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A ESCOLA MUNICIPAL CLÁUDIO MANOEL DA COSTA (EMCMC)

2. A INSTITUIÇÃO

2.2. A ESCOLA MUNICIPAL CLÁUDIO MANOEL DA COSTA (EMCMC)

Na pedagogia da escola tradicional, o aluno era tido como naturalmente corrompido e essa ideia era justificada através de alguns comportamentos dos alunos, algumas vezes inquietos, algumas vezes criativos, ora afetuosos, ora destrutivos. Tinha-se a ideia de que eles precisavam de regras e vigilância ostensiva para melhorar seus comportamentos e adequar-lhes ao modelo aperfeiçoado do humano, desenvolvendo sua natureza humana essencial. Acreditava-se que este modelo aperfeiçoado seria dado pelos seus professores,

[...] e alguém escolhido para dar nome à escola e que deveria ser cultuado e seus feitos deveriam ser divulgados sempre aos alunos para que pudessem conhecer o modelo a seguir. Por isto as escolas tradicionais, na

sua grande maioria, têm nome de alguém (em geral homem) considerado aprimorado pela cultura. (BOCK, 2003, p.80)

Assim, dentro da pedagogia tradicionalista, surge o nome dado à escola pesquisada, através de uma homenagem feita ao inconfidente, jurista e poeta árcade do período colonial brasileiro Cláudio Manoel da Costa. Ele tornou-se conhecido por suas poesias e por sua participação na Inconfidência Mineira, mas também foi fazendeiro, cidadão ilustre, pensador de mente aberta e mecenas de Aleijadinho.

Por sua idade, boa lição clássica, fama de doutor e crédito de autor publicado, exerceu Cláudio da Costa ali uma espécie de magistério entre os seus confrades em musa, maiores e menores, que todos lhe liam as suas obras e lhe escutavam os conselhos, era uma das figuras principais da Capitania.” (WIKIPÉDIA)

A escola Municipal Cláudio Manoel da Costa, apesar de ser uma escola situada próximo ao centro da cidade, destaca-se por estar circunscrita a vários bairros pobres. Existe há mais de 20 anos, sendo que até a década de 1980 funcionava no prédio onde hoje funciona o Tiro de Guerra – instituição militar, cuja função é preparar reservistas para o Exército Brasileiro. Atendia apenas o primário e tinha poucas salas de aula. Em meados da década de 1980, contrariando a vontade dos professores, a Secretaria Municipal de Educação implantou o então ginásio e abriu o curso noturno.

Essas ampliações impulsionaram a mudança da escola para uma casa vizinha e sua ampliação, que passou de 4 salas para 11 salas de aula, além das salas da direção, secretaria, sala dos professores e cozinha. Atualmente, a escola ainda continua com esta estrutura, já antiga, sendo que a cozinha foi o único espaço que já passou por reforma desde então.

Fotos nº01 e nº 02: Extramuros e Intramuros da escola

Fonte: arquivo pessoal Kueyla Bitencourt

As salas são mal conservadas, as paredes quebradas, as mobílias riscadas e quebradas e as salas possuem telhas de fibrocimento – também conhecidas como telhas de Eternit –, o que não favorece boa climatização para as aulas, como podemos ver na fala de uma das professoras entrevistadas:

[...]a primeira coisa que me chamou atenção aqui é o fato de uma escola ser no centro da cidade e ter uma apresentação física tão precária. A sala de aula é ruim, a única coisa que a gente salva aqui é o quadro branco, né, que já é um ganho na rede. Mas, se você observar, essas telhas são... eu digo pras meninas que são um atentado a vida do professor, porque quando tá calor você não consegue dar aula porque esquenta demais. Quando tá chovendo você não dá aula por causa do barulho. A própria estrutura da escola, pintura da escola, muito mal conservada. As cadeiras, o mobiliário da escola é mal conservado. (Isi – professora)

O espaço de lazer é bastante escasso, os alunos contam apenas com um pátio, relativamente pequeno, localizado em frente às salas de aula, sendo que quando tem qualquer atividade no pátio o barulho inviabiliza a utilização das salas. Além de dois bancos de madeira não há nenhum outro tipo de atrativo para os alunos, nem mesmo para lazer. Os funcionários mais velhos afirmam que há um terreno baldio atrás da escola que antes funcionava como quadra, mas fecharam o acesso da escola para lá e os alunos ficaram sem espaço para brincar e praticar esporte.

Fotos nº 03 e nº 04: Os bancos de madeira

Fonte: arquivo pessoal Kueyla Bitencourt

Como não há lugar e atrativos para que eles brinquem, então sobem, batucam, correm, reinventam a partir das poucas coisas que encontram pelo pátio para se distrair.

