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Introdução e repercussão das atividades práticas no contexto escolar

1. ATIVIDADES PRÁTICAS NO ENSINO DE CIÊNCIAS

1.3 Atividade Prática no contexto escolar

1.3.2. Introdução e repercussão das atividades práticas no contexto escolar

A importância atribuída às atividades experimentais na educação em Ciência é antiga, mas há divergência quanto à data exata de sua inserção no ambiente escolar (GONÇALVES, 2005). Galiazzi (2000), por exemplo, considera que a experimentação foi inserida pela primeira vez no contexto escolar em 1865, no Royal College Chemistry, na Inglaterra, enquanto, Petitat (1994) salienta que no século XVIII, na

França, já existiam pelo menos 600 locais de ensino com experimentação e observação. Um exemplo de aulas práticas já utilizadas nessa época, é o das aulas de anatomia com demonstração e dissecação de cadáveres.

Primeiramente influenciado pelo trabalho experimental que era desenvolvido na universidade, o ensino por meio da prática veio ganhando espaço, a partir da década de 1960, nos programas escolares e, ainda hoje, é considerado pela maioria dos professores de ciências, uma estratégia fundamental para um bom ensino (Izquierdo, Sanmartí e Espinet, 1999).

Segundo De Jong (1998), passou-se a desacreditar na educação em ciências baseada apenas na transmissão de conteúdos, disseminando-se a relevância dos trabalhos empíricos, inerentes às Ciências. As atividades práticas foram introduzidas nas escolas de ensino básico com o objetivo de melhorar a aprendizagem dos conteúdos científicos, pois os alunos aprendiam os conteúdos, mas não sabiam aplicá-los.

Nesse tipo de ensino (que ficou conhecido como ensino tradicional), as atividades experimentais eram expositivas, de demonstração e verificação e foram as mais criticadas nas obras sobre o tema (DOMIN, 1999; GALIAZZI, 2000), pois seu papel se resumia em comparar um resultado obtido empiricamente com o resultado esperado teoricamente, contribuindo muito pouco para a aprendizagem dos alunos.

Nas décadas de 1950 e 1960, o ensino com atividades experimentais recebeu um grande impulso, pois esse era um momento em que “a sociedade brasileira se ressentia da falta de matéria prima e produtos industrializados durante a 2ª Guerra Mundial e no período pós-guerra, [pois] buscava superar a dependência e se tornar auto- suficiente (...)” (KRASILCHIK, 2000, p. 86). Para a autora, o cerne das reformas curriculares implementadas nesses anos era trazer a investigação científica para o ensino de ciências, de forma a preparar os jovens para suprir a demanda de pesquisadores que impulsionariam o desenvolvimento cientifico para a industrialização do Brasil e consequentemente, seu progresso.

No cenário internacional, o lançamento do Sputinik I russo em 1957, que colocou a Rússia em evidência quanto ao desenvolvimento cientifico e tecnológico, gerou uma reação nos países ocidentais, principalmente naqueles considerados desenvolvidos, como EUA e Inglaterra, que mobilizaram grande número de recursos humanos e financeiros para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, incluindo a educação básica para incentivar jovens talentos a seguir carreiras cientificas. Krasilchik aponta que,

Na medida em que a Ciência e a Tecnologia foram reconhecidas como essenciais no desenvolvimento econômico, cultural e social, o ensino das Ciências em todos os níveis foi também crescendo de importância, sendo objeto de inúmeros movimentos de transformação do ensino, podendo servir de ilustração para tentativas e efeitos das reformas educacionais. (2000, p. 85)

Os órgãos governamentais ligados a educação cientifica nos EUA e Inglaterra produziram no final da década de 1950 e ao longo da década de 1960 materiais didáticos para as disciplinas escolares, baseados na promoção do ensino de ciências a partir de uma prática de ensino que levava o aluno a participar de atividades que lhe possibilitavam “fazer” ciência através do método experimental, ou seja, tinham uma perspectiva metodológica que visava planejar e executar experimentos a fim de possibilitar a vivência dos alunos com o Método Científico (BARROW, 2006).

No período da década de 1950-70, prevaleceu a ideia da existência de uma seqüência fixa e básica de comportamentos, que caracterizaria o Método Cientifico na identificação de problemas, elaboração de hipóteses e verificação experimental dessas hipóteses, o que permitiria chegar a uma conclusão e levantar novas questões. (KRASILCHIK, 2000, p. 88).

