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CAPÍTULO II – O processo de ensino e de aprendizagem da Geometria no 1º Ciclo do Ensino Básico numa

1. A Escola na sociedade contemporânea

A Escola, enquanto organização social, formalmente instituída, persegue objectivos específicos. Apesar de se considerar que a sua finalidade “por excelência [...] é o ensino e o ofício primeiro do professor é ensinar” (Guimarães, 2003: 1) muitos autores (e.g. Benavente, 2002; Costa, 1996; Cortesão, 2000; Figueiredo, 2000; Fleuri, 2001; Nóvoa, 1995; Patrocínio, 2002; Perestrelo, 2001; Perrenoud, 2002; Sampaio, 1999) insistem na necessidade de se compreenderem as dimensões e o alcance de tal finalidade à luz do que é hoje o entendimento geral sobre o conceito de Escola, cultura e professor. Na verdade, ainda que se considere que o “ensino é, fundamentalmente, um processo de comunicação pelo qual o conhecimento disciplinarmente instituído em diversas áreas é transmitido de geração em geração ao longo das épocas” (Guimarães, 2003: 2) ocupando o professor, neste processo, um lugar de destaque, encaramos (tal como o autor citado) como redutor e antinatural, confinar às quatro paredes de uma sala de aula (tanto no sentido de fora para dentro como no sentido contrário) tudo o que aí se passa, desligando-a dos elementos que caracterizam uma dada época. Tal atitude conduzir-nos-ia, inevitavelmente, a uma compreensão parcelar da realidade educativa que, embora útil, nos parece frágil no contexto de um fenómeno que, também, consideramos complexo e mais abrangente.

1.1. Escola

Qualquer sistema educativo é, na opinião de muitos investigadores (e.g. Canavarro, 2003, Galhardo et al., 1987; Nóvoa, 1995; Perestrelo, 2001; Valentinni, 1979), o reflexo da sociedade em que se insere e a projecção das linhas mestras da sua evolução. Esta relação

escola-sociedade tem influências determinantes no modo como é encarado o papel do professor e, em consequência disso, na formação de que este deve ser objecto. A este propósito, por exemplo, Pérez Gómez (1992), refere-se à formação de professores como sendo um domínio profundamente dominado e determinado pelos conceitos de Escola, ensino e currículo prevalecentes em cada época, ligação que, para este autor, se apresenta cada vez mais complexa, à medida que nos aproximamos dos tempos modernos.

Numa retrospectiva histórica elaborada por Mialaret (1981) podemos identificar diferentes papéis desempenhados pela Escola desde a época do Renascimento, altura que o autor caracteriza como de extraordinária expansão dos limites do conhecimento humano, até ao papel que hoje desempenha caracterizado, segundo o mesmo autor, por ideais de igualdade, de justiça e de democracia, onde a tecnologia científica e os mass-media são cada vez mais importantes.

Em Ribeiro (1995), com base numa revisão de literatura, afirma-se que, ao longo deste espaço de tempo, a Escola foi chamada a desempenhar os mais diferentes papéis. A preparação dos jovens no sentido de os manter fiéis à monarquia (perspectiva política) e de luta contra as reformas (perspectiva religiosa), foram perspectivas que vigoraram até por volta do século XVIII, altura em que o Estado substituiu a Igreja como entidade da tutela dos professores. A necessidade de preparar os mesmos jovens num contexto de desenvolvimento das ciências da natureza e das ciências experimentais determinada pelo movimento dos enciclopedistas (perspectiva cultural) e ainda exigências determinadas pelo desenvolvimento das grandes indústrias (perspectiva económica) foram, entre outros, factores que determinaram os papéis que, em certos momentos, a Escola foi chamada a desempenhar.

Para além do papel que a sociedade, de alguma forma, propõe (ou impõe) à Escola esta foi, também, na opinião de Moura (1993), o reflexo das tendências teóricas ou áreas do conhecimento predominantes em diferentes épocas ou, como dizem Galhardo et al. (1987), “o reflexo de tensões sociais, de ideologias contraditórias e de lutas de interesses” (22).

Em Portugal assistimos à consolidação de um sistema escolar básico e obrigatório que já tem cerca de 160 anos (Moreira, 2003) baseado numa centralização, por parte do Estado, dos conteúdos a estudar nas Escolas e a uma delegação, na corporação docente, do poder de intervenção pedagógica deixando de fora a intervenção dos pais e da restante

comunidade cuja intervenção “foi encarada como uma espécie de intromissão, na melhor das hipóteses tolerada com alguma resignação” (Nóvoa, 1995: 33).

