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A escola como lócus da formação continuada de professores

2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS: SUBSÍDIOS PARA A

2.1 A escola como lócus da formação continuada de professores

Nos últimos anos, o modelo predominante de formação continuada tem sido duramente questionado por muitas razões, entre elas, o fato de desconsiderar o contexto de trabalho do professor, as suas experiências e práticas.

Segundo Garcia (1999), as atividades de desenvolvimento profissional são normalmente planejadas fora do contexto escolar, e nem sempre condizem com as reais necessidades dos professores em exercício, caracterizando o que o autor denomina de heteroformação.

As investigações recentes que tratam de uma formação voltada para o professor reflexivo, tem como eixo central a própria escola, deslocando-se o eixo da formação de professores da universidade para o cotidiano da escola de educação básica; o que não significa desconsiderar a contribuição da universidade na formação docente, como também na produção de conhecimentos. Contudo, o desenvolvimento profissional deve

ser entendido como um trabalho reflexivo da prática docente, como uma forma de reconstrução permanente de uma identidade pessoal e profissional em interação mútua com a cultura escolar, com sujeitos do processo e com os conhecimentos acumulados sobre a área da educação (COSTA, 2004).

Segundo os Referenciais para Formação de Professores (BRASIL, 2002a), a formação continuada pode ocorrer dentro ou fora da escola. Quando ocorre no âmbito

escolar, deve haver uma reflexão compartilhada com toda a equipe, nas tomadas de decisão, na criação de grupos de estudo, na supervisão e orientação pedagógica, na

assessoria de profissionais especialmente contratados, etc. O documento ainda sugere programas desenvolvidos com outras instituições de ensino, cursos, palestras, seminários, etc.

Segundo Canário (1998), a escola é o lugar que mais colabora para aprendizagem do professor, pois ela constitui o espaço real de construção da sua identidade profissional. Para o autor, é preciso repensar a formação profissional do professor, visando a superar deficiências históricas dos modelos de formação. O autor analisa a questão da capacitação individual versus capacitação coletiva, lembrando que é impossível dissociar a mudança dos modos individuais de pensar e agir dos processos coletivos que se dão no contexto das mudanças organizacionais. Também, ao destacar o grande debate em torno da formação de professores e da construção da sua identidade profissional, argumenta que a identidade profissional do professor se constrói no local de trabalho – a escola – mediante formação contínua que contemple a prática docente, seus saberes, suas experiências, seus fazeres e suas necessidades, com vistas à elaboração de “estratégias de mudança”.

Com relação à qualidade dos projetos de formação continuada oferecidos, Guarnieri (2000) mostra que deve ocorrer uma articulação entre a formação teórico acadêmica e o conhecimento da prática de sala de aula. Logo, Garcia (1999), Silva (2000), Sacristán (2000), Mizukami (2002), Zeichner (1997) e Nóvoa (1997), entre outros, assumem a escola como o locus de formação continuada dos professores.

De fato, há intensas críticas aos cursos de formação que são realizados de forma desconectada ao dia-a-dia do professor, ou seja, sem que levem em conta as reais necessidades dos docentes envolvidos. Essa crítica também está presente na análise de pesquisas com professores. Nesse sentido, Gimeno Sacristán (2000) afirma que “não se pode descobrir a realidade do que ocorre no ensino senão na própria interação de todos os elementos que intervêm nessa prática” (GIMENO SACRISTÁN, 2000, p.204).

Sem negar que as práticas e os saberes docentes são determinados por fatores extrínsecos – demandas sociais, condições de trabalho, desvalorização social e salarial da profissão docente, reformas educacionais, etc. – que fogem ao controle dos professores, as pesquisas revelam outros determinantes dessas práticas e saberes como, por exemplo, as trajetórias pessoais e as histórias de vida dos professores, seus processos de formação escolar, assim como o próprio exercício da profissão, sobretudo frente às necessidades de aprendizagem dos alunos e de outras responsabilidades que são próprias da docência, e que ultrapassam o momento da aula.

Acredita-se que olhar a escola “de dentro” permite uma melhor percepção do fenômeno educativo, e a elucidação de aspectos ainda pouco conhecidos acerca da realidade escolar e das mudanças possíveis e necessárias nos quadros atuais. No que tange, por exemplo, ao trabalho docente, as normas administrativas e leis, situadas historicamente, certamente regem muitas de suas características laborais, por exemplo, as condições de trabalho dos professores, seus salários e as relações de trabalho. No entanto, essa perspectiva normativa não pode dar conta do que acontece na realidade pensada no fazer de todos os dias.