Baseados nessa idéia, foi produzido para a disciplina Biologia, um material que ficou conhecido como Biology Science Curriculum Study (BSCS) com três versões: azul, verde e amarelo. Para a física foram produzidos os manuais do Physics Science Study Committe (PSSC) e, para a química, o Chemical Bond Approach (CBA). Esses projetos tinham como principal característica uma visão empirista de Ciência, salientando o entendimento de que todo o conhecimento proviria da experimentação. Segundo esse pressuposto, os sentidos forneceriam bases seguras para a Ciência, o que têm sido intensamente criticado pelas discussões mais atuais acerca da natureza do conhecimento científico.

Reformas curriculares semelhantes foram desenvolvidas no Brasil a partir de projetos do IBECC – Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura, criado em 1946, e a partir da tradução de materiais didáticos, como o BSCS e similares.

Os primeiros materiais produzidos pelo IBECC foram os kits de Química, comprados pelo Ministério da Educação e distribuídos nas escolas, ou disponibilizados para venda ao público. A partir dessa experiência, foi instituído no IBECC um projeto chamado “Iniciação Cientifica” que produziu kits com manuais de instruções e leituras complementares que contemplavam conceitos de química, biologia e física (BARRA & LORENZ, 1986).

Pode-se dizer que o modelo de ensino fomentado por esses materiais, e que ficou conhecido como ensino por descoberta (CACHAPUZ, 2000), surgiu como reação à insuficiência do modelo tradicional de ensino. Enfatizava os procedimentos científicos e a aquisição de habilidades por parte dos alunos e tinha como objetivo primordial, pôr o aluno em situação de aplicação do método científico. As atividades experimentais passaram a ter o papel principal, ou seja, o aluno mediante a experimentação poderia descobrir as leis e teorias subjacentes a ela (García Barros et al.,1998).

Krasilchik (2000) aponta que nesses projetos curriculares, a ciência era considerada uma atividade neutra, o que quer dizer que o julgamento de valores dos cientistas e as condições de produção em que os cientistas estavam inseridos eram colocados à parte da atividade cientifica e de suas implicações na sociedade.

Nas décadas de 1970 e 1980, o ensino por descoberta passou a ser criticado intensamente, pois promoviam atividades fundamentadas no pressuposto empirista- indutivista sobre a investigação científica que não possibilitavam, da maneira como foram propostas e desenvolvidas, que os estudantes aprendessem habilidades inerentes às investigações, como a formulação de problemas, construção de hipóteses e a seleção de procedimentos (DOMIN, 1999).

Essas atividades foram criticadas, ainda, por se mostrarem deficientes (a) na motivação dos alunos (BASTIDA DE LA CALLE et al., 1990; HODSON, 1990, 1994; GIL e PAYÁ, 1988); (b) no favorecimento da aprendizagem de conceitos científicos (HODSON, 1990, 1994); (c) no desenvolvimento de habilidades e procedimentos investigativos (GIL e PAYÁ, 1988; HODSON, 1990, 1994; TAMIR e LUNETTA, 1981; MIGUÉNS e GARRET, 1991); e (d) na promoção de uma imagem adequada das ciências experimentais e da investigação científica (HODSON, 1990; GIL e PAYÁ, 1988).

As críticas ao ensino de por descoberta vieram também de autores influenciados pelos trabalhos de Piaget e Ausubel. Segundo os estudos desses autores, os estudantes traziam consigo concepções prévias e outros instrumentos cognitivos, os quais estimulavam diferentes interpretações dos resultados de observações e experimentos, inviabilizando a suposta linearidade do trabalho científico.

No período do movimento das concepções alternativas e do ensino por mudança conceitual é que há destaque para o papel das atividades práticas em estimular a explicitação dos conhecimentos prévios dos alunos e colocar em xeque esses conhecimentos, gerando conflito cognitivo.

No final da década de 1980 e início da década de 1990, entretanto, há uma retomada da investigação como prática de ensino de ciências. O ensino por investigação não tem, nessa época, como na década de 1960, o objetivo de formar cientistas; agora, o intuito é alfabetizar a população cientificamente a fim de que compreenda um mundo onde a ciência e a tecnologia cada vez mais influenciam aspectos políticos, econômicos e sociais (TRÓPIA, 2009). Não há ênfase exclusiva na execução de atividades empírico experimentais sem reflexão, mas na discussão da importância da atividade científica no mundo contemporâneo, bem como seus limites e controvérsias.