Nos últimos anos, contudo, temos assistido a uma revalorização da Escola enquanto objecto de estudo (e.g. Lima, 1996; Nóvoa, 1995; Stoer, 1994) o que tem conduzido, na opinião de Lima (1996), a alguns projectos de investigação e intervenção, sobretudo a partir da década de oitenta. Este investigador, referindo-se a alguns dos trabalhos desenvolvidos (eg. Barroso, 1995; Benavente, 1990; Galego, 1993) considera-os “suficientemente esclarecedores quanto ao interesse e ao potencial encerrados nesta orientação analítica” (28).

De igual forma, também Nóvoa (1995) defende que “as escolas constituem uma territorialidade espacial e cultural, onde se exprime o jogo dos actores educativos internos e externos” (16) justificando, desta forma, o esforço que, nos últimos anos, alguns investigadores têm desenvolvido com o objectivo de a perceber enquanto organização socialmente instituída. Tais estudos têm conduzido a metáforas2, todas elas muito ricas sob o ponto de vista analítico, ao mesmo tempo que traduzem perspectivas, porventura complementares, sobre a forma como esta é encarada e as funções que os seus actores desempenham. Como diz Canavarro (2003), “compreender as culturas de escola é essencial para compreender o trabalho dos professores [...] para além de enquadrarem o trabalho do professor, de serem palco da construção de significados das suas práticas, e influenciarem o seu desenvolvimento profissional, as culturas profissionais têm ainda um papel importante: o de filtrarem a mudança educativa”. (101)

Costa (1996), considerando que “a escola, enquanto organização, constitui, seguramente, umas das áreas de reflexão educacional que se tornou visível nos últimos tempos” (7), num trabalho, na sua opinião, ainda em aberto e onde se propõe analisar algumas metáforas e imagens associadas à organização escolar, identifica antecedentes e pressupostos teóricos subjacentes a cada uma dessas imagens.

Começando por identificar algumas propostas para definir o conceito de ‘organização’ deixa claro que uma definição, universalmente aceite, está longe de ser conseguida porquanto, “a definição de organização assume conotações diferenciadas em função das perspectivas organizacionais que lhe dão corpo [...] que enformam os diversos posicionamentos, encontrando-se, por isso, cada definição de organização vinculada aos pressupostos teóricos dos seus proponentes” (12).

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Escola como ‘organização’, ‘burocracia’, ‘organização anárquia’ são apresentadas por Bell (1990). Para mais pormenores consultar, também, Teixeira (1995).

Teixeira (1995), considerando ser necessário delimitar, tanto quanto possível, o conteúdo que damos ao conceito organização, adopta uma proposta de Hall (1984):

Uma organização é uma colectividade com uma fronteira relativamente identificável, uma ordem normativa, escalas de autoridade, sistemas de comunicação e sistemas de coordenação e afiliação; essa colectividade existe numa base relativamente contínua num ambiente e compromete-se em actividades que estão relacionadas, usualmente, com um conjunto de indivíduos. (5)

Conciliando duas das definições apresentadas e que pertencem, respectivamente, a Etzioni (1984) e Worsley (1977), Costa (1996) também acaba por considerar que uma ‘organização’ é uma unidade social ou agrupamento intencionalmente construído, aparentemente persistente no tempo, a fim de atingir objectivos específicos.

A Escola, enquanto organização e independentemente dos contornos adoptados para a definição do termo – já que será difícil encontrar alguma que não seja aplicável à escola (Lima, 1992, citado por Costa, 1996) – resultou, no tempo e no espaço, de necessidades várias, porventura radicadas na sociedade e com objectivos que, sendo específicos, traduzirão, ainda que de forma implícita, formas diversas de entendimento dos objectivos e metas que norteiam, em cada momento histórico, essa mesma sociedade.

Bertrand e Valois (1994) confirmam esta ideia quando afirmam que as organizações escolares, enquanto sistemas, “possuem uma certa autonomia mas são também os componentes de um todo muito mais vasto chamado sociedade” (13) ou que:

A organização educativa é um sistema que, com auxílio de diversas estratégias, busca fins definidos pela sociedade. As suas actividades são determinadas, em grande parte, pelo paradigma sociocultural dominante, de tal forma que tende sobretudo a reproduzi-lo. (37)

Desta forma, estes autores deixam transparecer alguma forma de ‘hierarquia’ que coloca a organização escolar num patamar de relativa inferioridade, mesmo que se admita que ela possa “procurar fins diferentes daqueles ditados pela sociedade... [...] e intervir na sua evolução” (37).

