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1. PROJETO EDUCACIONAL MODERNO, ESTRATÉGIAS DE GOVERNO E A

1.2. PROJETO DE MODERNIZAÇÃO BRASILEIRO

As discussões sobre a universalização da educação não se tornaram realidade de fato, ainda é grande o número de crianças encontradas fora da escola. As reformas educacionais que aconteceram no Brasil no início do século XX não aumentaram as oportunidades de educação escolar para as classes populares. Para Patto (1999), os intelectuais, nesta época, pensavam a sociedade brasileira, marcadamente latifundiária e escravocrata, de acordo com os ideais liberais europeus. Dessa forma, o ideário liberal não passava de retórica e estava alheio à realidade do Brasil, já que “quando da proclamação da República, menos de 3% da população frequentava a escola, em todos os seus níveis, e 90% da população adulta era analfabeta.” (PATTO, 1999, p.79)

A arena política existente na primeira fase da República, composta por uma elite letrada, vivia uma forte contradição: pretendia educar as massas e ao mesmo tempo manter seus privilégios. Portanto, o objetivo não era que a população tivesse acesso a seus direitos, mas continuar exercendo o controle e moldar a massa populacional sob os novos princípios da produção industrial capitalista. A educação, de acordo com Rizzini (1997), era vista como meio de conter a ociosidade e a criminalidade e não como instrumento para diminuir a desigualdade.

Ao mesmo tempo em que o governo brasileiro compromete-se em ampliar a educação para todas as classes sociais, em tornar a educação pública, gratuita e universal, a realidade demonstra o aumento do número de crianças e adolescentes fora da escola e muitos passam a morar na rua. Por outro lado, cresce o número de instituições, organizações e movimentos em prol da criança e do adolescente que reforçam esta situação de rua e em certa medida “naturaliza” a presença destes fora da escola, pois são formulados de forma desconectada com a instituição escolar.

Nos anos de 1920 se esboçam algumas políticas sociais de proteção aos menores abandonados e delinquentes. O Código de Menores de 1927, Decreto 17.943, serviu para nortear o atendimento da infância abandonada e constituiu-se na principal resposta estatal, que pretendia evitar o comportamento delinquencial através de internação e tratamentos corretivos. (PASSETTI, 2000)

Em seguida, durante o governo militar foi criada a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBM) com o objetivo de educar e integrar socialmente o “menor”. Esta política limitou-se a criação da Fundação do Bem-Estar do Menor (FUNABEM) e da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (FEBEM), instituições de caráter assistencialista, corretivo e repressor. (PASSETTI, 2000; ABREU, 2002) Em 1979 foi criado o Segundo Código de Menores, Decreto 6.697, com o intuito de atualizar a PNBM; desde então, a questão do menor passa a ser tratada pela Doutrina da Segurança Nacional, cuja formulação teórica foi construída pela Escola Superior de Guerra, instituição que norteava as ações do governo militar.

Com o final do Regime Militar, na transição entre os anos 1970 e 1980, eclodiram inúmeras mobilizações sociais, que reivindicavam, dentre outras coisas, a garantia dos direitos da criança e do adolescente. A síntese desse momento foi a elaboração da Constituição Federal, que atendeu algumas reivindicações desses movimentos e propiciou maior discussão e posterior aprovação da lei considerada como uma das mais avançadas do

mundo tratando-se da Defesa dos Direitos das Crianças e Adolescentes: a Lei N° 8.069/90, que formaliza a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Este Estatuto propiciou a nova concepção da criança enquanto Sujeito de Direito e, a partir de então, em todo o Brasil passam a ser discutidas políticas públicas que pudessem garantir efetivamente esses direitos às crianças e adolescentes, sobretudo aquelas que se encontram em situação de maior vulnerabilidade social.

À medida que cresce o número de programas, projetos e políticas direcionadas a crianças e adolescentes em situação de risco, tornam-se mais escassas as discussões sobre a necessidade de conectá-los à escola. Partindo da constatação de que a infância vulnerável demanda uma educação mais contextualizada e mais condizente com sua realidade social e com seu cotidiano, várias formas de educação foram (re)pensadas e estas, de certa forma, suprimem a presença da escola em seus projetos; por esta razão esses jovens estão inseridos em vários campos de sociabilidade e estes, raras vezes, são pensados de forma complementar. Eles possuem interesses específicos em relação à sociabilidade destas crianças e adolescentes e comumente entram em oposição uns com os outros. Para Lucchini (2003, p. 60),

Cada um dos campos (família, programa de assistência, escola, rua) é por si só conflitante. A criança se vale, aliás, dessa dupla tensão (conflito interno e falta de complementaridade entre os campos) para justificar seus abandonos periódicos dos diferentes campos.

Existe uma “trama institucional” formada por organizações jurídicas, casas de acolhimento, instituições de educação não-formal que direcionam seus trabalhos aos jovens em situação de risco e que, segundo Gregori (2000), fomentam rivalidades por recursos e prestígios, atuam de forma isolada, sendo comum entre elas a falta de comunicação, troca de informações e ausência de um projeto de futuro mais contundente para estas crianças e adolescentes.

Muitos deles, que se encontram em situação de risco não frequentam a escola, no entanto, estão sendo acolhidos por alguma instituição que tem como objetivo inseri-los socialmente. Pode-se, desta forma, questionar qual seria então o papel dessas instituições em relação à escola, pois, ao que parece, elas atuam de forma excludente, como assinala Arpini (2003, p.162):

É importante acrescentar que a vida escolar desses adolescentes é cheia de interrupções, trocas e transferências, o que também é causa de desânimo e desmotivação. Essas interrupções [...] estão relacionadas à instabilidade

em que vivem, pois, quando deixam a casa dos pais para viverem em uma instituição, muitas vezes a escola que estavam frequentando fica muito distante da nova residência e eles são transferidos para uma outra, mais próxima.

Neste campo de rivalidades, a escola, muitas vezes, é colocada em segundo plano ou sequer aparece. Essas instituições, de certa forma, negligenciam a educação formal e para as crianças que ficam circulando entre elas, poucas vezes sobra tempo para frequentar a instituição escolar, sendo que, esta condição contribui para a situação de vulnerabilidade dos alunos e muitas vezes, até estimula que deixem de frequentar a escola, indo, em alguns casos, para a rua.

Além das inúmeras tentativas de disciplinarização dos alunos já vistas nos itens anteriores, no tópico seguinte falarei da forma como esse aluno é capturado pelo poder, dos discursos de verdade construídos sobre ele e como operam as técnicas que se ocupam em criar estratégias para sua governamentalização.