Fotos nº 05, nº 06 e nº 07: Inventando formas de passar o tempo

Fonte: arquivo pessoal Kueyla Bitencourt

A Escola Municipal Cláudio Manoel da Costa é reconhecida pela Secretaria Municipal de Educação e pela comunidade a qual ela se agrega com o estereótipo de que é uma escola ruim e violenta. Os comentários tecidos a seu respeito cristalizam um estereótipo negativo formado em relação a ela e faz crescer dentro da instituição um sentimento de reprovação, de rigidez da percepção e a profecia autorrealizável, o que para Eizirik (2001), trata-se de uma “morte anunciada”, pois as pessoas passam a ver a escola sempre por esta perspectiva, sendo que “os estereótipos, portanto, são formas superestruturadas e rígidas de percepção, baseados quase sempre em informações errôneas ou incompletas.” (EIZIRIK, 2001, p.142)

Os julgamentos são perigosos, pois eles podem desencadear resistência às mudanças e, além disso, podem ser ativos, de forma que as pessoas que sofrem o estereótipo podem corresponder a ele agindo exatamente da forma que se espera delas. Como consequência, podemos notar que os próprios alunos, professores e funcionários passam a congregar desta estereotipia e a encarar a instituição escolar dessa forma.

Muitos participantes da escola reconhecem que ela é mal vista e mal quista pelos que estão de fora e afirmam que, de fato, há muita violência, visto que a instituição localiza-se numa zona limítrofe, que agrega alunos de vários bairros pobres circunvizinhos em que a violência é constante, além de existir rivalidades entre “gangues” de jovens destes bairros sendo esta refletida no interior das relações escolares.

Não obstante a existência deste estereótipo, as professoras afirmam que a EMCMC não é tão violenta assim e que seus alunos têm o perfil semelhante ao alunado de outras escolas públicas municipais onde também lecionam. Afirmam que trabalhar nesta escola, especificamente, é um desafio, de fato, porque os alunos e suas famílias estão sujeitos a

violências sociais e simbólicas muito mais arrebatadoras, traduzidas em violência doméstica, tráfico, falta de moradia, condições insalubres, inacessibilidade a serviços de saúde, desemprego, dentre outras mazelas. Alguns alunos são realmente muito pobres, não possuem sequer o que comer e estas questões inevitavelmente são refletidas no cotidiano da instituição escolar, no dia a dia da sala de aula.

A humilhação social é outro aspecto a que estão submetidas às famílias destes alunos, sendo muito comum elas serem discriminadas em função da sua etnia, condição social, bairro em que moram, nível de escolaridade. Este sentimento geralmente é transmitido para seus filhos – os alunos – que, em geral, sentem vergonha em dizer onde moram e desenvolvem sentimentos relacionados a baixo autoestima.

A humilhação social, de acordo com Gonçalves Filho (1998), é um fenômeno intersubjetivo, que possui características históricas e é fruto da desigualdade social e política construída e mantida por vários anos. Ao mesmo tempo em que se configura como fenômeno interno, pois é refletida internamente pelos indivíduos, afetando seu corpo, sua voz, sua imaginação, seus gestos; é também social, intersubjetivo. E propõe uma definição para a humilhação, como sendo “uma modalidade de angústia disparada pelo enigma da desigualdade de classes.” (GONÇALVES FILHO, 1998, p. 03)

Ela é entendida como um fenômeno interno-externo, uma vez que é determinada por questões econômicas e também por questões inconscientes. O indivíduo que sofre humilhação, em função do despojamento material e simbólico, sente-se impedido para a humanidade, o que repercute nele e em seu mundo, seu trabalho e moradia. Este autor analisa a exclusão vivida pelas pessoas pobres, em vários âmbitos, enquanto morador, trabalhador, cidadão. No ponto concernente a moradia, analisa a humilhação vivida por moradores das favelas que, de acordo com ele, implica sofrer humilhação, pois não há a possibilidade de construção de um mundo, de expressão de uma cultura, uma vez que os recursos para investir em seu poder inventivo não estão disponíveis para estas pessoas.

A falta de trabalho é outro componente de humilhação apontado pelo autor. As pessoas pobres que vivem nas cidades, que são tentadas ao consumo de mercadorias a todo instante, sofrem humilhação, pois não possuem meios para conseguir o dinheiro necessário para o consumo dessas mercadorias. Estas pessoas não gozam de status social, portanto, em cidades em que vigoram as relações impessoais, não conseguem adquirir nenhum produto se

não for por intermédio do dinheiro. Não interessa as peculiaridades das pessoas numa relação comercial, pois o fator econômico impera.

Aponta, ainda, algumas questões que deflagram a existência da desigualdade social, sobretudo na sociedade brasileira, e defende que, apesar da tentativa de encobrimento desta condição, ela é flagrante e facilmente reconhecida, sobretudo para as pessoas que vivem em condições de pobreza e que convivem com a discriminação e o não reconhecimento diante da sociedade. Segundo Gonçalves Filho (1998, p.14), “o proletário não é humilhado porque sente ou imagina sê-lo: o sentimento e a imaginação estão fincados numa situação real de rebaixamento.”

Em função da escola ser discriminada, muitos alunos também se sentem discriminados por estudarem lá, sendo que algumas famílias dos bairros vizinhos preferem matricular seus filhos em outras instituições mais distantes. Alguns alunos que lá estão, já estudaram em outras escolas e por questões de aprendizado ou de comportamento foram parar – às vezes sem vontade – na EMCMC.