O seu estudo, enquanto tal, foi, ao longo de algum tempo, subalternizado relativamente a outros domínios de investimento predominante nas ciências da educação – aluno, turma ou sistema educativo. No entanto “tornou-se, nos tempos recentes, um objecto de estudo privilegiado [...] senão o objecto de estudo dominante das ciências da educação”

(Costa, 1996: 19) constituindo, a sua estrutura organizacional e funcional, os objectos de estudo por excelência.

Na senda do estatuto de escola eficaz e após um percurso caracterizado pela adopção de diferentes modelos organizacionais (e.g. racional, estrutural, de recursos humanos e sistémicos, etc.) que, na opinião de Nóvoa (1995), retiraram aos actores educativos o papel de protagonistas, assiste-se à adopção de modelos políticos que, numa opinião por ele partilhada, “introduziram novos conceitos (poder, disputa ideológica, conflito, interesses, controlo, regulação, etc.) que enriqueceram a análise das organizações escolares” e os modelos simbólicos que “vieram pôr a tónica no significado que os diversos actores dão aos acontecimentos e no carácter incerto e imprevisível dos processos organizacionais mais decisivos” (25). Estes modelos, ao valorizarem o significado que cada um dos intervenientes no processo educativo atribui aos acontecimentos, ao que se passa dentro e fora da Escola, quem os protagoniza, de que forma, com que finalidades e quais as repercussões, trouxeram para a mesa das discussões outros conceitos como, por exemplo, o conceito de cultura de Escola (Nóvoa, 1995).

1.2. Cultura

Lima (2002) afirma que “quase todas as principais concepções existentes sobre a cultura das escolas são essencialmente idealistas (itálico no original) no sentido de que representam a cultura como quadros interpretativos que permitem conferir significado aos comportamentos dos actores, em vez de comportamentos propriamente ditos” (18) e dá, como exemplo, os trabalhos de Feinman-Nemser e Floden (1986) onde se define a cultura dos professores como o conhecimento que estes utilizam para definir as suas situações de trabalho, e outros casos onde se coloca a ênfase nas representações, e nos valores e onde se ignoram as práticas:

Estas diversas perspectivas têm em comum o facto de ignorarem as práticas (por exemplo, os costumes, os rituais e as cerimónias) como parte integrante do sentido antropológico original do termo cultura. (itálico no original) (18)

Uma definição do conceito que englobe, simultaneamente, representações e actos é apresentada por Trice e Beyer (1993) (citados por Lima, 2002). Segundo estes investigadores, cultura é um “fenómeno colectivo que incorpora as respostas das pessoas

às incertezas e ao caos que são inevitáveis na experiência humana” (19) distinguindo-se duas categorias principais de cultura:

Os autores distinguem duas categorias principais de cultura: substância (“sistemas particulares de crenças emocionalmente investidos aos quais chamamos ideologias”) e formas (“entidades observáveis, incluindo acções, através das quais os membros de uma cultura exprimem, afirmam e comunicam uns aos outros a substância da sua cultura”). (ib: id).

Hamilton e Richardson (1995) (também citados por Lima, 2002) definem cultura como “o conhecimento socialmente partilhado e transmitido do que é e devia ser, simbolizado em actos e artefactos” (ib: id).

Para Fernandes (2001) o que caracteriza a cultura de uma determinada sociedade e/ou grupo social “é a maneira de se conceber a vida, de a organizar e de a viver” (102) o que pressupõe, para este autor, que esta esteja em permanente evolução e resulte de uma pluralidade de sub-culturas3 constituídas por dois traços fundamentais: traços espirituais (ideias, crenças, usos, costumes, valores, formas e códigos de comunicação, conhecimentos, aspirações, ambições, expectativas e estratégias de promoção social) e traços materiais (técnicas utilizadas, utensílios de uso corrente, instrumentos e meios de produção, realizações materiais e obras criadas).

Nóvoa (1995), a propósito das organizações escolares, afirma que “ainda que estejam integradas num contexto cultural mais amplo, produzem uma cultura interna que lhes é própria e que exprime os valores (ou os ideais sociais) e as crenças que os membros da organização partilham” (29). Esta cultura interna, fruto das interacções desenvolvidas no seu seio, protagonizada pelos mais diversos intervenientes que aí traduzem alguns dos aspectos que lhes são particulares deve, mesmo admitindo-se alguma persistência no tempo, ser considerada vulnerável ao mesmo tempo que pode, ela própria, vulnerar o tecido social mais amplo em que está inserida. Entre ambas existe uma ténue membrana osmótica permeável nos dois sentidos. Gray (1990), afirma que:

O que acontece nas organizações formais acontece nas organizações informais. As organizações formais são associações de indivíduos ao serviço de propósitos sociais amplos mas no fundo tendo que lidar com as exigências individuais. As organizações são criadas pelos seus membros, não têm uma

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A utilização do termo ‘sub-cultura’ impõe alguma prudência na medida em que pode conduzir a um entendimento de uma forma subalterna de cultura, um nível de cultura hierarquicamente inferior ou uma cultura mais pequena quando, em nossa opinião, a utilização deste termo decorre, tão só, de uma simplificação de designações.

preexistência formal inerente; não são descobertas, são criadas e, sendo criadas pelas pessoas, são criaturas mesmo quando se comportam como a criatura de Frankenstein que parece ser mais poderosa que o seu criador. (145)

Da mesma opinião é Warnier (2000) quando, reconhecendo que não existe nenhuma sociedade ou organização social no mundo que não possua a sua própria cultura, afirma que “uma cultura não pode viver nem transmitir-se independentemente da sociedade que a alimenta” (11).

Encarada a Escola como um palco onde coexistem diferentes actores, cada um deles com percursos de vida, conhecimentos, costumes e representações – uma espécie de sub-cultura pessoal como lhe chama Godson (1990) – que podem ser (na maior parte dos casos são) diferentes, partilham rituais e hábitos, disputam lideranças, interesses e ideologias, em suma, interagem, configura um cenário cujo estudo é complexo (Lima, 2002). Em primeiro lugar porque, como diz Iturra (1997), “quem vai à escola é a genealogia e não o indivíduo” (12) e, como diz Benedict (2002), “não há ninguém que veja o mundo com uma visão pura de preconceitos” (14) ou, ainda, como diz Gramsci (1978) citado por Perestrelo (2001) “a consciência da criança não é algo individual [...] é o reflexo da fracção da sociedade civil da qual participa, das relações tais como elas se concentram na família, na vizinhança, na aldeia, etc.” (13). Assim, cada um desses intervenientes (professores, alunos, funcionários, pais e outros) veicula, para essa estrutura formal, uma diversidade muito grande de percursos de vida, conhecimentos, crenças, valores e representações cuja convergência pode ser, como diz Williams (1994) “em tudo igual a outras convergências, e inclui, pelo menos, tantas colisões e fricções como entendimentos genuínos” (9). Por outro lado, também porque “os conhecimento, os valores, as normas e os padrões dominantes de comportamento destes actores sociais são difíceis de identificar: não estão disponíveis à observação directa e organizam-se de modos diversos e complexos” (Lima, 2002: 20).

É, pois, num contexto de diversidade cultural que se cruza na Escola que, cada vez mais, se reconhece a necessidade de compreensão da cultura profissional do professor (como se cria e desenvolve, como se organizam profissionalmente, como encaram a sua profissão, como se relacionam com a Escola, os colegas e o currículo, etc.) mas, também, a necessidade de se compreender melhor o ‘costume’ individual como forma de compreensão do ‘costume’ colectivo – “a ciência do costume” como lhe chama Benedict

(2002). É, também, num contexto de diversidade cultural e, um pouco, à luz da ‘ciência do costume’ que Benavente (2002) entende que “as políticas de ensino [...] jamais poderão contribuir para mais qualidade de ensino se o país não se modernizar e desenvolver, se cada um (professor, pai, autarca, aluno) não se responsabilizar pelo seu trabalho e passar o tempo a «culpar» os outros” (disponível a 14/6/2002 em http://dn.sapo.pt/radiografia /educação/AnaBenavente.htm). Do mesmo modo, Reis (2003), referindo-se a problemas relacionados com o ensino e a aprendizagem de uma disciplina em particular – a Matemática –, defende que, tal não pode ser encarado “desligando-o de problemáticas mais vastas, nomeadamente a da situação portuguesa, em geral, e a do sistema educativo, em particular” (101).

Com efeito, para se compreender o que se passa nas Escolas, como, o quê e o porquê do que se ensina, bem como o que se aprende, como e para que serve, parece não ser suficiente ocuparmo-nos dos professores. Moreira (2003) afirma que, “com a generalização da escolaridade obrigatória a família começou a dividir com a escola a educação das crianças [e que] o sistema educativo, através de decretos e leis, tem vindo a chamar a si, de forma progressiva, a participação dos encarregados de educação e da comunidade em geral” (4-5).

