• Nenhum resultado encontrado

2. FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE CIÊNCIAS: SUBSÍDIOS PARA A

2.3 Os saberes docentes e a formação do professor de ciência

1.3.3 A tipologia de Clermont Gauthier

Para Gauthier et el (1998) o knowledge base é concebido como um “reservatório de conhecimentos”, que para ele tem um sentido bem amplo, englobando todos os saberes docentes, cuja categorização mais citada é a de Shulman (1987) com sete saberes principais (ou conhecimentos) que caracterizam a profissão de professor: conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico do conteúdo, conhecimento pedagógico, conhecimento do programa, conhecimento do educando e de suas características, conhecimento dos contextos, conhecimento dos fins, objetivos, valores e fundamentos filosóficos e históricos da educação.

Para o autor, a expressão knowledge base é o conjunto de saberes que servem de base para o ensino, e pode ser entendida de duas maneiras: num sentido restrito, ela designa os saberes mobilizados pelos professores eficientes durante a ação em sala de aula (gestão de classe e gestão da matéria), e que deveriam ser incorporados aos programas de formação de professores. Num sentido mais amplo que designa o conjunto dos saberes que fundamentam o ato de ensinar no ambiente escolar.

Contudo, Tardif (2004) critica essa ideia de “reservatório de conhecimentos”, afirmando que esta é uma visão simplificadora, pois transmite a ideia de que todos os saberes estão igualmente disponíveis na memória do professor.

Gauthier e colaboradores corroboram com os trabalhos de Tardif, ao sustentar que os saberes estão diretamente relacionados com a questão temporal e os condicionantes que interferem direta e indiretamente no trabalho docente: “Os saberes nos quais os professores se apoiam dependem diretamente das condições sociais e históricas nas quais eles exercem sua profissão” (GAUTHIER et al., 1998, p. 343).

Em Gauthier et al (1998), os autores argumentam que as pesquisas envolvendo o levantamento dos conhecimentos relacionados ao oficio docente permitem superar duas problemáticas que sempre dificultaram a emergência dos saberes profissionais: o ofício sem saberes e os saberes sem ofício. No primeiro caso, os autores argumentam que existe um grupo de concepções errôneas que geram um quadro de cegueira conceitual. São elencadas seis ideias preconcebidas que depreciam a profissionalização do ensino: basta conhecer o conteúdo, ter talento, ter bom senso, seguir sua intuição, ter experiência e ter cultura.

Entre essas ideias, a questão do conteúdo inevitavelmente se destaca, pois é inegável a sua participação como um saber necessário à prática docente; entretanto, o

autor salienta que conhecer a matéria a ser ensinada não é suficiente por si só. Outros saberes são tão necessários quanto os saberes disciplinares.

Por outro lado, Gauthier (1998, p.25) também aponta que o esvaziamento do contexto da profissão gera o segundo obstáculo, os saberes sem oficio: da mesma forma que certas ideias preconcebidas prejudicam o processo de profissionalização do ensino, impedindo o desabrochar de um saber desse ofício sobre si mesmo, a tendência inversa, ou seja, a de formalizar o ensino, mas reduzindo de tal modo a sua complexidade que ele não mais encontra correspondente na realidade.

Nesse sentido, Gauthier critica as pesquisas que se preocupavam em formalizar um ideal de uma pedagogia cientifica. Uma pedagogia embasada em situações modelos que muitas vezes não são condizentes com as condições reais da sala de aula vivenciadas pelos professores (GAUTHIER et al., 1998). Nesse contexto, Gauthier e colaboradores (1998, p.27) afirmam que a racionalidade técnica que foi amplamente criticada por Schön gerou um processo de desprofissionalização da ação docente: “Esse fracasso do projeto da ciência da educação também contribuiu para desprofissionalizar a atividade docente, ao reforçar nos professores a ideia de que a pesquisa universitária não lhes podia fornecer nada de realmente útil [...]”.

Portanto, para a superação desses dois obstáculos, Gauthier e colaboradores (1998) apoiam a profissionalização do ensino baseando-se na mobilização de uma diversidade de saberes. Porém, uma condição necessária é que tais saberes devem ser específicos para as situações concretas da prática docente, ou seja, apoiar um ofício feito de saberes.

Para Gauthier et el (1998), o “reservatório de conhecimentos”, ou saberes docentes, possui um subconjunto de saberes, com um sentido mais restrito, denominado por ele de “repertório de conhecimentos”, também conhecido por “saberes da ação

pedagógica”, representando somente os saberes do gerenciamento da classe e do

gerenciamento do conteúdo. O reservatório de conhecimentos (ou saberes) inclui os seguintes saberes:

Saberes disciplinares (matéria): Referentes aos conhecimentos sobre a matéria a

ser ensinada, os saberes disciplinares são produzidos pelos cientistas e pesquisadores das diversas disciplinas e não pelo professor;

Saberes curriculares (programa): Referentes à transformação da disciplina nos

programas de ensino, são o conjunto de conhecimentos que serão transmitidos nos programas escolares;

Saberes das Ciências da Educação (disciplinas pedagógicas): Referentes à

organização escolar, ao desenvolvimento da criança, entre outros, são aos conhecimentos adquiridos no processo de formação ou no decorrer do trabalho do professor;

Saberes da tradição pedagógica (uso): Referentes às concepções e

representações sobre o modo de dar aula, são formadas antes mesmo do individuo fazer algum curso de formação de professores e, muitas vezes, servem de padrão na ação do professor;

Saberes experienciais (jurisprudência individual): São representados pela

experiência e o hábito ao longo do tempo, porém esse autor adverte que tais saberes muitas vezes pode se constituir de pressupostos equivocados;

Saberes da ação pedagógica ou repertório de saberes (jurisprudência pública):

São os saberes da experiência validados pelas pesquisas e que, portanto constituem os saberes mais importantes para o processo de profissionalização, segundo esse autor;

Gauthier et al.(1998), ainda, junta a esses, os saberes culturais e pessoais (pessoa) e os saberes pré-profissionais (vida). O autor organiza os saberes no seguinte quadro:

Quadro 3. O reservatório de saberes

Saberes Saberes Saberes Saberes Saberes Saberes

disciplinares (A matéria)

curriculares (O programa)

das ciências da

educação da tradição pedagógica (O uso) Experienciais (A jurisprudência particular) Da ação pedagógica (O repertório de conhecimentos do ensino ou a jurisprudência pública validada)

Fonte: (GAUTHIER et al., 1998). Para o autor, reconhecer a existência de um repertório de conhecimentos reflete um olhar ressignificado para o professor, que passa a ser visto como um

[...] profissional, ou seja, como aquele que, munido de saberes e confrontando a uma situação complexa que resiste à simples aplicação dos saberes para resolver a situação, deve deliberar, julgar e decidir com relação à ação a ser adotada, ao gesto a ser feito ou à palavra a ser pronunciada antes, durante e após o ato pedagógico (Gauthier, 1998, p. 331).