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1. PROJETO EDUCACIONAL MODERNO, ESTRATÉGIAS DE GOVERNO E A

1.3. TECNOLOGIAS DE GOVERNO

1.3.1. Governamentalidade

A disciplinarização recorrente nos ambientes escolares não deixa de existir com a eminência das táticas de governo, assim como a soberania. Elas passam a coexistir, pois para gerir a população é necessário o fundamento da soberania, bem como o desenvolvimento da disciplina “trata-se de um triângulo: soberania – disciplina – gestão governamental, que tem na população seu alvo principal e nos dispositivos de segurança seus mecanismos essenciais.” (FOUCAULT, 2001, p.291)

Uma das características da modernidade é a organização do sistema mundial em Estado-nação, o que faz pensar que os sujeitos devem ser organizados como pertencentes a um território e, para tanto, é necessário cuidar do coletivo de forma mais totalizadora, bem como tratar as pessoas de forma mais individualizadora. Nesse sentido vão ser pensadas táticas para que as pessoas possam ser governadas em suas ações mais individualizadas.

Foucault, em sua obra Microfísica do Poder, refere-se a duas formas de governar apontadas por La Perrière. A primeira delas é o governo da soberania; cita como exemplo O Príncipe de Maquiavel, cujo objetivo é proteger seu território, governa através das leis e não

tem contato com os principados que serão governados, é exterior a eles. Em seguida, fala de outro tipo de governo: “O governo é definido como uma maneira correta de dispor as coisas para conduzi-las não ao bem comum, como diziam os textos dos juristas, mas a um objetivo adequado a cada uma das coisas a governar.” (FOUCAULT, 2001, p.284) Percebe-se, portanto, que aqui o foco não está mais no território e sim nas coisas, nas relações, nos sujeitos envolvidos.

Atender a cada uma das coisas significa uma pluralidade de objetivos específicos e para se atingir essas finalidades diversas é necessária uma disposição, uma configuração das coisas de forma a favorecer que estes objetivos sejam alcançados e que as leis sejam pouco enfatizadas em relação às táticas, a menos que elas possam ser também utilizadas como táticas. A governamentalidade abarca uma série de elementos como instituições, procedimentos, cálculos. Para que se alcance seu objetivo é preciso que exista arranjos técnicos, uma conjunção de forças legais e financeiras e a utilização de instrumentos (pesquisa, treinamentos) para que se governe não apenas as decisões como também as ações individuais.

Para La Perrière (apud FOUCAULT, 2001), o bom governante deve ter paciência – deve governar sem utilizar da força – e usar como armas a sabedoria e a diligência, sendo a primeira entendida como o conhecimento dos objetivos que deve atingir e como fazer para atingi-los e a segunda como uma forma de governar que transpareça que o governo está a serviço dos governados.

A população passa a ser o alvo final do governo, sua melhoria, aumento da riqueza e saúde. Para tal finalidade, o governo usará instrumentos diretos, como campanhas e indiretos, para alcançar determinados fins, configurando-se, portanto, a população, como sujeitos de necessidades e objetos acionados pelo governo, “como consciente, frente ao governo, daquilo que ela quer e inconsciente em relação àquilo que se quer que ela faça.” (FOUCAULT, 2001, p.289)

Nas estruturas governamentalizadas são estabelecidas relações de poder que utilizam táticas multiformes e uma variedade de especialistas que geram políticas sociais, econômicas, culturais que produzirão problemas sociais para os quais as ações governamentalizadas são dirigidas, no intuito de regular e controlar seus alvos. Assim, de acordo com Bujes (2002, p. 79):

Para atingir a perfeição e bem governar é preciso dispor de meios, prever táticas, pôr em ação as estratégias que nos levem à consecução de certos fins. O que deve ser ressaltado é que o conjunto de práticas, de rotinas e de rituais institucionais, quando orientados por alguns princípios ou metas e balizado por um processo de reflexão torna tais atividades governamentais.

1.3.2 Comportamentos de autodisciplinamento

As técnicas de governamentalidade, no âmbito escolar, produzem microtecnologias visando, assim, à produção de subjetividades dos alunos. Foucault (2001) buscou analisar os sujeitos no interior das instituições através dos mecanismos utilizados para o seu confinamento, práticas disciplinares, tecnologias do eu e alguns comportamentos de autodisciplinamento produzidos de acordo com regras e práticas particulares, de forma que os sujeitos se controlem e mantenham os outros também sob controle.

Os comportamentos de autodisciplinamento é trivial no contexto escolar, em que a começar pelos alunos que se observam, se denunciam, se controlam. Um exemplo curioso da pesquisa, que denota esses comportamentos de delação, foi durante a entrevista da aluna Noemi, que quando perguntada sobre o que mais gostava de fazer na escola, respondeu “separar brigas, tia”. Por não ser uma aluna considerada com “mau comportamento”, as professoras e gestoras entrevistadas só lembraram-se dela em função de suas recorrentes atitudes de delatar os colegas.

Para constituir-se enquanto sujeito, este mesmo indivíduo exerce relações de poder sobre si e sobre os outros, bem como as instituições, por sua vez, exercem poder sobre si e sobre os sujeitos que estão ligados a ela. Estes poderes, no entanto, podem aparecer como capilares e moleculares, e vale destacar que

[...] este poder é relacional, capilar, disseminado por toda a estrutura social. Também quero chamar a atenção para o fato de que o exercício do poder se estabelece porque envolve indivíduos, comunidades, instituições, Estados que se encontram em relações assimétricas, com posições diferenciadas de poder. (BUJES, 2002, p. 83)

A governamentalidade está associada ao processo de constituição do sujeito, sendo que este processo “envolve relações do sujeito consigo mesmo, relações privadas interpessoais ou com algum mentor profissional ou relações com/entre instituições/comunidades (...)” (BUJES, 2002, p.82). Nesta pesquisa, a investigação dos