turno diurno e no turno noturno. Um desses professores veio mais tarde a ser o professor ZAB. Tinha-se como suposição que poderia haver diferenças de questionamentos, diferenças de exigências ao professor em vista da presença de suposto maior número de trabalhadores no turno noturno.

Em vista disso, iniciaram-se as observações globais das aulas desses dois professores: a) o professor ZAB em suas aulas diurnas na disciplina Controladores lógicos de programação (PLC), que incluía parte do conteúdo de ensino ministrado na disciplina Comandos Elétricos, aquela ministrada no curso noturno, disciplina que é o foco de investigação presente; e b) o outro professor indicado pelo coordenador do curso de eletrotécnica ministrava as aulas da disciplina Informática Industrial, disciplina existente somente no curso noturno. As aulas que este professor ministrava no turno diurno não foram possíveis de serem observadas devido a que, naquela época de janeiro, ele já havia cumprido seu programa de curso no turno diurno; assim, suas aulas já tinham sido encerradas no turno diurno.

No curso do turno noturno, na turma observada, não se encontraram alunos trabalhadores. Mesmo considerando que as disciplinas eram diferentes, as observações globais das aulas do curso no turno diurno e do curso do turno noturno não mostraram a diferenças que se pudessem ser destacadas em termos da atividade de trabalho docente do professor ZAB. Buscou-se o ponto de vista do professor ZAB, solicitando-lhe que comentasse se havia diferença entre as aulas que ministrava no curso do turno diurno e no curso do turno noturno, quando abordados os conteúdos de ensino semelhantes, nessas duas turmas que eram acompanhadas, ou seja, conteúdos relativos a comandos elétricos. Ele demarcou que era difícil comparar e comentar diferenças entre as turmas nos dois turnos distintos, pois a disciplina PLC era mais extensa em conteúdos de ensino do que a de Comandos Elétricos. Disse ainda que, ao final da disciplina PLC, os alunos teriam de pensar numa proposta de projeto industrial e simular a montagem e funcionamento desse projeto no computador, o que não ocorria em Comandos Elétricos. O professor ZAB comentou algumas diferenças

percebidas, mesmo que demarcando a dificuldade de comparação. Dentre essas diferenças disse que ele podia puxar mais dos alunos do turno diurno, uma vez que a exigência dos alunos no aprofundamento e na complexidade do conteúdo era maior, pois eles apreendiam mais rapidamente o que era trabalhado nas aulas, além de terem que cumprir a proposta de realizar um projeto industrial ao final da disciplina.

Contudo, antes dessas observações das aulas do professor ZAB nos turnos diurno e noturno e as definições de que não havia diferenças evidentes na atividade de trabalho docente do professor nos dois turnos somado a que não tinham sido encontrados alunos trabalhadores no turno noturno, pareceu plausível a justificativa para o acompanhamento de disciplinas no turno noturno, na tentativa de contemplar o critério do aluno trabalhador posto na definição do educar no e para o trabalho no início do doutorado (discussão referida com mais detalhes na página 21).

Em vista de buscar mais informações que pudessem ajudar para a definição de qual disciplina/professor constariam como foco da investigação para as observações sistemática a ocorrerem em janeiro de 200916, fez-se uma breve entrevista aberta com dois alunos do curso noturno que cursavam o último módulo do curso técnico de eletrotécnica. O objetivo das entrevistas foi saber a opinião desses alunos sobre representatividade das disciplinas já cursadas em relação a sua prática de trabalho.

Abordaram-se diversos alunos no horário de chegada para as aulas na entrada do galpão de laboratórios do curso de eletrotécnica. Nessa chegada, ao acaso, entrevistaram-se os dois primeiros que afirmaram cursar o quarto módulo do curso. Eram, portanto, alunos que já haviam cursado a maioria das disciplinas do curso e que por isso poderiam indicar disciplinas constantes no currículo do curso como um todo. Buscaram-se também alunos que estivessem realizando o estágio supervisionado ou que já estivessem trabalhando no campo da eletrotécnica.

O primeiro aluno abordado relatou trabalhar na área de mineração realizando a manutenção em motores de indução, circuitos elétricos e subestações. Ele indicou as disciplinas: Comandos elétricos ─ esta disciplina foco da coleta de dados deste estudo ─, PLC, Manutenção de motores (2º módulo), Painéis elétricos, Máquinas, Informática, PDE (4º módulo), que trata da distribuição de energia elétrica. Para essa disciplina, PDE, foi destacada ainda uma visita técnica marcante. Ele falou sobre a visita técnica realizada na disciplina PDE à Subestação da Pampulha CEMIG.

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Esta ocorrência atípica de aulas no mês de janeiro deveu-se à greve de professores realizada em anos anteriores.

O segundo aluno abordado relatou trabalhar como auxiliar de um coordenador de projetos elétricos e indicou as disciplinas: Equipamentos e Material Elétrico, Organização e Normas e Desenho Elétrico.

Pode-se perceber que foram muitas as disciplinas indicada por esses dois alunos entrevistados e que há uma aproximação, em termos de conteúdo, entre a ênfase de atuação profissional do aluno entrevistado e as disciplinas por ele indicadas.