As discussões atuais sobre a natureza da ciência contemplam a atividade científica como uma atividade humana, histórica e social, vinculada a interesses políticos e econômicos. Portanto, parece uma tendência atual investir em atividades experimentais com um caráter indagador, que supere as tese empirita-indutivista da experimentação.

Fundamentadas em pressupostos construtivistas, atualmente, a investigação é utilizada no ensino com outras finalidades, como o desenvolvimento de habilidades cognitivas nos alunos a realização de procedimentos como elaboração de hipóteses, registro e análise de dados e o desenvolvimento da capacidade de argumentação.

Nesse caso, alguns autores (CARVALHO et al,1998; Gil, 1986) defendem que, ao utilizar atividades investigativas problematizadoras como ponto de partida para a compreensão de novos conhecimentos, o professor permite que o aluno participe de seu processo de aprendizagem, saindo de uma postura passiva para uma postura ativa sobre o seu objeto de estudo, relacionando o objeto com acontecimentos e buscando as causas dessa relação, procurando, portanto, uma explicação. Essa forma de utilizar atividades práticas no ensino pode contribuir com a construção da autonomia dos alunos.

O breve histórico apresentado permite dizer que os objetivos das atividades práticas nos diferentes currículos estão de acordo com o modelo de ensino ao qual se integram, à concepção de ciência que se tem e ao momento histórico considerado.

Portanto, quando o modelo de ensino é o de transmissão-recepção, as atividades práticas têm o objetivo de exemplificar a teoria, representam um complemento do ensino verbal, uma oportunidade para o desenvolvimento manipulativo, para a comprovação da teoria e domínio de cálculo e erro, e o tempo dedicado a elas é ínfimo (GARCIA BARROS et al. 1998).

Por outro lado, no modelo do ensino por descoberta, as atividades práticas são consideradas essenciais e, portanto, o tempo dedicado a elas é grande, já que o objetivo é aprender ciências “fazendo ciências”.

Os modelos construtivistas, mais recentes, que concebem a aprendizagem como um processo dinâmico, significativo e relacionado com o conhecimento prévio do aluno, sugerem metodologias socráticas, expositivas, por geração de conflito ou por

investigação (PERALES PALÁCIOS, 1994, p. 121). Essa visão do processo ensino-

aprendizagem converte os trabalhos práticos em pequenas investigações (GONZÁLEZ, 1992).

Nesse caso, Carvalho et al, (1995) propõem que sejam realizadas diferentes atividades, estas acompanhadas de situações problematizadoras, questionadoras e de diálogo, envolvendo a resolução de problemas e levando à introdução de conceitos para que os alunos possam construir seu conhecimento. Essa construção só ocorre pela ação do estudante durante a resolução de um problema, sobre o qual ele deve refletir, buscar explicações, criar hipóteses e testá-las, não apenas reproduzir etapas.

Desde que foram inseridas nas escolas, até os dias atuais, as atividades práticas foram constantemente criticadas, contudo, continuam sendo objeto de investigação e sua importância ainda aparece na literatura atual em ensino de ciências, o que leva a crer que o problema não está na presença das atividades práticas, nas escola, mas na forma como são propostas em diferentes momentos.

Grande parte dos problemas já citados é o resultado de interpretações ingênuas que tanto os professores, como também os idealizadores dos modelos de ensino, ocasionalmente, fazem das atividades práticas. Alguns professores ainda apresentam uma visão equivocada de aprendizagem, considerando que ela pode ser alcançada através do trabalho autônomo do aluno. Essa é uma visão reducionista do trabalho científico, considera que o aluno pode “investigar sozinho” ou “aprender fazendo”, e já foi intensamente criticada (GIL PÉREZ et al, 1999; HODSON, 1994).

A despeito das críticas, o ensino por descoberta representou, historicamente, um passo importante na construção da Didática das Ciências na atualidade, pois constituiu uma tentativa de superar as limitações do ensino tradicional e conferir ao aluno um papel mais ativo no processo de aprendizagem. Um ponto positivo desse modelo de ensino foi o desenvolvimento da atitude de responsabilidade dos alunos face à aprendizagem, e da motivação pela experimentação, no sentido de aprender a “descobrir” e a observar (GIL- PÉREZ et al. 1999).

1.3.3 Discussões atuais sobre as atividades práticas no ensino de