Nóvoa (2002) salienta a importância da escola no processo de formação docente e, ao discutir questões ligadas à formação contínua dos professores, aborda três aspectos: desenvolvimento pessoal do professor, desenvolvimento profissional e de seus saberes e desenvolvimento organizacional da escola. Para o autor, a escola deve ser entendida como um ambiente educativo, no qual trabalhar e formar sejam atividades complementares, sendo a formação contínua vivenciada como um processo permanente e integrado no cotidiano da escola e dos professores e não como um apêndice imposto por uma instituição ou pelo sistema.

Quando as inovações ou projetos são implementadas sem consulta prévia dos professores, são rejeitadas pela sua maioria, pois pode transmitir a ideia de que os docentes são meros executores (TARDIF, 2004).

Nesses casos, de acordo com Langhi (2009), o assessor não é visto pelos professores participantes como profissional que pode prestar ajuda, mas como “cúmplice” da política administrativa, não neutro, ou, quando no âmbito da pesquisa universitária, como investigador “sugador de dados” para seus trabalhos e posterior divulgação dos “defeitos” da atuação dos professores.

Marcelo García (1995), também aponta vários fatores, de diferentes ordens, que influenciam os processos de desenvolvimento profissional dos professores, alguns deles

relacionados a dimensões mais amplas, como as políticas educacionais; outros, a dimensões mais particulares, como o coletivo dos professores na escola. A atividade docente acontece num contexto em que elementos diversos se entrelaçam constituindo o

ethos da escola, o qual possibilita ou dificulta a ação do professor, seu compromisso e

seu desejo de mudança. É preciso, portanto, ter presente que a atividade docente se dá em um espaço coletivo, no qual se estabelecem redes coletivas de trabalho que são fator decisivo de socialização profissional e de afirmação de valores da profissão (Nóvoa, 1992).

Para Nóvoa (1991), é no cotidiano escolar que o profissional da educação aprende, desaprende, estrutura novos aprendizados, realiza descobertas e sistematiza novas posturas na sua “práxis”. Há uma relação dialética entre desempenho profissional e aprimoramento da sua formação que não é simples nem ocorre espontaneamente.

Nesse sentido, o autor advoga que:

“A formação continuada deve estar articulada com desempenho profissional dos professores, tomando as escolas como lugares de referência. Trata-se de um objetivo que só adquire credibilidade se os programas de formação se estruturarem em torno de problemas e de projetos de ação e não em torno de conteúdos acadêmicos”. (NÓVOA, 1991, p.30).

Nesse caso, é importante lembrar que os programas de formação, ao se estruturarem em torno de problemas e de projetos de ação, correm o risco de gerar maiores entraves ao conhecimento acadêmico como componente essencial que é, no trabalho do professor.

Nóvoa (1991) alerta, ainda, que a prática pedagógica seja reflexiva no sentido de identificar problemas e resolvê-los a partir de uma prática coletiva, construída por grupos de professores ou por todo corpo docente de determinada escola; e a necessidade de se criar novas condições para o desenvolvimento desse processo, em que a escola seja explorada em todas suas dimensões formativas.

Para tanto, concordamos com Costa (2004) que, se faz necessária a promoção de experiências internas de formação, que esta iniciativa se articule com o cotidiano escolar e não desloque o professor para outros espaços formadores. Além disso, essa forma de ver a formação continuada requer que as instituições escolares criem espaços e tempos institucionalizados que favoreçam processos coletivos de reflexão e intervenção na prática pedagógica por meio de reuniões pedagógicas, dentro da carga horária dos

profissionais, construção coletiva do projeto político-pedagógico da escola, inclusive programa de formação contínua e avaliação coletiva do mesmo.

Também de acordo com a concepção apresentada, deve-se rejeitar a visão de “cima para baixo” das reformas educativas, nas quais os professores aplicam, de forma aparentemente passiva, planos e cursos desenvolvidos por outros atores sociais, institucionais e/ou políticos (ZEICHNER,1993).

Acreditamos, também nós, que é no contato com o fazer do professor, no seu local de trabalho, que se pode compreender suas necessidades formativas para pensar, então, subsídios capazes de suprir essas demandas.