Ainda como consequência dessas breves entrevistas com esses dois alunos, tomou-se a decisão de iniciar as observações globais junto à disciplina PDE para a qual a visita técnica foi destacada pelo primeiro aluno. Acompanharam-se duas aulas dessa disciplina e certificou- se de que ela era oferecida em dois espaços físicos distintos, uma sala de projetos munida de pranchetas de desenho e também outra sala de aula ambiente onde eram ministrados treinamentos para o pessoal de empresas.

A alternância do uso de espaços diferentes na disciplina PDE, inclusive em dependências prediais distintas, muitas vezes no decorrer da sequência de uma mesma aula, fez decidir-se pela impossibilidade de acompanhar, em coleta de dados detalhada, a disciplina PDE. Essa decisão justificou-se pela previsão da filmagem como instrumento de registro. A preparação do espaço para filmagem poderia implicar o uso de equipamentos como tripé, iluminação, dentre outros, e a preparação prévia de dois espaços para isso seria inviável.

Precisava-se definir por uma disciplina, pois, nessas observações globais, certifica-se que o volume de dados a serem gerados com o cruzamento de duas tomadas de filmagem e duas tomadas de registro em áudio somaria um trabalho inviável de ser feito pela doutoranda, ou seja, o acompanhamento de mais de uma disciplina. Acrescido a isso se impunha o fato da necessidade de registrar e analisar uma terminologia técnico-científica de difícil compreensão, sem falar na necessidade de compreensão dos procedimentos dos alunos como esquemas, montagens, etc. Tudo muito longe de uma compreensão inicial, naquele momento, para atingir a compreensão necessária à análise a ser feita, optou-se pelo estudo de caso de um professor em uma disciplina. O que foi feito.

Anteriormente a essa decisão, havia dois professores em perspectiva, o professor ZAB e o professor da disciplina Comandos Elétricos, cujas aulas seguíamos em observações globais. Para se decidir sobre qual desses professores seria o foco do estudo de caso, voltou-se ao posicionamento de contemplar o maior número de critérios possíveis postos na definição do educar no e para o trabalho no que concerne aos dizeres: onde ocorrem procedimentos como o planejamento e o desenvolvimento de projetos envolvendo a manipulação, a montagem e a desmontagem de equipamentos e máquinas.

O critério envolvimento na realização de montagens e desmontagens de equipamentos e máquinas foi também fundamental para se definir pela disciplina Comandos Elétricos e o professor ZAB. Nessa disciplina havia uma multiplicidade de dispositivos de montagem a serem considerados para realização das atividades pelos alunos no laboratório. Esse também foi o principal critério considerado para se deixar de acompanhar, em coleta de dados, a disciplina Informática industrial, em que constavam, como dispositivos para a realização de atividades pelos alunos, os computadores e um simulador sonoro/luminoso para aferição dos resultados de comandos das programações informatizadas desenvolvidas pelos alunos.

Na continuidade do desenvolvimento da pesquisa, soube-se que a disciplina de Comandos Elétricos constava como a oportunidade dos primeiros contatos dos alunos com procedimentos de montagem propriamente ditos, em que eles poderiam colocar em prática a junção de fundamentos teóricos referentes a outras disciplinas cursadas anteriormente a Comandos Elétricos. Essa disciplina contempla o exercício de compreensão de situações- problema, como colocar uma esteira rolante sob comandos ou mesmo um elevador num sentido conceitual, quer dizer, de generalização na aplicabilidade funcional dos dispositivos. Por exemplo, para a esteira mudar de sentido ao rolar, ela terá de ser comandada por um dispositivo de montagem denominado fim de curso. Isso pode ser aplicado ao elevador para ele mudar entre o modo de subida para o de descida. O fim de curso, que, ao ser ativado, inverte o curso da corrente e comanda outra condição para o funcionamento do circuito, assim sendo demarca uma generalização de função que pode ser utilizada nos mais diferentes tipos de montagens de comandos.

Sobre a disciplina de Comandos Elétricos, nesse aspecto de exercitar a passagem de saberes particulares para saberes generalizados, ao ser acessada em outras disciplinas e saberes no devir, o Professor ZAB diz: :

[...] comandos elétricos 1 eles começam realmente a ver, a parte teórica, com aplicabilidade industrial, começam realmente a aplicação industrial do que eles vão ver. Dela eles vão ver a parte de instrumentação, de controle que vêm todas elas atreladas a PLC, linguagem e programação industrial voltada a equipamento vem tudo, a linha é o Comando Elétrico...(Professor ZAB em entrevista em profundidade em 21/11/11)

Entende-se por essa fala que, na disciplina Comandos Elétricos, o professor deve resguardar um patrimônio de significados importantes para que o aluno prossiga em condições de acompanhar bem a continuidade do curso.

O professor ZAB preocupa-se em passar os conceitos básicos como, por exemplo, partida compensada, para serem analisados e generalizados na tentativa de garantir uma visão

mais ampla do aluno em vista da relação necessária entre a prática profissional e a formação escolar.