Benavente et al. (1994) referidos por Moreira (2003) afirmam que:

Se durante muito tempo foi admitida e incontestada a separação entre os domínios e as atribuições da instituição familiar e a instituição escolar, assiste- se, sobretudo nos últimos vinte anos, a uma transformação no sentido de esbatimentos das fronteiras e do progressivo alargamento das atribuições da escola. (5)

Por outras palavras, parece-nos claro que a finalidade principal com que foi instituída a Escola é ensinar. Mas, tal finalidade, parece, cada vez mais diluída por outros intervenientes e cada vez menos da responsabilidade exclusiva do professor. Benavente (2002) deixa claro que a qualidade de ensino depende do professor. Contudo, não isenta de responsabilidades os pais, os alunos e outros agentes que, directa ou indirectamente, o podem influenciar. É que, como diz, também, Carmona (1992), “o professor não existe isolado e a sua actividade tem de ser equacionada no contexto mais amplo das actividades desempenhas pelo homem” (3), ou seja do seu ambiente cultural. A cultura fornece, como diz Benedict (2002), a matéria-prima de que o indivíduo faz a sua vida. Se ela é pobre, o indivíduo sofre; se é rica o indivíduo tem a probabilidade de aproveitar as oportunidades

que se lhe oferecem. Utilizando as suas palavras: “Nenhum indivíduo pode atingir só o limiar das suas potencialidades sem uma cultura em que participe” (Benedict, 2002: 278).

Não podemos ignorar, pois, que o professor, considerado como peça fundamental de um qualquer sistema educativo é, ele mesmo, um ser humano, simultaneamente produto e produtor de cenários mais complexos e abrangentes onde, pacífica ou conflituosamente, se cruzam, se filtram e porventura se criam e recriam conhecimentos, costumes, rituais, hábitos, práticas e também representações sobre os mais variados aspectos da sua vida pessoal e profissional, ou seja, os elementos culturais em que se insere (Wilder, 1998) e que vão condicionar todo o processo de ensino e, por essa via, a aprendizagem dos alunos.

Nóvoa (1995), referindo os estudos de alguns investigadores (Bourdieu, 1964; Coleman, 1966; Passeron, 1967) argumenta que as variáveis sociais, culturais e familiares interferem no sucesso dos alunos e afirma que, “no decurso dos últimos vinte e cinco anos, a investigação educacional demonstrou de forma inequívoca a impossibilidade de isolar a acção pedagógica dos universos sociais que a envolvem” (15). A ideia que este investigador deixa transparecer aponta no sentido de que o investimento feito (ou a fazer) com vista à identificação e análise de um factor de (in)sucesso – o professor – pode ser insuficiente uma vez que, no acto educativo, estão envolvidos outros actores sociais que lhe conferem uma dimensão mais ampla e complexa, uma dimensão social e cultural.

1.3. O Professor

A função do professor4, encarado como o profissional que corporiza as orientações que, em cada momento histórico, determinam as funções da Escola, é frequentemente definida e apresentada sob a forma de imagens e de metáforas. Cada uma destas metáforas tem subjacente, segundo Mialaret (1981), para além de uma determinada representação de Escola, uma teoria do conhecimento e da transmissão da informação, bem como uma representação das relações entre teoria e prática, entre investigação e acção. Exemplos dessas metáforas são o professor como transmissor de conhecimentos, como modelo de

comportamento, como técnico, como executor de rotinas, como planificador ou como sujeito que toma decisões e resolve problemas.

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Independentemente de se poderem identificar outras funções ou cargos atribuídos aos professores para além da função lectiva como, por exemplo, Director de Turma, Coordenador de Agrupamento/Departamento disciplinar, Gestor de instalações ou membros do Conselho Executivo (Seco, 2002), no âmbito desta dissertação restringir-nos-emos à função lectiva.

Através de um inquérito levado a cabo no Québec e a que Mialaret (1981) faz referência, podem identificar-se outras metáforas que distinguem bem os diferentes papéis com que o professor pode ser identificado: o de mestre (aquele que transmite informação), o de treinador (aquele transmite aos alunos alguma informação e os faz trabalhar no sentido de a aprofundarem), o de guia (aquele que transmite informação aos alunos e lhes sugere métodos para aprofundar conhecimentos), o de supervisor (aquele que sugere trabalhos e supervisiona a sua realização) e o de centro de documentação (aquele que deixa aos estudantes a escolha dos trabalhos a fazer e serve de centro de documentação quando tal lhe for solicitado).

Demailly (1992) refere, sem todavia explicar, as metáforas do maestro, de palhaço e de dona de casa, metáforas que, na sua opinião, os professores mobilizam para falarem da sua profissão. Subjacentes a estas metáforas está, de acordo com a sua opinião “a natureza temporal dos «produtos» e a existência de actores que permitem a sua realização,