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2. A INSTITUIÇÃO

2.4. INSTITUCIONALIZAÇÃO

2.4.5. Estratégia da Exclusão

A exclusão do aluno da escola é o momento crucial em que ele se encontra sem alternativas, sem possibilidade de retorno. Algumas formas de exclusão são mais visíveis, no entanto outras acontecem de forma sutil. Nestes casos, aos poucos o aluno é afastado da escola, por uma série de motivos – inclusive pessoais – e depois não consegue mais voltar. Foucault (1999, citado por Eizirik e Comerlato, 2004, p. 23) diz que

[...] as estratégias da exclusão mostram-se extremamente eficientes em sua tarefa, atingindo o sujeito em sua totalidade, envolvendo-o num caminho de saída sem volta, destruindo desejos, afastando alternativas, negando qualquer possibilidade de iniciativa que saia dos padrões regulares da

9 Essa aula de religião é dada, em alguns dias na semana, por jovens participantes de uma igreja evangélica.

Eles não têm horário fixo, nem um projeto para realizar as aulas – estas sempre com histórias bíblicas e cânticos religiosos, com duração de 40 minutos. Os gestores da escola não sabem dizer como foi que eles começaram a fazer esse trabalho e nem sabem se a Secretaria Municipal de Educação (SMED) está a par dessa atividade realizada por essa instituição religiosa dentro da escola. Afirmam que foi uma parceria firmada com a gestão anterior e como os professores gostam, pois deixam os alunos mais calmos, eles, então, permitiram a continuação do trabalho.

escola, enfim, sem nenhum espaço para algo ou alguém que, aos seus olhos, seja diferente.

Em alguns casos os alunos são excluídos de forma explícita – pelo menos quatro alunos foram expulsos da escola no ano da realização da pesquisa. Já no período próximo ao final do ano, a direção da escola foi ao Ministério Público encaminhar alguns alunos que tinham sido expulsos e estavam sem escola, sendo que dois deles já estavam há dois meses sem frequentar nenhuma outra instituição escolar, até que o diretor resolvesse tomar a decisão de encaminhá-los ao Ministério Público.

Para a direção, estes encaminhamentos seriam para que o promotor da infância conseguisse outras escolas que acolhessem estes alunos, pois, na sua compreensão, essa instituição não teria mais como ficar com eles diante dos problemas que causaram. Todos foram expulsos por tentativa de agressão física aos professores ou diretores. Neste caso, a escola assume que não tem mais “capacidade” de acolher este aluno, sendo sua educação transferida a outra instituição de ensino da rede municipal.

Por coincidência, no dia do encaminhamento para o Ministério Público, um destes alunos – que não participa diretamente desta pesquisa – aparece na escola, solicitando falar com a direção. Ele foi perguntar a um dos gestores se poderia voltar para a escola para assistir à aula, depois de ter ficado dois meses sem estudar, este gestor perguntou-lhe sobre sua mãe e o aluno respondeu que esta não iria mais à escola, pois todas as vezes que ela tentou conversar, para que seu filho voltasse a estudar, não obteve resposta da direção. Parece que o aluno estava sozinho, na empreitada de tentar voltar para a escola, pois sua mãe não queria mais tentar resolver seu caso, sugerindo que ela desobrigou-se da responsabilidade sobre ele. A sensação de abandono é grande, e no momento causou-me grande indignação, já que fora o desejo de continuar frequentando as aulas, mesmo faltando apenas dois meses para findar o ano letivo, nada mais ele poderia fazer, pois não é considerado responsável por seus atos. O aluno estava diante do responsável pela escola suplicando por uma oportunidade que na verdade é um direito seu.

Perceber a forma como os alunos se subjetivam na escola, significa entender como eles se sentem na instituição, quais os afetos que relacionam a ela, como a percebem e como se articulam com as pessoas que compõem o cotidiano desta, com os rituais e a ordem social estabelecida dentro dela. Como os alunos se articulam com os professores, funcionários e

com seus próprios colegas, pode apontar para uma desarticulação e um sentimento de não pertencimento.

A forma como o aluno permite a expressão da subjetividade na escola não se relaciona apenas com a sua vivência atual com os processos desenvolvidos dentro dela, mas relaciona-se ainda com outras experiências e aprendizados adquiridos por eles tanto em outros momentos da vida escolar, como em uma heterogeneidade de situações que vivenciaram ao longo da vida, sendo expostos a contatos com diversas pessoas, em ambientes diversos.

A cultura escolar para Pérez Gómez (2001) não é formada apenas pelo que é construído dentro da instituição, deriva também de outros contextos com os quais divide a responsabilidade de socialização dos alunos. Estes estabelecem relações de continuidade com os diversos contextos que frequentam e dos quais extraem recursos materiais, pessoais e simbólicos. Assim, é comum a participação dos alunos da escola em projetos sociais – sendo que nos bairros periféricos onde residem existem inúmeros deles, a exemplo da Pastoral do Menor, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Programa Segundo Tempo, Agente Jovem – de forma que, o que geralmente acontece nesses ambientes é sempre refletido na escola, mesmo que informalmente.

A fim de captar as instâncias micropolíticas, Guattari sugere uma observação que foge ao nível da representação, que propõe uma estrutura geral de significantes sob a qual estariam submetidos os níveis estruturais específicos. Como alternativa, propõe uma investigação micropolítica feita a partir de produção de subjetividades que possibilitam modos de expressão ocasionados por esferas semióticas heterogêneas. Ao signo linguístico, fortemente presente nos estudos das representações, nos estudos da subjetividade são acrescentados outros sistemas de signos como a imagem, gestos, ritos.

Pensando, com base na esfera da educação, temos um componente discursivo importante criado através da formação das representações macroestruturais. Faz-se presente nos diálogos, discussões, debates ou até mesmo nas conversas informais sobre educação, a noção cada vez mais propalada do fracasso desta. Ideia de que a educação não vai bem, que os alunos não estão aprendendo e que os professores não se preocupam mais em ensinar, que o ensino está sucateado, que a escola não exerce mais sua função.

Esta representação da escola foi criada e se alastra vertiginosamente a ponto de ser incorporada já como verdade inquestionável. Ora, esse discurso não leva em consideração o que tem sido feito e construído no dia a dia das instituições escolares, experiências plausíveis de integração, aprendizagem, socialização que aparecem vez por outra nos meios de comunicação para dizer que formas criativas e potentes de invenção da escola estão acontecendo aqui e acolá. Existem, no entanto, duas posturas possíveis para se posicionar diante desta situação:

Embarcamos nesse processo de divisão social geral da produção de subjetividade e não há mais volta. Mas, por isso mesmo, devemos interpelar todos aqueles que ocupam uma posição de ensino nas ciências sociais e psicológicas, ou no campo de trabalho social – todos aqueles, enfim, cuja profissão consiste em se interessar pelo discurso do outro. Eles se encontram numa encruzilhada política e micropolítica fundamental. Ou vão fazer o jogo dessa reprodução de modelos que não nos permitem criar saídas para os processos de singularização, ou, ao contrário, vão estar trabalhando para o funcionamento desses processos na medida de suas possibilidades e dos agenciamentos que consigam pôr para funcionar. Isso quer dizer que não há objetividade científica alguma nesse campo, nem uma suposta neutralidade na relação (por exemplo, analítica). (GUATTARI; ROLNIK, 1986, p.29)

Para compreender os processos de subjetivação dos alunos na instituição escolar é imprescindível compreender os interstícios da escola, as relações produzidas dentro dela e a forma como os alunos produzem sentido a partir desses (des)encontros. A forma como esses processos foram vistos, apreendidos e até mesmo criados vão ser explicitados a seguir, sendo que a próxima seção vai tratar do modo como cheguei a esses processos, os caminhos, e em seguida discutirei um pouco sobre em que consiste esses processos e como eles foram por mim compreendidos ao longo da pesquisa.

3 REFAZENDO OS PASSOS : TRAJETÓRIA METODOLÓGICA